Acórdão nº 9912/2007-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 31 de Janeiro de 2008

Magistrado ResponsávelJORGE LEAL
Data da Resolução31 de Janeiro de 2008
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa RELATÓRIO Em 21 de Abril de 2005 o Ministério Público intentou nas Varas Cíveis de Lisboa acção declarativa com processo ordinário contra "Sindicato .

Alegou, em síntese, que a Ré foi constituída por deliberação em assembleia constituinte realizada em 03 de Janeiro de 2005. Porém, os respectivos estatutos, que foram registados e publicados nos termos legais, não contêm quaisquer normas que regulamentem o exercício do direito de tendência dos associados. Tal omissão contende com o prescrito no artigo 485º, nº 1, alínea f) do Código do Trabalho, o que acarreta a nulidade dos estatutos e consequentemente do acto de constituição da Ré.

O Autor termina pedindo que seja declarada a nulidade do acto de constituição e dos estatutos da Ré e em consequência seja declarada a extinção desta, nos termos previstos no artigo 483º nº 4 do Código de Trabalho.

A Ré contestou, negando que os estatutos enfermem da omissão que lhe é imputada e defendendo que opinião contrária redundaria na aplicação de normativo legal que, com a interpretação apresentada pelo Autor, seria inconstitucional, por dos preceitos constitucionais (maxime a alínea e) do nº 2 do art.º 55º) decorrer a liberdade de organização e regulamentação das associações sindicais.

A Ré concluiu pela improcedência da acção.

Em 14.12.2006 realizou-se audiência preliminar, no decurso da qual foi proferida sentença que julgou a acção procedente e em consequência declarou a nulidade dos estatutos da Ré e a consequente extinção desta.

Em 05.01.2007 a Ré interpôs recurso de apelação da sentença, o qual em 07.02.2007 foi recebido com fixação de efeito suspensivo, para o que a Ré prestou caução.

Em 02.3.2007 o Ministério Público requereu a junção aos autos de expediente que recebera do Ministério do Trabalho após a prolação da referida sentença, atinente a alteração dos estatutos da Ré (fls 108 a 120 dos autos).

Notificado de tal requerimento, em 13.3.2007 a Ré, após alegar que conforme resulta da documentação junta pelo Autor e da documentação ora apresentada pela Ré, esta promoveu a alteração dos seus estatutos, a qual foi aprovada em assembleia geral extraordinária que se realizou em 22.01.2007 e foi publicada no Boletim do Trabalho e Emprego de 28.02.2007. Nos termos dessa alteração os estatutos da Ré passaram a prever expressamente o direito de tendência e a regulação do exercício desse direito pelos associados.

Concluiu requerendo que, em consequência, seja declarada a extinção da instância por inutilidade superveniente.

Em 23.3.2007 o Ministério Público pronunciou-se pelo indeferimento do aludido requerimento, alegando que embora da revisão dos estatutos da Ré resulte que o actual texto estatutário está conforme as normas legais aplicáveis, a Ré já não pode requerer a extinção da instância com fundamento na inutilidade da lide, porque proferida a sentença, ficou esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa, sendo certo que a instância se extinguiu com o julgamento, pelo que só o Tribunal da Relação de Lisboa poderá alterar o decidido na 1ª instância por via de recurso e com base nos documentos juntos após a prolação da sentença recorrida.

Em 09.4.2007 a Ré juntou aos autos a alegação do recurso de apelação.

Em 24.5.2007 o Ministério Público contra-alegou.

Em 11.7.2007 foi proferido despacho que ordenou o desentranhamento do requerimento e dos documentos que o acompanhavam apresentados pelo Ministério Público em 02.3.2007, por se entender que os mesmos haviam sido apresentados quando já havia sido ultrapassada a fase da junção de documentos em 1ª instância.

Na mesma data o tribunal a quo indeferiu o supra referido requerimento de declaração da inutilidade superveniente da lide, com o fundamento que se mostra esgotado o poder jurisdicional do juiz da primeira instância quanto à matéria em causa.

Os dois despachos supra referidos transitaram em julgado.

Na alegação da apelação a Ré formulou as seguintes conclusões: 1. Em sede de questão prévia e decorrendo da tramitação dos autos verifica-se que o Sindicato ora Recorrente promoveu a revisão dos seus estatutos que foi publicada no Boletim de Trabalho e Emprego n.° , conforme consta do documento n.° 1 junto com o requerimento do ora Recorrente de 13/03/2007.

  1. Tendo sido alterada o teor da alínea j) do n.° 1 do art. 10.° e aditado o art. 10.° -A, que, respectivamente, prevêem o direito de tendência e a regulação do exercício do mesmo pelos associados, os estatutos do Recorrente não padecem de qualquer eventual ilegalidade, designadamente a sindicada nos autos.

  2. Como tal, comprovada que está a inteira legalidade dos estatutos do Recorrente em vigor, verifica-se a inutilidade superveniente da presente lide, o que foi requerido no citado requerimento do ora Recorrente de 13/03/2007 e mereceu oposição do Recorrido.

  3. Dado que inexistiu decisão do Tribunal de 1ª Instância até a final do prazo para alegações em sede de recurso, cumpre suscitar a presente questão prévia, no presente articulado.

  4. Emerge o presente recurso da sentença de fls..., que julgou procedente e provada a acção intentada pela Recorrida e condenou o ora Recorrente no pedido, decretando a nulidade dos seus estatutos com base nos arts. 280.°, 294.° e 295.º, do Código Civil e 483.º, n.°s 1 e 4, do Código de Trabalho e, com base no disposto no art. 483.º, n.° 4, do Código de Trabalho, a extinção da Recorrente.

  5. Essencialmente, o direito de tendência visa assegurar a integração das minorias nas organizações sindicais.

  6. Todavia, a Constituição da República, deixa aos sindicatos, no âmbito do princípio da liberdade de organização interna e de regulamentação interna das associações sindicais, a prerrogativa de regular nos seus estatutos as formas de direito de tendência (art. 55.°, 1.°, c) e e) da CRP).

  7. O legislador impôs às associações sindicais a obrigatoriedade destas nos seus estatutos consagrarem e regularem o exercício do direito de tendência, sem todavia determinar a forma dessa regulação.

  8. "O direito de tendência constitui, em qualquer caso, um direito sob reserva estatutária. Não cabe por isso à lei concretizar a forma como o direito de tendência é exercido. Da Constituição resulta, por outras palavras, que a concretização do direito de tendência constitui matéria que cabe no âmbito da liberdade sindical ou, mais concretamente, no domínio da liberdade estatutária que ela envolve." in "Constituição Portuguesa Anotada", de Jorge Miranda e Rui Medeiros, Tomo 1, fls. 545.

  9. O Tribunal Constitucional tem entendido que em matéria de estatutos de associações sindicais a lei ordinária não pode estabelecer limites à liberdade de organização e de regulamentação dos sindicatos para além dos que são impostos pela própria lei fundamental (Acs. do Tribunal Constitucional, de 10 de Dezembro de 1986 e 26 de Novembro de 1991, o primeiro in DR, 2.a Série, n.° 65, de 19 de Março de 1987, pág. 3485).

  10. Prevalecem assim os princípios de auto-organização, auto-regulamentação e auto-governo em matéria dos estatutos das associações sindicais.

  11. Desta forma, o citado comando constitucional apenas veda a omissão estatutária de formas de actuação garantidas no âmbito da associação sindical que assegurem a integração das minorias nas organizações sindicais.

  12. O normativo do art. 485.°, n.° 1, al. f) do Código de Trabalho não pode sobrepor-se ao preceito constitucional e conter exigência diversa.

  13. Não resulta da norma constitucional ou legal a obrigatoriedade de referir expressamente no texto estatutário a expressão "direito de tendência" desde que este, em concreto, seja admitido e regulado, nas formas estatutariamente determinadas.

  14. O direito de crítica nos estatutos do Réu está previsto na alínea j) do n.° 1 do art. 1.° dos estatutos do Recorrente, com o seguinte teor: "Exercer o direito de crítica, com observância das regras da democracia, e sem quebra da força da coesão sindical e sem que tal implique uma clara e manifesta obstrução das competências de quaisquer dos órgãos sociais da presente associação sindical democraticamente eleitos." 16. O direito de tendência subsume-se no direito de crítica, na supra citada perspectiva de assegurar a integração das minorias no âmbito da organização sindical.

  15. Ao reconhecer e regular o direito de crítica, universalmente reconhecido a todos os sócios, o Recorrente, por maioria de razão, fez constar nos seus estatutos a previsão do direito de tendência.

  16. Sendo o direito de crítica individualmente garantido a todos os sócios, obviamente que estes poderão (se assim o entenderem) organizar-se em "tendências sindicais" ou correntes de opinião/intervenção, no respeito dos limites previstos na alínea j) do n.° 1 do art. 10.° dos Estatutos.

  17. O direito de crítica implica necessariamente a possibilidade de tomada de posição, de uma postura diferenciada das demais, de contraditório ou mesmo a assunção de uma tendência autónoma e específica no âmbito da associação sindical, o que significa a consubstanciação do direito de tendência na sua natureza jurídica.

  18. A norma constante na alínea j) do n.° 1 do art. 10.° dos Estatutos do Recorrente, consagrando o direito de crítica (e, necessariamente, de tendência), satisfaz plenamente a exigência legal e constitucional de regulação do direito de tendência.

  19. Reconhecido estatutariamente o direito de tendência a regulação estatutária deve possibilitar o seu exercício, inexistindo qualquer exigência legal ou constitucional da previsão de formas, formalismos, procedimentos ou processos tipificados que, hermética e especificadamente, espartilhem o exercício desse direito.

  20. Nos estatutos do Recorrente a regulação do direito de crítica (e, por inerência, de tendência) verifica-se com a consagração do direito de participação dos sócios na actividade do sindicato (art. 10.0, n.° 1, a)), o direito de elegerem e serem eleitos para os órgãos sociais do Recorrente (art. 10.0, n.° 1, b)), o direito de exigência aos órgãos sociais...

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