Acórdão nº 089/12 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 15 de Fevereiro de 2012

Magistrado ResponsávelFRANCISCO ROTHES
Data da Resolução15 de Fevereiro de 2012
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)
  1. RELATÓRIO 1.1 A sociedade denominada “A……, S.A.” (adiante Executada, Reclamante ou Recorrida), invocando o disposto no arts. 276.º e 278.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), reclamou junto do Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto da decisão que procedeu à compensação da dívida exequenda com um crédito da Executada sobre a Administração tributária (AT).

    Pediu a anulação daquela decisão com o fundamento de que, na data em que a compensação foi efectuada, ainda aguardava a decisão sobre a idoneidade da garantia que ofereceu em resposta à notificação que para o efeito lhe foi efectuada, no sentido de obter a suspensão da execução fiscal em virtude da impugnação judicial que deduziu contra a liquidação de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) que deu origem à dívida exequenda; que se deve considerar, numa interpretação extensiva do art. 89.º, n.º 1, do CPPT, que está vedada a compensação no caso em que, tendo sido deduzida impugnação judicial, o executado aguarda decisão sobre a idoneidade da garantia oferecida; que mesmo que assim não se entenda, deverá ter-se o comportamento da AT como violador do princípio da boa-fé consagrado no art. 6.º-A do Código do Procedimento Administrativo (CPA).

    1.2 A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto julgou a reclamação procedente e, em consequência, anulou o acto reclamado.

    Para tanto, em síntese, · considerou que estavam verificados os requisitos legais para a AT proceder à compensação, motivo por que a reclamação não pode proceder com fundamento na violação do art. 89.º do CPPT; · depois, analisando a invocada violação do princípio da boa-fé, ˗ começou por considerar que «[n]ão padece de ilegalidade por violação do princípio da boa fé, na sua vertente da tutela da confiança, o acto de compensação da dívida exequenda operada pela Administração Tributária, ao abrigo do disposto no art. 89º do CPPT, na pendência de impugnação, antes de ter sido prestada garantia» ( (As partes entre aspas e com um tipo de letra diferente são transcrições, aqui como adiante.)); ˗ mas acabou reconhecendo que, no caso, porque foi a AT quem notificou a Reclamante para prestar garantia, ao que esta anuiu, criou-lhe «a legítima expectativa de o processo não prosseguir enquanto tal pedido não fosse decidido», pelo que «competia à AT decidir sobre o requerimento de prestação de garantia apresentado e só depois, no caso de considerar que a garantia apresentada não era idónea, lhe era legítimo proceder à compensação».

    1.3 A Fazenda Pública (adiante também Recorrente) não se conformou com essa sentença e dela interpôs recurso para este Supremo Tribunal Administrativo, apresentando com o requerimento de interposição do recurso as respectivas alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor: « A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a reclamação deduzida nos termos do art. 276º do CPPT, do acto de compensação de crédito derivado de reembolso de IRC do ano de 2009, na quantia de € 20.505,79, para pagamento da dívida de IRC de 1997 em cobrança no PEF nº 3352199901027727, pendente no Serviço de Finanças do Porto – 1, na quantia exequenda actual de € 859.651,41.

    B. Constitui fundamento de tal reclamação o erro nos pressupostos para efectuar a compensação de créditos, em conformidade com o disposto no art. 89º do CPPT porquanto refere ter impugnado judicialmente a liquidação de IRC de 1997, em fase de recurso nesse Venerando Tribunal Central Administrativo, e se encontrar pendente um pedido de prestação de garantia sobre prédio urbano, apresentado em 05.07.2010 no seguimento da notificação do órgão de execução fiscal para o efeito efectuada em 18.06.2010.

    C. Decidiu a final o douto Tribunal a quo pela ilegalidade da compensação realizada ao abrigo do disposto no art. 89º do CPPT, dando por razões que “no caso dos autos, a Administração Tributária notificou a reclamante para prestar garantia”, e que o subsequente pedido de prestação de garantia “encontrava-se em fase de apreciação nos serviços competentes, criando na reclamante a legítima expectativa do processo não prosseguir enquanto tal pedido não fosse decidido”, pelo que “a compensação operada violou o princípio da boa-fé” estabelecido no art. 6º-A do Código do Procedimento Administrativo, sendo como tal ilegal.

    D. Com a ressalva do sempre devido respeito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o assim doutamente decidido, pelos motivos que passa a enunciar.

    E. A Administração Tributária está vinculada a aplicar os créditos do contribuinte na compensação das suas dívidas, porquanto, sendo a compensação uma forma de extinção das obrigações que tem lugar quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor (cfr. art. 847º, nº 1, do Código Civil), o art. 40º da LGT, no seu nº 2, prevê expressamente a compensação de créditos tributários como forma de extinção da obrigação tributária.

    F. Ademais, o respeito pelos princípios da igualdade e da proibição do arbítrio impõem à Administração Tributária a proibição de concessão de moratórias, bem como a suspensão da execução fiscal fora dos casos previstos na lei (cfr. art.s 36º, nº 3, da LGT e 85º do CPPT), por força do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários, genericamente enunciado no art. 30º da LGT.

    G. Sob a epígrafe Compensação de dívidas de tributos por iniciativa da administração tributária, o art. 89º do CPPT dispõe, no seu nº 1, por um lado que “Os créditos do executado resultantes de reembolso, revisão oficiosa, reclamação graciosa ou impugnação judicial de qualquer acto tributário são obrigatoriamente aplicados na compensação das suas dívidas à mesma administração tributária, excepto (…) se estiver a correr prazo para interposição de reclamação graciosa, impugnação judicial, recurso judicial ou oposição à execução ou estar pendente qualquer dos meios graciosos ou judiciais referidos na alínea anterior ou estar a dívida a ser paga em prestações, desde que [sic] a dívida exequenda mostrar-se garantida nos termos do art. 169º”.

    H. O art. 169º do CPPT, por um lado, condiciona a suspensão da execução à constituição de garantia nos termos do art. 195º, ou à prestação nos termos do art. 199º, sendo certo que este último especifica que a referida garantia consistirá em garantia bancária, caução, seguro-caução ou qualquer meio susceptível de assegurar os créditos da Fazenda Pública, sugerindo que nem todas as garantias serão sempre adequadas, nem, portanto imediatamente aceites.

    I. Considerando, por um lado, que o imperativo legal da cobrança coerciva nasce a partir do momento em que se iniciou o incumprimento (após o decurso do prazo de pagamento voluntário), e por outro, que os créditos do executado para com a Administração Tributária, verificados os restantes condicionalismos legais, J. a compensação efectuada é legítima porque cumpriu o exigido por lei, designadamente no art. 89º do CPPT, já que, no momento da compensação, a dívida exequenda não se mostrava garantida nos termos do art. 169º do mesmo Código, sendo de afastar a ilegalidade por mera invocação de controvérsia acerca da dívida e da pendência de decisão sobre garantia oferecida, por ser inquestionável a falta de total observância da moldura delineada na excepção à obrigatoriedade de compensação prevista na lei.

    K. Acresce que a suspensão da execução fiscal, proibida nos casos não previstos da lei (cf. art. 36º, nº 3, da LGT), assume um carácter claramente excepcional, designadamente se se tiver em conta os estritos termos e exigências reveladas pelos princípios da vinculação à lei da actividade administrativa tributária e da indisponibilidade dos créditos fiscais e proibição da concessão de moratórias no seu pagamento, mormente se estiverem vencidos, afastando quaisquer juízos de oportunidade na actividade administrativa tributária.

    L. É o que decorre, afinal, da al. b) do nº 1 do art. 89º do CPPT, a contrario, que impõe que a Administração Tributária efectue a aplicação de um crédito do executado na compensação das suas dívidas tributárias, desde que a dívida não se mostre garantida nos termos do art. 169º do CPPT, mesmo que esteja pendente processo judicial.

    M. A compensação controvertida é assim legalmente admissível, pois era sobre o ora reclamante que impendia uma dívida fiscal, reconhecida num acto idóneo à promoção da sua cobrança em relação à sua pessoa, sendo, por esse facto, legalmente exigível, podendo a qualquer momento ocorrer um facto extintivo da prestação tributária em dívida, como seja, a compensação efectuada.

    N. Aliás, o Douto Tribunal a quo assim o entendeu, quando concluiu que “mostram-se verificados os requisitos legais que a compensação opere” uma vez que existe um crédito a favor do contribuinte reclamante que resulta de um reembolso de que a Administração é devedora, sendo esta titular de um crédito em fase de execução, que não se encontra garantida.

    O. Não obstante estes considerandos, encerrados com a afirmação que nada obstaculiza a compensação, tendo a Administração agido no estrito cumprimento da legalidade, e não obstante introduzir a análise da alegada infracção do art. 6º-A do Código do Procedimento Administrativo, ou seja, o princípio da boa-fé, com o anúncio de não crer na infracção desse princípio, P. o Douto Tribunal a quo, salientando a notificação para prestação de garantia, por parte da Administração Tributária, e que a resposta dada se encontrava em apreciação, entendeu ter sido criada na reclamante a legítima expectativa do processo não prosseguir enquanto tal pedido não fosse decidido, só cabendo compensação após decisão sobre o requerimento de prestação de garantia, se entendesse que a garantia prestada não era idónea.

    Q. Com o devido respeito, não podemos concordar com o doutamente...

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