Acórdão nº 2698/03.9TBMTJ.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 06 de Março de 2012

Magistrado ResponsávelMOREIRA ALVES
Data da Resolução06 de Março de 2012
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Relatório*No Tribunal Judicial da Comarca do Montijo, AA Limitada, intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra BB, pedindo a condenação do R. a pagar-lhe a quantia de 545.740,96 € e juros moratórios de 12%, desde 1/11/2003, e a levantar da fábrica da A. a cortiça extraída da herdade da A..., pertença do R., e que este havia vendido à A., mas que se encontrava com defeito.

*O R. veio contestar, negando o defeito que a A. imputa à cortiça transaccionada. Por cautela, suscita a excepção de caducidade.

Formula ainda pedido reconvencional, peticionando a condenação da A. a pagar-lhe o remanescente do preço, que ainda se encontra em dívida, no montante de 553.034,71 €, acrescido dos juros de mora.

*Replicou a A. reafirmando o alegado na petição inicial e contestando, consequentemente o pedido reconvencional.

*Foi realizada perícia colegial antecipada à partida de cortiça em causa.

*Proferiu-se despacho saneador, fixaram-se os factos assentes e organizou-se a base instrutória.

*Instruídos os autos, procedeu-se a julgamento, findo o qual foi elaborada sentença final que julgou a acção improcedente e a reconvenção procedente, e, consequentemente, condenou a A. a pagar ao R. 553.634,71 €, acrescido dos juros de mora, à taxa anual de 4%, desde 16/2/2004.

*Inconformada, recorreu a A., mas sem êxito, visto que a Relação julgou improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.

*Novamente inconformada, volta a recorrer a A., agora de revista e para este Supremo Tribunal de Justiça.

* * * *Conclusões*Apresentadas tempestivas alegações, formulou a recorrente as seguintes conclusões:1ª“O douto acórdão recorrido violou o n° 2 do art° 490° do CPC ao considerar não provado que a Recorrente enviou ao Recorrido, na data de 30 de Outubro de 2003, uma carta a denunciar o defeito da cortiça e a pedir a restituição da parte do preço já pago e o levantamento da cortiça, cometendo, ainda, o erro de confundir o recebimento da carta (facto não impugnado) com alguns aspectos do conteúdo da carta (facto impugnado), devendo-se adicionar este facto ao elenco dos factos provados ou inserir-se no facto n°-14.

  1. O douto acórdão recorrido violou os art°s 37° e 38° do CPC ao confirmar a redacção do facto n° 24 da matéria de facto, devendo o sujeito desse facto ser o advogado da Autora e não a Autora, visto que só à parte compete definir a lide quanto à sua estrutura factual ou existencial, participando nisso o advogado só nos dois casos referidos na lei processual.

  2. O douto acórdão recorrido errou na aplicação e interpretação do regime jurídico substantivo ao presente caso dos autos, consistindo o erro em ter aplicado ao julgamento do caso os art°s 470° e 471° do Código Comercial quando devia ter aplicado os art°s 913° e 916° do Código Civil. Com efeito,4ªSendo um ordenamento jurídico especial (art° 3º do C. Comercial), as normas do Código Comercial somente se aplicam às situações nele previstas, actuando o regime geral e supletivo do Código Civil em todas as demais situações. Ora,5ªO regime jurídico especial plasmado nos art°s 470° e 471° do C. Comercial somente é aplicável aos casos em que o contrato de compra e venda fica imperfeito e pendente da condição, em virtude de o seu objecto serem "coisas não à vista". Ora,6ªNo caso dos autos, o objecto do contrato eram coisas bem à vista pelo que o contrato ficou perfeito desde o seu início, sem ligação a qualquer condição. Isto é,7ªO contrato dos presentes autos não se enquadra, "não encaixa" naquele regime especial dos art°s 470° e 471° do C. Comercial. Portanto,8ªO regime jurídico aplicável ao caso dos autos é o dos art°s 913° e 916° do Código Civil.

  3. Como consta do facto n° 23, em 14 de Outubro de 2003, a empresa rolheira .ABEL DA COSTA TAVARES LDA comprou à Recorrente uma partida de cortiça que, depois de cozida, foi colocada pela Recorrente na dita empresa em 21.10.2003, tendo sido devolvida, por estar defeituosa, em 28.10.2003.

  4. Quem despoletou e alertou a Recorrente para o defeito da cortiça foi a dita empresa rolheira e foi nessa data de 28 de Outubro de.2003 que a Recorrente tomou conhecimento do defeito, e conhecimento rigoroso perante o que lhe disse a empresa rolheira.

  5. Até à data de 28.10.2003, a Recorrente não tinha qualquer dúvida sobre a "sanidade" da cortiça, não obstante poderem aparecer, num volume de 17.300 arrobas, algumas pranchas menos boas.

  6. Logo que a Recorrente teve conhecimento do defeito, mandou proceder a exame técnico que o confirmou e em 30 de Outubro de 2003, enviou uma carta ao Recorrido a denunciar o defeito e a pedir a anulação do contrato.

  7. A actuação da Recorrente foi diligente e responsável só tendo denunciado o defeito depois de ter provas rigorosas da sua existência. 14ªO aspecto exterior da cortiça era tão favorável que ninguém duvidaria que a sua estrutura interior ou interna correspondesse ao exterior.

  8. A Recorrente actuou, pois, ao abrigo dos art°s 913° e 916° do C. Civil, e atempadamente, pelo que deve ser dado provimento ao recurso, declarando-se procedente a acção e improcedentes a excepção e a reconvenção.

  9. Mesmo na hipótese de aplicação ao caso do art° 471° do C. Comercial, o prazo de oito dias não poderia ser aproveitado pelo Recorrido porque, sendo misto o contrato, o benefício dos oito dias só pode ser invocado pelo outorgante do contrato que seja comerciante.

  10. A omissão cometida no douto acórdão recorrido de não conhecer da alegação de anulação do contrato com fundamento em erro, constitui a causa de nulidade prevista na alínea d) do n° 1 do art° 668° do CPC, aplicável por força do n° 2 do art° 721° do CPC.”* * * *O R. apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência da revista.

Porém, para o caso de procedência, requereu o alargamento do âmbito do recurso nos termos do Art.º 684º-A do C.P.C.

* * * *Os Factos*As instâncias fixaram a seguinte factualidade:*“1- A A. é uma sociedade que exerce a actividade de fabricante de cortiças, matriculada na Conservatória do Registo Comercial do Montijo com n° 00342/600, tendo como sócio-gerente Manuel Lagoa, e o R. é empresário agrícola, proprietário de terras com montados de sobreiros.

2- A A. e o R. celebraram por escrito acordo que denominaram de "contrato promessa de compra e venda" de cortiça amadia, datado de 12/6/2003, em que a A. figura como promitente-compradora e o R. como promitente-vendedor, nos termos seguintes : -"O objecto do presente contrato é toda a cortiça amadia, incluindo bocados, com idade legal, a ser extraída no presente ano, por conta do primeiro outorgante nas herdades da A... e Quinta do Passil – 1ª; -Pelo presente contrato o primeiro vende à segunda outorgante a cortiça referida na cláusula anterior, ao preço de € 52,50 por cada arroba, acrescida de IVA à taxa legal - 2ª; -Será efectuado no final de cada dia o carregamento de toda a cortiça extraída nesse dia, sendo pesada sobre camião e controlada por ambos outorgantes, numa báscula existente na Quinta do primeiro outorgante - 3ª; -Caso chova antes ou durante o levantamento da cortiça, haverá lugar a um desconto julgado necessário para compensação da água absorvida pela dita cortiça - 4ª; -Em toda a cortiça pesada será feito um desconto de 20% para compensação da seiva e verde, assim como os bocados pesados conjuntamente com a prancha - 5ª; -Os pagamentos serão efectuados da seguinte forma : 1º- Como sinal e princípio de pagamento é entregue nesta data pelo segundo outorgante ao primeiro outorgante o valor de € 250.000, acrescidos de IVA à taxa legal de 19%, o que perfaz a quantia de € 297.500, cheque n° 134533 sobre o BES ; 2º- Após a tiragem de toda a cortiça, proceder-se-á ao acerto de contas em função da quantidade de cortiça pesada, e os restantes pagamentos serão efectuados da seguinte forma: -30 de Setembro de 2003, 1/3 (um terço); -30 de Janeiro de 2004, 1/3 (um terço); -30 de Abril de 2004, 1/3 (um terço) e restante pagamento - 6ª".

3- Foi previsto que a contagem rigorosa da cortiça extraída das duas propriedades mencionadas em 2., supra, ocorresse após a sua tiragem.

4- Da Herdade da A... foram retiradas 17.300 arrobas de cortiça amadia, e da Quinta do Passil 1.200 arrobas.

5-0 preço global da cortiça extraída da Herdade da A... ascende a 1.080.817,50 € - 908.250 € + 172.567,50 € de Imposto sobre o Valor Acrescentado, e a extraída da Quinta do Passil ascende a 74.970 € - 63.000 € + 11.970 € de Imposto sobre o Valor Acrescentado.

6- A A. pagou ao R. a prestação vencida em 30/9/2003, no montante de 286.095,83 € e cumpriu a obrigação que lhe advinha do contrato celebrado de levantar diariamente a cortiça^ que fosse extraída dos sobreiros.

7- A cortiça é formada por um conjunto de células mortas, dispostas de um modo compacto e regular, sem espaços livres entre si.

8- Por exame técnico efectuado em pranchas de cortiça crua e preparada verificou-se que tais pranchas evidenciavam separação entre assentadas de células suberosas, três/quatro anos após a última despela ou descortiçamento, associado a zonas de menor resistência da cortiça, correspondentes a pontos onde são menos espessas as membranas celulares, sendo, portanto, zonas de maior fragilidade celular, o que é designado por esfoliado, solapado ou folheado, ocorrendo devido a uma paragem momentânea do crescimento do tecido suberoso, fenómeno que impede a utilização da cortiça por ele atingida na produção de rolhas de cortiça natural porque a cortiça não se apresenta compacta, e a rolha proveniente dessa cortiça deixa de ter estanquicidade, deixando passar o ar.

9- A rolha de cortiça natural só pode fabricar-se ou extrair-se da cortiça amadia, sendo que a rolha de cortiça natural é considerada o produto mais rentável da cortiça amadia.

10- A A. obteve o parecer por exame técnico de que a cortiça amadia extraída da Quinta do Passil estava em condições normais.

11- O lote de cortiça amadia extraída da Herdade da A... é insusceptível de ser utilizado na fabricação de rolhas de cortiça natural.

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