Acórdão nº 31/05.4TAALQ.L2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Fevereiro de 2012

Magistrado ResponsávelISABEL PAIS MARTINS
Data da Resolução23 de Fevereiro de 2012
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça I 1.

No processo comum, com intervenção do tribunal singular, n.º 31/05.4TAALQ.L2, do 1.º juízo do Tribunal Judicial de Alenquer, por sentença de 24/05/2011[1], foi decidido: – condenar o arguido AA, pela prática de um crime de ofensa à integridade física, por negligência, p. e p. pelo artigo 148.º, n.

os 1 e 3, do Código Penal, na pena de nove meses de prisão, substituída por prestação de duzentas e setenta horas de trabalho a favor da comunidade; – julgar o pedido de indemnização civil deduzido pelo demandante BB contra a Companhia de Seguros ... S.A., parcialmente procedente e condenar a demandada a pagar ao demandante «a quantia total de € 105 796,00 (descontado que será o montante de € 32 159, 36, já recebido pelo demandante no âmbito de processo de trabalho)», com juros de mora desde a data da sentença até integral e efectivo pagamento.

  1. A demandada civil, Companhia de Seguros ... S.A., recorreu para a relação, formulando as seguintes conclusões: «1. O acidente de viação em causa foi, simultaneamente, um acidente de trabalho.

    «2. Não são acumuláveis as indemnizações por danos resultantes de facto que constitui simultaneamente acidente de viação e de trabalho.

    «3. O demandante BB optou pelo recebimento das verbas indemnizatórias a cargo da seguradora Companhia de Seguros A...P..., SA. no montante de € 32.159,36.

    «4. As quantias pagas pela seguradora A...P... ao demandante no âmbito do processo de trabalho restituem-no integralmente ao estado anterior à lesão.

    «5. Falece fundamento que suporte a arbitrada indemnização de € 75.000,00 a título de danos futuros (dano biológico).

    «6. A indemnização por danos não patrimoniais fixada em € 30.000,00 extravasa os padrões comuns da nossa jurisprudência.

    «7. Na verdade, atento o preceituado no art° 496°- 3 do Código Civil, considera-se equitativa e justa a verba de € 15.000,00 por danos não patrimoniais.

    «8. A sentença recorrida violou o disposto nos art°s. 483°, 496°-3, 562°e 564°, todos do Código Civil.

    9. Consequentemente, deve dar-se provimento ao presente recurso e alterar-se a sentença recorrida, reconhecendo-se que o demandante BB já se encontra integralmente ressarcido pela seguradora do foro laboral a título de danos patrimoniais futuros, e reduzindo-se para € 15.000,00 a indemnização por danos não patrimoniais, com o que se fará a costumada

    .

  2. Por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 02/11/2011, foi decidido declarar a sentença recorrida nula, por omissão e por excesso de pronúncia, e, no suprimento dessas nulidades, alterar a parte decisória da sentença, no que concerne à decisão sobre o pedido de indemnização civil, para passar a ser a seguinte: «Julgo parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido por BB contra a Companhia de Seguros Fidelidade Mundial, S.A. em consequência do que condeno a demandada a pagar ao demandante a quantia total de cento e dezoito mil e noventa e seis euros a que acrescem juros de mora de natureza civil, contados desta a data da prolação desta sentença, até integral e efectivo pagamento, absolvendo-a do demais peticionado. Tal quantia reporta-se à soma de: «i) Setecentos e noventa e seis euros, por danos patrimoniais relativos à destruição de bens no momento do acidente; «ii) Dez mil euros, pela perda de ganho relativa ao período decorrente entre 26/10/2004 e 31/8/2006; «iii) Setenta e cinco mil euros, pela perda de capacidade de ganho, decorrente da incapacidade permanente para o exercício do trabalho que lhe adveio em consequência do acidente; «iv) Trinta mil euros, por danos não patrimoniais.» Foi, ainda, decidido negar provimento ao recurso, na sua totalidade.

  3. Desse acórdão interpôs a demandada Companhia de Seguros ... S.A., recurso para este Supremo Tribunal, formulando as seguintes conclusões: «1. O acórdão recorrido fez uma indevida e errada interpretação da Lei não só ao considerar a sentença nula, como também ao rejeitar o recurso interposto.

    «2. A sentença da 1ª Instância apreciou as questões inerentes aos danos patrimoniais emergentes, aos danos patrimoniais futuros e ao dano não patrimonial invocados pelo demandante.

    «3. Não se verifica, por isso, omissão de pronúncia.

    «4. A demandada Companhia de Seguros ... SA. elaborou sua contestação por forma a fornecer ao Tribunal, designadamente, os elementos de facto conducentes à fixação de justa e adequada indemnização, alegando factos extintivos/modificativos do invocado direito do demandante.

    «5. A sentença da 1ª instância não fez qualquer “desconto” ao montante indemnizatório calculado, mas ateve-se à matéria de facto provada, que fora alegada em sede de contestação.

    «6. Não houve, por isso, qualquer excesso de pronúncia, dado que o Tribunal de 1ª instância apreciou e julgou conforme lhe foi pedido.

    «7. O acidente de viação em causa foi, simultaneamente, um acidente de trabalho.

    «8. Não são acumuláveis as indemnizações por danos resultantes de facto que constitui simultaneamente acidente de viação e de trabalho.

    «9. O demandante BB optou pelo recebimento das verbas indemnizatórias a cargo da seguradora Companhia de Seguros A...P..., SA. no montante de € 32.159,36.

    «10. As quantias pagas pela seguradora A...P... ao demandante no âmbito do processo de trabalho restituem-no integralmente ao estado anterior à lesão.

    «11. Falece fundamento que suporte as arbitradas indemnizações de € 10.000,00 e € 75.000,00, respectivamente, a título de perda de ganho no período de incapacidade temporária absoluta (26/10/2004 a 31/8/2006) e de danos patrimoniais futuros.

    «12. A indemnização por danos não patrimoniais fixada em € 30.000,00 extravasa os padrões comuns da nossa jurisprudência.

    «13. Na verdade, atento o preceituado no art°. 496.º – 3 do Código Civil, considera-se equitativa e justa a verba de € 15.000,00 por danos não patrimoniais.

    «14. O acórdão recorrido violou o disposto nos artºs. 668°. do Código de Processo Civil, e 483°., 496°.—3, 562°. e 564°., todos do Código Civil.

    15. Consequentemente, deve dar-se provimento ao presente recurso e alterar-se o acórdão recorrido, reconhecendo-se que nenhuma nulidade foi cometida pela 1ª instância e que o demandante BB já se encontra integralmente ressarcido a título de perda de ganho durante o período de incapacidade temporária absoluta e a título de danos patrimoniais futuros, e reduzindo-se para € 15.000,00 a indemnização por danos não patrimoniais, com o que se fará a costumada Justiça.

    5.

    Ao recurso respondeu o demandante, pronunciando-se no sentido da confirmação do acórdão recorrido.

    6.

    Admitido o recurso, foram os autos remetidos a este Tribunal.

    7.

    Na vista a que se refere o artigo 416.º, n.º 1, do Código de Processo Penal[2], o Ministério Público apôs o seu visto no processo.

    8.

    Não tendo sido requerida a realização da audiência e devendo, por isso, o recurso ser o recurso julgado em conferência (artigos 411.º, n.º 5, e 419.º, n.º 3, alínea c), do CPP), colhidos os vistos, com projecto de acórdão, realizou-se a conferência.

    Da mesma procedendo o presente acórdão.

    II 1.

    Para além do já antes referido, à compreensão do objecto do recurso e à decisão interessa, ainda, o que passaremos a referir e se extrai do processo.

    1.1.

    Notificado da acusação deduzida pelo Ministério Público, veio BB, em 25/06/2008, nos termos do artigo 77.º, n.º 2, do CPP, com fundamento nos danos sofridos, de natureza patrimonial e de ordem moral, em consequência do acidente descrito na acusação, deduzir pedido de indemnização civil contra a Companhia de Seguros ... S.A., pedindo a condenação dela a pagar-lhe a quantia global de € 160 798,00, com juros, à taxa legal, desde a notificação do pedido até integral pagamento, sendo 125 798,00, a título de danos patrimoniais, e € 35 000,00, a título de danos não patrimoniais.

    Distinguindo, no âmbito dos danos patrimoniais, os danos emergentes e os lucros cessantes.

    Alegou, em síntese, e seguindo-se a estrutura do pedido, conforme foi formulado: Quanto aos danos emergentes – ter o motociclo em que seguia ficado irremediavelmente danificado, mas já ter sido indemnizado do valor do mesmo, pela demandada; – ter o vestuário e equipamento que, na altura do acidente, usava ficado irremediavelmente danificado, importando um prejuízo global de € 798,00.

    Quanto aos lucros cessantes – ter estado temporária e absolutamente incapacitado para o trabalho, entre 26/10/2004 e 31/08/2006, tendo já sido indemnizado das remunerações que deixou de auferir da sua entidade patronal, nesse período, no âmbito do processo de trabalho que correu termos no Tribunal de Trabalho de Torres Vedras, com o n.º 762705.9TTSTR, por o acidente em causa ter sido simultaneamente de trabalho; – já ter recebido, no âmbito do mesmo processo de trabalho, por conta da desvalorização profissional sofrida em consequência do acidente, a quantia de € 23 810,24, mas ser a mesma insuficiente para reparar a perda da capacidade de ganho e impossibilidade de progressão na carreira, estimando que trabalharia até aos 70 anos e que poderia vir a ganhar o triplo do que ganhava à data do acidente.

    Pediu, a título de lucros cessantes, «por conta dos rendimentos que (…) deixará de auferir por conta do seu trabalho, e como tal completa aquela que lhe foi fixada pelo Tribunal de Trabalho», a condenação da demandada a pagar-lhe uma indemnização no montante de € 125 000,00.

    Assim, no valor do pedido global de € 160 798,00 compreendem-se as seguintes verbas: € 798,00, pelos prejuízos sofridos nas roupas e equipamentos, € 125 000,00, pela desvalorização física sofrida e consequente afectação da sua capacidade de ganho e € 35 000,00, para compensação dos danos morais sofridos. 1.2.

    A demandada Companhia de Seguros ... S.A., contestou, alegando em síntese que reembolsou a Companhia de Seguros A...P..., S.A., no montante de € 63 064,78, onde se inclui a quantia de € 23 810,24, acrescida de juros no valor € 833,36, que pagou ao demandante civil a título de indemnização...

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