Acórdão nº 06575/02 de Tribunal Central Administrativo Sul, 21 de Fevereiro de 2008

Magistrado ResponsávelRui Pereira
Data da Resolução21 de Fevereiro de 2008
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO 1º JUÍZO LIQUIDATÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL I. RELATÓRIO Joaquim ...

, com os sinais dos autos, veio interpor o presente RECURSO CONTENCIOSO DE ANULAÇÃO do Despacho nº 707/2002, proferido em 28 de Março de 2002, por delegação do Ministro das Finanças, e do Despacho nº 764/2002-XV, proferido em 17 de Julho de 2002, por delegação da Ministra das Finanças, ambos da autoria do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que lhe aplicou a pena disciplinar de suspensão, graduada em 45 dias [o primeiro], substituída, nos termos do artigo 15º, nº 1 do ED, pela perda de pensão por igual período de tempo [o segundo], assacando-lhes vícios de violação de lei - inconstitucionalidade da Lei nº 10/83, de 13/8, que concedeu autorização ao Governo para legislar em matéria de regime disciplinar da função pública, a prescrição do procedimento disciplinar, erro no procedimento, a incompetência do recorrido para aplicar a pena - e de forma - falta de audição do recorrente e aproveitamento de factos apurados fora da instrução - e erro sobre os pressupostos de facto da decisão.

A entidade recorrida respondeu, pugnando pelo improvimento do recurso [cfr. fls. 55/68 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].

Notificado para, ao abrigo do disposto no artigo 67º do RSTA, apresentar alegações, veio o recorrente fazê-lo, tendo concluído do seguinte modo: "A - Quanto ao Despacho nº 707/2002: A.1 - Prescrição do procedimento disciplinar I) A falta alegadamente praticada pelo recorrente foi punida ao abrigo do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, aprovado pelo Decreto-Lei nº 24/84, de 16 de Janeiro [doravante designado por Estatuto Disciplinar/84], o qual foi aprovado «usando da autorização conferida pela Lei nº 10/83, de 13 de Agosto [...] nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 201º da Constituição [...]».

II) No que aqui interessa, aquela Lei prevê que «o Governo é autorizado a legislar [...] em matéria de regime disciplinar da função pública», referindo unicamente que «o regime a instituir [...] visa introduzir alterações ao Decreto-Lei nº 191-D/79, de 25 de Junho, por forma a redefinir os factos ilícitos ou a definir novas formas de ilícito de corrupção passíveis de sanção disciplinar, a corrigir a dosimetria das penas em vigor e ainda a ultrapassar dificuldades de execução e a integrar lacunas do Estatuto Disciplinar».

III) As normas vindas de citar, da Lei nº 10/83, de 13 de Agosto de 1983, configuram, claramente, uma autorização legislativa em branco, já que não é possível descortinar na referida lei qual a extensão da autorização nem sequer qual o sentido da autorização, carecendo aquela lei de uma densificação suficiente, quer quanto ao seu sentido, quer quanto à sua extensão.

IV) A lei de autorização é, pois, insuficiente, não satisfazendo os requisitos exigidos pelo artigo 168º, nº 2 da Constituição e, por isso, é inconstitucional.

V) Nos termos do artigo 115º, nº 2 da Constituição, os decretos-leis autorizados constituem actos legislativos subordinados hierarquicamente às leis de autorização.

VI) Assim sendo e porque, nos termos do artigo 115º, nº 2 da Constituição, os decretos-leis autorizados constituem actos legislativos subordinados hierarquicamente às leis de autorização, sendo inconstitucional a lei de autorização, inconstitucional será o acto legislativo que se pratica a seu coberto.

VII) Por isso, a inconstitucionalidade da Lei nº 10/83, de 13 de Agosto de 1983, implica a inconstitucionalidade consequente do Decreto-Lei nº 24/84, de 16 de Janeiro.

VIII) Do reconhecimento da inconstitucionalidade do Decreto-Lei nº 24/84, de 16 de Janeiro, resulta que, presentemente - e de igual modo, à data dos factos integradores da pretensa falta - se encontra em vigor o Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, aprovado pelo Decreto-Lei nº 191-D/79, de 25 de Junho [doravante designado por "Estatuto Disciplinar/79"].

IX) Porém, para o caso de se não julgar procedente a alegação de inconstitucionalidade, nos termos atrás enunciados, a verdade é que sempre o Decreto-Lei nº 24/84, de 16 de Janeiro, estaria ferido de inconstitucionalidade orgânica, no que agora interessa, no que respeita ao artigo 4º do Estatuto Disciplinar.

X) Com efeito, como vimos atrás, a Lei nº 10/83, de 13 de Agosto de 1983, ao autorizar o Governo «a legislar em matéria de regime disciplinar da função pública», deixou expresso que «o regime a instituir [...] visa introduzir alterações ao Decreto-Lei nº 191-D/79, de 25 de Junho, por forma a redefinir os factos ilícitos ou a definir novas formas de ilícito de corrupção passíveis de sanção disciplinar, a corrigir a dosimetria das penas em vigor e ainda a ultrapassar dificuldades de execução e a integrar lacunas do Estatuto Disciplinar», pelo que a autorização não visou a elaboração de um Estatuto Disciplinar «ex novo», mas sim «introduzir alterações ao Decreto-Lei nº 191-D/79, de 25 de Junho», ou seja, foi clara intenção da Assembleia da República manter intocado o Estatuto Disciplinar/79, com excepção das matérias referidas no artigo 1º, nº 3, da Lei nº 10/83, de 13 de Agosto de 1983, de tal modo que pode dizer-se que o Estatuto Disciplinar/84 é o Estatuto Disciplinar/79 com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 24/84, de 16 de Janeiro.

XI) Assim sendo, verifica-se que, mesmo considerando, por mera hipótese, que a Lei nº 10/83, de 13 de Agosto de 1983 é conforme à Constituição, a verdade é que não estava o Governo autorizado por tal lei a modificar a matéria relativa à prescrição do procedimento disciplinar, uma vez que carecia, para tanto, de norma autorizante da Assembleia da República, pelo que o Decreto-Lei nº 24/84, de 16 de Janeiro, na parte em que modificou o artigo 4º do Estatuto Disciplinar/79, padece de inconstitucionalidade orgânica, uma vez que legislou sobre matéria da reserva relativa da Assembleia da República e na falta de norma autorizante para o efeito, pelo que deve concluir-se que a norma sobre prescrição do procedimento disciplinar aplicável ao caso concreto do presente recurso contencioso será o artigo 4º do Estatuto Disciplinar/79, aprovado pelo Decreto-Lei nº 191-D/79, de 25 de Junho.

XII) No âmbito da prescrição do procedimento disciplinar, diz-se ali que o procedimento disciplinar «prescreverá se, conhecida a falta, não for instaurado o competente procedimento disciplinar no prazo de três meses», sendo que, contrariamente ao exigido pelo nº 2 do artigo 4º do Estatuto Disciplinar/84, não prevê a norma vinda de citar que apenas o conhecimento da falta pelo "dirigente máximo do serviço" constitui facto constitutivo do termo inicial do "prazo curto" da prescrição do procedimento disciplinar.

XIII) Bem pelo contrário, no domínio do Estatuto Disciplinar/79, o conhecimento da falta por qualquer superior hierárquico do funcionário era suficiente para dar lugar ao termo inicial do "prazo curto" da prescrição do procedimento disciplinar.

XIV) Para que se verifique facto determinador do termo inicial do prazo prescricional, não exige a lei que os factos sejam conhecidos E que os factos sejam devidamente valorados, devendo interpretar-se o artigo 4º, nº 2 do Estatuto Disciplinar/79, deve interpretar-se, no que respeita ao sentido da palavra "falta", como referido a uma situação na qual os factos materiais, porventura integradores de falta disciplinar, são conhecidos ou são cognoscíveis por qualquer superior hierárquico do funcionário e, por isso, tal conhecimento determina o termo inicial do prazo prescricional: é durante o decurso do prazo prescricional que os superiores hierárquicos do funcionário hão-de valorar juridicamente, para efeitos de ilícito disciplinar, tais factos que conheceram, sendo que, se de tal valoração resultar um juízo sobre a existência de ilícito disciplinar, então deverá ser instaurado o consequente processo disciplinar, ainda dentro do prazo de prescrição.

XV) Qualquer interpretação do artigo 4º, nº 2 do Estatuto Disciplinar/79, no que respeita ao sentido da palavra "falta", no sentido de que se exige que tal conhecimento integra já uma valoração, um juízo de censura, sempre seria inconstitucional, por violação do direito à defesa, no qual se inclui o prazo de prescrição do procedimento, já que tal interpretação [inconstitucional] pressuporia que o prazo de prescrição do procedimento apenas se iniciasse na existência de um juízo de ilicitude já determinado o que, em termos práticos, tornaria inútil esta garantia.

XVI) No presente caso concreto, e de acordo com os factos alegados e constantes do processo disciplinar, verifica-se que tiveram pleno e extenso conhecimento dos factos integradores da alegada infracção disciplinar o Director de Finanças adjunto da 1ª Direcção de Finanças de Lisboa, Manuel Guerreiro Lourenço, o Director da 1ª Direcção de Finanças de Lisboa, o subdirector-geral Alberto da Pimenta Pedroso e, ainda, o próprio Director-Geral dos Impostos [cfr. fls. 654 e segs. do processo disciplinar].

XVII) Estes funcionários, todos superiores hierárquicos do recorrente, adquiriram notícia dos factos que, mais tarde, viriam a ser valorados disciplinarmente com respeito ao agora recorrente, pelo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.

XVIII) Estes funcionários, todos superiores hierárquicos do recorrente, estiveram em condições de valorar disciplinarmente tais factos, quanto à pessoa do recorrente.

XIX) Uma vez que, apesar de conhecedores dos factos e das suas implicações, estes funcionários, todos eles superiores hierárquicos do recorrente, entenderam não valorar disciplinarmente tais factos, quanto à pessoa do recorrente, XX) Há-de entender-se que, em homenagem ao princípio da oportunidade, tais funcionários, todos superiores hierárquicos do recorrente, entenderam não existir ilícito disciplinar quanto à pessoa do recorrente.

XXI) E por isso não instauraram nem propuseram...

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