Acórdão nº 327/07.0GCMMN.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 14 de Fevereiro de 2012

Magistrado ResponsávelMARTINHO CARDOSO
Data da Resolução14 de Fevereiro de 2012
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: Nos presentes autos, acima identificados, do Tribunal de Instrução Criminal de Évora, o assistente RL não se conformou com o despacho de não pronúncia da arguida CN e do mesmo interpôs o presente recurso, que motivou concluindo: 1. Reporta-se a presente motivação a recurso interposto pelo ora Recorrente da decisão instrutória proferida pelo Juiz de Instrução de Évora que, após encerrada a Instrução requerida pelo Assistente, decidiu pelo arquivamento dos autos.

  1. O despacho recorrido desrespeita regras e princípios fundamentais que informam a Lei Penal e Processual Penal e a própria Constituição da República, como o Princípio da Legalidade, do Estado de Direito Democrático e Social, Princípio da Igualdade e a vinculação do Tribunal recorrido à objectividade na valoração e apreciação de meios probatórios no âmbito do Principio da Livre Apreciação da Prova.

  2. Dos actos praticados em sede Instrução e de Inquérito resulta prova que leva a concluir pela existência de uma probabilidade razoável de à arguida ser aplicada uma pena ou medida de segurança, devendo ter proferido despacho de pronúncia.

  3. Entendeu o Exm.° Sr. Procurador do Ministério Público, no despacho de arquivamento por este proferido, que os factos denunciados eram passíveis de integrar o crime de violência doméstica, previsto no art. 152° do Código Penal, tendo apenas decidido pelo arquivamento com base no entendimento que a culpa daquela se encontrava excluída.

  4. Não poderia o tribunal Recorrido decidir pela não pronúncia da Arguida uma vez que dos autos não resulta qualquer elemento probatório que sustente a tese de que seria antes a Arguida e não o Assistente, vítima de violência doméstica.

  5. No processo penal, o princípio da livre apreciação da prova, previsto no art.127° do Código de Processo Penal, determinando que sempre que a lei não disponha de modo diverso, a prova é apreciada segundo regras de experiência e da livre convicção do julgador, sem contudo, se possa fazer uma avaliação arbitrária da prova, subjectiva, emocional e por isso imotivável, como acontece in casu.

  6. O tipo de ilícito criminal em apreço ocorre no seio familiar, sem que dele se dê conhecimento a terceiros, e no caso dos autos, atendendo que o Assistente é homem, também face ao desvalor moral com que tais factos são recebidos no meio social onde se insere, pelo que, acima de tudo, devem ser valoradas as declarações da vítima.

  7. O assistente prestou as suas declarações de forma espontânea, clara e correcta, descrevendo os episódios de violência, física e psíquica, de que foi alvo durante o período em que viveu com a Assistente.

  8. Não dispõe o Tribunal de qualquer relatório médico-legal, nomeadamente psicológico, para aferir da sintomatologia do Assistente, nem ela se presume.

  9. Nenhuma prova foi produzida nos autos que o possa levar a concluir que a Assistente foi vítima de maus tratos, sendo certo que esta remeteu-se ao silêncio, facto que não a pode prejudicar, mas também não a poderá beneficiar 11. Os factos indicados pelo Assistente no seu requerimento de abertura de Instrução e descritos por aqueles em sede de Inquérito e Instrução, foram corroborados por testemunhas, como seja a DC, EM e JL.

  10. DC presenciou agressões físicas e verbais ao Assistente, perpetradas pela Arguida, nomeadamente no dia em que ambos se encontravam nas instalações da empresa do primeiro.

  11. O pai do Assistente viu e assistiu a diversos factos, nomeadamente a Arguida a desferir pontapé na zona genital do Assistente e a injuriá-lo, como resulta das declarações por aquele prestados, 14. De uma leitura atenta dos autos resulta, à evidência, indícios que contrariam a tese do Tribunal Recorrido e que importam, em consequência, a alteração da decisão recorrida.

  12. A Arguida, com a sua actuação, pretendeu não só ofender a integridade física do Assistente por diversas vezes, o que logrou conseguir, maltratá-lo psicologicamente, com recurso a ameaças de morte e suicídio ou injuriando-o perante familiares e conhecidos, sendo certo que agiu livre e conscientemente, bem sabendo que as suas acções eram censuráveis, e não obstante, não se isentou de as praticar.

  13. O Assistente não beneficia em nada com os presentes autos, sendo o processo de alteração (e não regulação) das responsabilidades parentais muito posterior aos presentes autos, e as declarações daquele prestadas no âmbito do inquérito, em tudo coincidentes com as resultaram da Instrução.

  14. Deveria o Tribunal Recorrido ter decidido no sentido de pronunciar a Arguida pela prática, em autoria material, de um crime de violência doméstica p. e p. pelo art. 152° do CP, impondo-se a revogação do despacho recorrido e a sua substituição por outro que decida pela sua pronúncia.

  15. A decisão recorrida violou, entre outros, o art. 152° do Código Penal e os arts. 127°, 286° e 308° do Código de Processo Penal.

Nestes termos e nos melhores de direito que VV. Exas doutamente suprirão deve o presente recurso ter provimento, e em consequência ser a decisão Instrutória ora recorrida revogada e substituída por outra que pronuncie a Arguida pela prática, em autoria material, de um crime de violência doméstica p. e p. pelo art. 152° do CP.

  1. -Ao contrário, o exame psicológico da arguida demonstra a existência de um quadro depressivo, corroborado pelos relatos de descontrolo emocional prestados pelas testemunhas, que se enquadra no perfil, não de um agressor, como pretende o assistente, mas de uma vítima.

  2. - Quanto ao depoimento do pai do assistente, único que corrobora a versão deste, importa ainda ter em conta que, na sua maioria, configura um depoimento indirecto que, como tal, não pode ser valorado – artº 129º do Código de Processo Penal.

  3. -Assim, a Mma. JI, na decisão recorrida, fez uma correcta avaliação da prova produzida nos autos, porquanto deles não resultam elementos que permitam indiciar a prática, pela arguida, do crime de violência doméstica, p. e p. no artº 152º do Código Penal.

  4. - Pelo contrário, deles resultam alguns indícios de que a arguida poderá, ela sim, ter sido vítima de violência doméstica, consubstanciando os actos relatados pelo assistente momentos de descontrolo emocional próprios das vítimas destes ilícitos.

  5. - A Mma. JI fez uma correcta interpretação e aplicação do disposto nos arts. 152º do Código Penal, 127º, 186º e 308º do Código de Processo Penal.

Pelo exposto, deve o presente recurso ser indeferido e, consequentemente, deve manter-se a decisão proferida, (…) # Nesta Relação o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer também no sentido...

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