Acórdão nº 2465/06.8TBAVR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 19 de Fevereiro de 2008

Magistrado ResponsávelGREG
Data da Resolução19 de Fevereiro de 2008
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra I – RELATÓRIO Invocando os factos que teve por pertinentes A..., com sede em Lisboa, intentou no Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro acção declarativa com processo ordinário contra B..., com sede em Sarzedo, Vila Nova de Gaia, e , com sede em Ovar, pedindo a condenação das rés a pagarem-lhe a quantia de 2.713.043,85 € referente à energia e potência fornecida e não paga, acrescida de 172.137,06 € correspondente aos juros de mora vencidos em 12/05/06 e da quantia correspondente aos juros de mora vincendos até integral pagamento.

As rés contestaram, excepcionando a ilegitimidade da 2ª ré assim como a caducidade do direito e a prescrição do crédito da autora, impugnando ainda os factos alegados na petição, concluindo pela procedência das excepções e improcedência da acção.

Replicou a autora no sentido da improcedência das excepções.

No despacho saneador que se seguiu julgaram-se procedentes as excepções da ilegitimidade da ré C..., absolvendo-se esta da instância, e da caducidade do direito da autora absolvendo-se a ré B...

do pedido.

.

Inconformada, dele apelou a autora que conclui da seguinte forma, atenta a economia da presente apelação, as alegações que apresentou: […] Contra – alegaram as rés pugnando pela manutenção da decisão recorrida.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

ªªª As conclusões da recorrente – balizas delimitadoras do objecto do recurso (arts. 684º nº 3 e 690º nº 1 do Cod. Proc. Civ.) – consubstanciam as seguintes questões: a) Ilegitimidade da ré C...; b) Inaplicabilidade do Prazo de Caducidade do nº 2 da Lei 23/96 ao Fornecimento de Energia Eléctrica em Média Tensão; c) O Reconhecimento do Direito da Autora Como Facto Impeditivo da Caducidade; d) Abuso de Direito.

I I – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Mostram-se assentes os seguintes factos relevantes para o conhecimento do objecto da presente apelação: […] DE DIREITO 1. Excepção de Ilegitimidade da Ré C....

O conceito de legitimidade está definido no art. 26º do CPC nos seguintes termos: 1- O autor é parte legítima quando tem interesse directo em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse directo em contradizer.

2- O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da acção; o interesse em contradizer, pelo prejuízo que dessa procedência advenha.

3- Na falta de indicação em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor.

Com a actual redacção dada a este nº 3 pelo art.1º do Dec.Lei 180/96 de 25/9 veio o legislador tomar posição e pôr termo a uma querela jurídico-processual que há várias décadas se vinha debatendo na nossa doutrina e jurisprudência sem que se tivesse alcançado consenso.

Partiu para uma formulação da legitimidade assente na titularidade da relação material controvertida, tal como a configura o autor, próxima da imputada a Barbosa de Magalhães na controvérsia que historicamente o opôs a Alberto dos Reis.

Assim, a legitimidade tem de ser apreciada e determinada pela utilidade ou prejuízo que da procedência ou improcedência da acção possa advir para as partes, face aos termos em que o autor configura o direito invocado e a posição que as partes, perante o pedido formulado e a causa de pedir, têm na relação jurídica material controvertida, tal como a apresenta o autor[1] O objectivo essencial deste pressuposto é o de que a causa seja julgada perante os verdadeiros e principais interessados na relação jurídica. Significa isto, em geral, que apenas se consideram partes legitimas os titulares directos e imediatos da relação jurídica controvertida, ou seja, os sujeitos activos ou passivos dessa relação.

Posto sucintamente isto, interessa apurar, face ao conteúdo da petição inicial, levando-se em conta o constante dos documentos juntos com a mesma, os termos em que a autora configura o direito invocado e a posição que a 2ª ré, perante o pedido formulado e a causa de pedir, tem na relação jurídica material controvertida por ela posta.

A autora celebrou com a 1ª Ré, B..., em 14/05/1991, um contrato de fornecimento de energia eléctrica às suas instalações sitas na Zona Industrial de Ovar.

Ao longo dos anos a autora foi enviando os montantes de facturação mensal relativos à energia e potência fornecida a esta ré que sempre procedeu ao respectivo pagamento (arts.56º e 77º da p.i. e 26º dos factos assentes).

Por outro lado, a mesma ré sempre se assumiu como titular do contrato de fornecimento, avocando para si todas as responsabilidades dele decorrentes (art,76º da p.i.).

Agora, invocando um erro de medição da energia que forneceu por força desse contrato, pretende a autora obter o pagamento da quantia de 2.713.043,85 €, acrescida de juros moratórios, relativa à diferença entre os valores pagos pela 1ª ré e os que deveria ter pago correspondentes à energia e potência na realidade fornecidos.

Pois bem! A 2ª ré, C..., mostra-se ser completamente alheia ao contrato celebrado e aos pagamentos mencionados. Após a constatação do erro de facturação invocado a autora procurou obter o pagamento daquela importância junto da 1ª ré, a quem enviou a nota de débito (cf. nº 24 dos factos assentes), e não da 2ª ré.

Na verdade, a C... não é titular directa e imediata da relação jurídica controvertida, não é sujeito passivo dessa relação.

A relação jurídica controvertida tal como foi desenhada pela autora para discussão nos autos assenta numa diversidade de posições entre ela e a 1º ré, únicas outorgantes do contrato de fornecimento de energia, quanto ao direito á diferença do preço da energia não facturada que a apelante reclama e que a 1ª ré refuta.

Torna-se claro que os titulares directos dos interesses, positivo e negativo, em confronto, são apenas a apelante e a 1ª ré. A 2ª ré é completamente estranha aos mesmos, nunca tendo a apelante aduzido algum facto que evidencie, ou indicie, qualquer relação jurídico- contratual mantida entre ambas ou ,sequer, que a 2ª ré se tenha substituído à 1ª.

Ainda assim, pretende a apelante o reconhecimento da sua legitimidade argumentando que pertencendo ao mesmo grupo económico da 1ª ré, esta cedeu àquela as suas instalações (ou parte delas) sendo como tal consumidora da energia fornecida, e daí a sua responsabilidade solidária face ao disposto no art.14º nº1, do Dec.lei 740/74, de 26/12, e art. 47º das Condições Gerais de Venda anexas ao Dec.lei 43.335, de 19/11/60, mas a mesma legitimidade advém-lhe ainda de factos alegados susceptíveis de responsabilizar as rés por factos ilícitos nos termos do disposto no art.483º do Cod. Civil, ou à luz do enriquecimento sem causa na previsão do art.473º do mesmo Código.

Não assiste alguma razão à recorrente.

O nº1, do art. 14 do Dec. Lei 740/74, de 26/12,[2] dispõe que: “ Os contratos de fornecimento de energia eléctrica poderão ser celebrados entre o distribuidor e o consumidor ou entre aquele e o proprietário, considerando-se este, em tal caso, solidariamente responsável com o consumidor perante o distribuidor e a fiscalização do Governo por todos os actos que respeitem à exploração da instalação”.

Como se vê, este preceito pressupõe não ser o consumidor de energia proprietário das instalações e daí estabelecer a solidariedade do proprietário com o consumidor quando o contrato é celebrado por aquele e não pelo próprio consumidor, o que não se verifica no caso dos autos.

Quanto ao art. 47º das Condições Gerais de Venda de Energia Eléctrica em Alta Tensão anexas ao Dec. Lei nº43.335, de 19/01/60, reporta-se à cessação de exploração por parte do consumidor contratante, previsibilidade bem longe da do caso em apreço, e nele apenas se prevê a obrigação do consumidor, em caso de cedência das instalações, participar ao distribuidor, dentro do prazo de quinze dias, o nome e morada ou sede do novo consumidor, nada prescrevendo quanto à sua responsabilidade solidária com o novo consumidor ou cessionário.

Da conjugação de afirmações feitas pela recorrente ao longo dos seus articulados é inequívoco que o contrato em causa se tem mantido ao longo da sua vigência incólume entre ela e a 1ª ré sem que tivesse havido qualquer cessão, total ou parcial, da posição contratual ocupada por esta[3]. Aliás, tudo o que a recorrente alega a este título assenta numa mera suposição—“Admite a A. que a 2ª ré tenha sido ou seja arrendatária das instalações ou cessionária do estabelecimento da 1ª Ré” (art.78º da p.i.) ---como bem se observa na decisão recorrida.

Nada permite, assim, concluir pela existência de uma relação controvertida entre a recorrente e a 2ª Ré, de forma a conferir a esta legitimidade para ser demandada.

Do mesmo modo, carece de sentido demandá-la com base em responsabilidade civil extracontratual.

Trata-se de questão colocada pela primeira vez pela apelante nas conclusões 10ª a 14ª das alegações de recurso. Como é por demais sabido, e vem sendo com frequência e uniformemente dito na jurisprudência, os recursos visam o reexame, por parte do tribunal superior, de questões precedentemente resolvidas pelo tribunal “ a quo ”, e não a pronúncia do tribunal “ ad quem ” sobre questões novas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso.

Poderia parecer, à primeira vista, que, in casu, seria possível ultrapassar este quadro clássico do recurso, e isto, porque se poderá dizer estar-se ainda dentro da mesma questão da legitimidade, com uma diferente abordagem, que até é de conhecimento oficioso (art.495º do CPC), e o julgador ser livre relativamente à aplicação do direito. No entanto, uma particular circunstância impede que assim seja. Tal como se decidiu no Ac. da Rel. de Coimbra de 31/03/1998, publicado na Col.Jurisp.1998-2-38,de que o ora relator foi signatário, se o julgador não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito,” não pode, contudo, alterar a causa de pedir” Ora, a apelante não alegou nos seus articulados...

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