Acórdão nº 2102/07-1 de Tribunal da Relação de Évora, 15 de Janeiro de 2008

Magistrado ResponsávelJOÃO GOMES DE SOUSA
Data da Resolução15 de Janeiro de 2008
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: A - Relatório: Nos autos de Instrução que correu termos no Tribunal Judicial de S com o n° 00/04.0ZZZ, por despacho lavrado em 06 de Fevereiro de 2007, o Mmº. Juiz, por considerar que da prova recolhida nos autos resultam indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação de uma pena, pronunciou os arguidos: J Z, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de venda, circulação ou ocultação de produtos ou artigos, previsto e punido, pelos art.ºs 323.º, al. b) e 324.º, ambos do Decreto-Lei n.º 36/2003, de 05 de Março.

A sociedade "J Unipessoal, Lda" enquanto criminalmente responsável nos termos dos artigos 3.º, 7.º, 8.º a 21.º, do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro, "ex vi" do art.º 320.º, do Decreto-Lei n.º 36/2003, de 05 de Março.

*Inconformados com uma tal decisão, dela interpuseram recurso o Ministério Público e os arguidos J Z e "J Unipessoal, Lda", pedindo: O Ministério Público, a revogação da decisão do juiz de instrução de fls. 315 a 331 no sentido de pronunciar os arguidos J Z e "J Unipessoal Lda" pela prática de crime de venda, circulação ou ocultação de produtos ou artigos, p. e p. pelos artigos 323° al. b) e 324° do CPL e a sua substituição por outra em que se determine a não pronúncia dos arguidos, com as seguintes conclusões: I) Encontra-se pendente a questão do recurso interposto pelo Ministério Público quanto à questão prévia da perícia realizada nos autos que se reputa ser deficiente e irrelevante para efeitos de prova sendo que os bens apesar de terem algumas semelhanças não constituem uma imitação de marca registada.

2) Os arguidos "J Unipessoal Lda" e J Z foram indiciados pela prática de um crime de venda, circulação ou ocultação de produtos ou artigos, punido pela conjugação dos artigos 324° e 323° al. b) do CPI.

3) Tal deveu-se ao facto de terem produtos têxteis para venda que foram legalmente adquiridos, para revenda, e ostentavam as marcas "J M", "J B" e "New-E" (e não Burberry) num padrão em xadrez combinando as cores castanho, creme, vermelho e preto com quatro linhas verticais e quatro horizontais que se cruzam no interior de um quadrado, formado por duas linhas verticais e duas linhas horizontais de cor vermelha.

4) A Burberry é titular da marca registada "xadrez burberry" que protege a figura composta por "um padrão de linhas em xadrez combinando as cores castanho, creme, vermelho e preto com três linhas verticais e três linhas horizontais que se cruzam no interior de um quadrado, formado por duas linhas verticais e duas linhas horizontais de cor vermelha".

5) O Exº juiz de Instrução fundamenta os factos indiciados nas declarações do arguido J Z, de cujo conteúdo se infere que o arguido conhecia a marca "xadrez burberry", que esta é protegida (...) referindo, até, uma conversa relativa ao número de linhas «(...) que no acto de compra lhe disseram que não havia problema pelo facto de ter 4 (quatro) linhas no padrão ao invés de 3 (três) que a Burberry ostenta no seu padrão». (...) tal conversa acerca do número das linhas do padrão dos forros e golas, o que merece credibilidade e é revelador do conhecimento, por sua parte (...) das semelhanças do padrão dos produtos transaccionados com o padrão "xadrez burberry" e da susceptibilidade de serem confundidos" (sic).

6) A primeira contradição a apontar é que a referida factualidade não tenha sido dado como indiciada mas, estranhamente tenha sido utilizada para fundamentar a decisão de pronúncia.

7) A segunda é que a fundamentação aduzida para documentar o modo pelo qual se chegou aos factos dados como indiciados vem a revelar exactamente o contrário daquilo que o juiz de Instrução pretende, jamais permitindo a conclusão de que os arguidos, nomeadamente J Z, tinham conhecimento de que os produtos que adquiriu para revender eram uma imitação do "xadrez burberry".

8) Dos autos resulta que o arguido J. Z conhecia a existência do "xadrez burberry" e sabia que a sua imitação era ilegal mas fez um esforço activo por apurar se os produtos eram ou não uma imitação da marca "xadrez burberry".

9) A vulgarização de venda deste tipo de padrão de xadrez não toma evidente a sua conotação social com algo de ilícito, sendo a sua legalidade ou ilegalidade algo que depende de uma análise que implica especiais conhecimentos técnicos que o arguido J Z não tinha.

10) Na nossa opinião da referida fundamentação resulta patente uma situação de erro sobre a proibição legal que funciona ao nível da tipicidade e afasta não só a ilicitude mas a tipicidade pois deve ser tratado como um erro sobre a própria factualidade típica.

II) Estando verificado o erro sobre proibições, o dolo é excluído, subsistindo a negligência, mas como o crime apenas é punível na forma dolosa, a eventual negligência dos arguidos não é sancionada criminalmente impondo-se a sua não pronuncia (cfr. artigo 16°, nos 1 in fine e 3 do Cód. Penal).

12) Assim, a decisão do Exº juiz de Instrução viola o preceituado pelos artigos 283° n° 3 al. b) ex vi 308° n° 2 e art. 410 n° 2 al.s a), b) e c) do CPP, existindo insuficiência na matéria de facto dada como indiciada contradição insanável entre a fundamentação e a decisão e erro notório na apreciação da prova.

Os arguidos J Z e "J Unipessoal, Lda" solicitando a revogação do despacho de pronúncia e a manutenção da decisão de arquivamento, com as seguintes conclusões: 1 -Andou mal o douto despacho de pronúncia ao considerar a existência de indícios suficientes incriminadores dos ora recorrentes.

2 -Pois considerando o anteriormente exposto, conclui-se que os recorrentes não estavam a vender produtos ou artigos contrafeitos, pela conclusão de que as peças apreendidas não constituem uma reprodução da marca registada.

3 -Pelo que o douto despacho de pronúncia, viola os artigos 323º al.b) e 324º do Código da Propriedade Industrial.

4 -Donde, necessariamente terá de se concluir, pela inexistência de indícios suficientes da prática, pelos ora recorrentes, do crime dos artigos 323º, al. b) e 324º do Código da Propriedade Industrial.

*Respondeu a assistente "Burberry Limited", a ambos os recursos, pugnando para que lhes seja negado provimento confirmando-se a douta decisão instrutória de pronúncia dos arguidos, com as seguintes conclusões:

  1. A decisão instrutória obedeceu ao que, basicamente, subjaz a uma decisão em sede de instrução, ou seja, a subsunção de facto.5 ao direito na perspectiva da existência de indícios suficientes da prática de um ilícito criminal.

  2. Os factos apurados não só indiciam a prática do ilícito criminal previsto e punido pelo artigo 324º do Código da Propriedade Industrial como comprovam a sua prática, uma vez que o arguido é um comerciante, impendendo sobre o mesmo um especial dever de cuidado no que concerne aos produtos que comercializa.

  3. Esse dever encontra-se ainda mais reforçado, no caso sub judice, porquanto o mesmo admitiu conhecer a marca do padrão de "xadrez BURBERRY", o que é até facilmente compreensível atento o facto desta marca ser uma marca notória e de prestígio.

  4. As alegações de recurso a que se respondem iniciam-se pelo facto dos artigos de vestuário dos arguidos ostentarem as marcas "J M", "J. B" e "New E" , sendo que, na terceira conclusão do recurso é dito que tal deveu-se ao facto de terem produtos têxteis, para revenda, e ostentavam as marcas "J M", "J. B" e "New E" (e não Burbery ( ...)" (sublinhado nosso), e) Essa asserção do Ministério Público poderá dar origem incorrecta interpretação da questão sub judice, sendo pertinente assinalar que está "apenas" em causa nos autos a imitação das marcas que protegem o famoso padrão de "xadrez BURBERRY" - marca comunitária nº 377.580 e marca nacional nº 316.041 - ou seja, uma marca figurativa; não estão, pois, em causa outras marcas da assistente, como sejam a própria marca nominativa BURBERRY ou a marca figurativa e mista do "cavaleiro BURBERRY".

    O facto de os artigos de vestuário apreendidos não ostentarem a marca BURBERRY - isto porque, se ostentassem esta marca, também concorria um crime de contrafacção de marca! - não significa que não exista a infracção de uma outra marca da Assistente, a marca figurativa do "xadrez BURBERRY", justamente a que está em causa nos autos .

  5. A decisão recorrida encontra-se logicamente estruturada no que concerne ao enquadramento dos factos relativamente ao tipo objectivo e subjectivo do ilícito criminal (artigo 324º do Código da Propriedade Industrial).

  6. O relatório de peritagem junto aos autos -subscrito por técnica do Instituto Nacional da Propriedade Industrial -foi devidamente valorado na decisão instrutória, tendo sido retiradas do mesmo as devidas ilações factuais e jurídicas, ou seja, de que os produtos de vestuário em causa apresentam fortes semelhanças com as marcas registadas da Assistente, ora Recorrida.

  7. A conjugação de todos os elementos factuais carreados para a instrução, permitiu ao Mm° Juiz de Instrução a sua correcta subsunção ao tipo criminal previsto e punido pelo artigo 324.0 do Código da Propriedade Industrial, sendo que nem sequer faltou a prova da motivação subjectiva do arguido J Z quando este afirmou que conhecia a marca " xadrez BURBERRY" ao invés de três que a Burberry ostenta no seu padrão" .

  8. No caso do arguido J Z, como comerciante que é; são-lhe ainda exigíveis especiais deveres de cautela e de cuidado relativamente à comercialização pública de quaisquer artigos ou mercadorias, sendo que, no presente caso, o arguido confessou até conhecer a marca do xadrez BURBERRY" .

    I) Não é, pois, minimamente credível que o arguido se convencesse, no âmbito de normais comportamentos de cautela e de boa-fé, que não havia qualquer ilicitude pelo facto dos produtos que comercializavam apresentarem mais uma "linha" do que o padrão do "xadrez BURBERRY" .

  9. Razões porque o Mmº Juiz de Instrução "mais não fez" do que subsumir os factos ao Direito, de acordo com a sua...

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