Acórdão nº 5298/08.3TBLRA-B.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 14 de Fevereiro de 2012

Magistrado ResponsávelHENRIQUE ANTUNES
Data da Resolução14 de Fevereiro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I.

Forma de julgamento do recurso.

Dado que as questões colocadas nos recursos – a que nem sequer foi oferecida resposta – não são complexas, declaro que os recursos serão julgados sumariamente (artºs 700 nº 1 c) e 705 do CPC). II.

Julgamento dos recursos. 1.

Relatório.

F… e Banco …, SA apelaram da sentença proferida pelo Sr. Juiz de Direito do 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria que procedeu à verificação e à graduação de créditos reclamados no processo de insolvência de Imobiliária …, SA.

O primeiro impugnante pede, no seu recurso, a revogação daquela sentença e a sua substituição por outra que declare o seu crédito como reconhecido condicionalmente e o privilégio invocado (direito de retenção que se transfere para o produto da venda apreendido); o segundo recorrente, por seu lado, pede, no respectivo recurso, também a revogação da mesma sentença e a sua substituição por outra que verifique que o seu crédito beneficia de hipoteca relativamente ao produto da venda apreendidos nos autos, referente ao imóvel descrito na CRP das Caldas da Rainha sob o nº …, freguesia da Foz do Arelho, convertendo automaticamente o crédito comum em crédito garantido, e que o gradue no lugar que, por sua natureza lhe competir.

O recorrente F… extraiu da sua alegação estas conclusões: ...

Por sua vez, o recorrente Banco …, SA, condensou a sua alegação nestas conclusões: ...

Não foi oferecida resposta.

2.

Factos provados relevantes para o conhecimento do objecto dos recursos.

...

3.

Fundamentos.

3.1.

Delimitação objectiva do âmbito dos recursos.

Além de delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito do recurso pode ser limitado pelo próprio recorrente. Essa restrição pode ser realizada no requerimento de interposição ou nas conclusões da alegação (artº 684 nºs 2, 1ª parte, e 3 do CPC).

Todo o objecto do recurso é constituído por um pedido e um fundamento: o pedido consiste na solicitação da revogação da decisão impugnada e o fundamento na invocação de um vício no procedimento – error in procedendo – ou no julgamento – error in iudicando. Na espécie sujeita, o recorrente F… pede, no seu recurso, do mesmo passo, a reforma da sentença impugnada por erro manifesto resultante da desconsideração pelo juiz a quo, igualmente, por lapso manifesto, de documento que, por si só, implica, necessariamente, decisão diversa da proferida, e a revogação dessa mesma sentença por erro de julgamento de direito.

A decisão encontra-se ferida de erro manifesto quando, por lapso manifesto do juiz na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos a decisão tenha sido proferida em violação de lei expressa (artº 669 nº 2 a) do CPC) e quando constem do processo documentos ou quaisquer elementos que, por si só, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida e que o juiz, igualmente por lapso manifesto, não haja tomado em consideração (artº 669 nº 2 b) do CPC). A primeira situação constitui um erro de direito; a última assenta num erro sobre factos.

A lei anterior à Reforma do sistema de recursos – de que foi instrumento do DL nº 303/2007 de 24 de Agosto - motivada, segundo declaração do próprio legislador, pelo propósito de realização efectiva e adequada do direito material e fundada no entendimento de que é mais útil à paz social e ao prestígio e dignidade da administração da justiça corrigir que perpetuar um erro juridicamente insustentável, a lei adjectiva anterior - flexibilizando, embora em termos necessariamente circunscritos, o princípio do esgotamento do poder jurisdicional com o proferimento da sentença ou do despacho - permitia o suprimento de erro de julgamento pelo seu próprio autor, quer a decisão admitisse recurso ordinário quer não (artº 669 nº 2 a) e b) do CPC).

Portanto, em princípio o error in iudicando só podia ser apreciado no recurso interposto da decisão. Mas a lei permitia que qualquer das partes requeresse, em certas condições, a reforma da sentença ou do despacho, com base em erro de direito ou de facto.

Este regime tinha, no caso de a decisão admitir recurso ordinário, pouca justificação, e era, não raro utilizado, para se obter, independentemente da interposição do recurso, a modificação do julgado.

Com aquela Reforma, a arguição do erro manifesto só é admissível se a decisão não admitir recurso ordinário (artº 669 nº 2, proémio, do CPC). Se a decisão admitir recurso, o erro de julgamento, seja ele de facto ou de direito, deve ser invocado como fundamento do recurso.

Decorre deste regime, que, no caso de a decisão ser impugnável através do recurso, a alegação do erro manifesto de julgamento não tem qualquer autonomia, sendo tratado como qualquer outro erro in iudicando, ostensivo ou não, tanto de facto como de direito, i.e., como qualquer outro erro na aferição da prova ou na qualificação, na subsunção ou sobre a estatuição, e o seu reconhecimento pelo tribunal ad quem não dá lugar à reforma da sentença – mas à sua revogação.

Maneira que o fundamento do recurso do recorrente F… é, simplesmente, constituído por um error in iudicando de direito, na modalidade de erro na qualificação: o tribunal da acção escolheu a norma errada para enquadrar o caso do credor que, para fazer reconhecer o seu crédito sobre a insolvência, tenha proposto acção declarativa contra a massa insolvente, os credores e o devedor, e feito lavrar, no processo em que foi proferida a sentença declarativa daquele estado, protesto assinado.

Assim, tendo em conta o conteúdo da sentença impugnada e das alegações de cada um dos recorrentes, as questões concretas controversas que importa resolver são a de saber se aquela sentença deve ser revogada e substituída por outra que: a) Reconheça, ainda que só condicionalmente, o crédito do recorrente F… e a transferência, para o produto da venda objecto de apreensão para a massa insolvente da garantia real que invocou – o direito de retenção; b) Declare que o crédito verificado reclamado pelo Banco …, SA se encontra garantido por hipoteca relativamente ao produto da venda da fracção AB do prédio urbano descrito na conservatória do registo predial de Caldas de Rainha sob o nº …, matricialmente inscrito sob o artº … da freguesia da Foz do Arelho.

A resolução destes problemas vincula ao exame, ainda que breve: a) No tocante ao recurso interposto por F…, dos efeitos do protesto, lavrado e assinado pelo autor da acção proposta com a finalidade de verificação ou reconhecimento ulterior de créditos; b) Relativamente ao recurso interposto pelo Banco…, SA, da natureza hipoteca voluntária e dos privilégios creditórios privilégios e a determinação das regras do concurso da primeira com os segundos; c) Do procedimento de graduação.

O processo de insolvência é uma execução colectiva ou universal (artº 1 do CIRE).

Na acção executiva promove-se, em geral, a realização coactiva de uma única prestação contra um único devedor e, em observância de um princípio de proporcionalidade, apenas são penhorados e executidos os bens do devedor que sejam suficientes para liquidar a dívida exequenda (artºs 828 nº 5, 833 nº 1 e 832 nº 1 a) do CPC).

Esta execução distingue-se do processo de insolvência que é uma execução universal, tanto porque nela intervêm todos os credores do insolvente, como porque nele é atingido, em princípio, todo o património deste devedor (artºs 1, 47 nºs 1 a 3, 128 nºs 1 e 3 e 149 nºs 1 e 2 do CIRE, aprovado pelo DL nº 53/04, de 18 de Março). Como o devedor se encontra em situação de insolvência, quer dizer, impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas todos os credores podem reclamar os seus créditos e todo o património do devedor responde pelas suas dívidas (artº 3 nº 1 do CIRE).

Na execução singular, um credor pretende ver satisfeito o seu direito a uma prestação; esse credor necessita de uma legitimação formal, que é um título executivo e se o devedor for solvente obtém na acção executiva a satisfação do seu crédito (artºs 45 nº 1 e 55 nº 1 do CPC).

No processo de insolvência podem apresentar-se todos os credores do insolvente, ainda que não possuam qualquer título executivo, porque todos eles podem concorrer ao pagamento rateado do seu crédito, através do produto apurado na venda de todos os bens arrolados para a massa insolvente.

O processo de insolvência baseia-se na impossibilidade de o devedor saldar todas as suas dívidas e, portanto, orienta-se por um princípio de distribuição de perdas entre os credores.

Admite-se, por isso, a par das reclamações preferenciais, a reclamação dos créditos comuns.

Mas à igualdade dos credores na admissão ao concurso não corresponde necessariamente uma igualdade na satisfação dos créditos reclamados, em razão de uma diferente ponderação pelo legislador dos interesses da generalidade dos credores e dos titulares de direitos preferenciais de pagamento.

Abstraindo de soluções intermédias, a posição relativa recíproca dos credores em processos concursais, pode organizar-se de harmonia com dois sistemas: um deles fundamenta-se no princípio da prioridade e expressa-se na máxima prior tempore, prior iure, dado que atribui ao credor que primeiro obteve a penhora, ou acto equivalente, de bens do devedor uma preferência em relação aos demais credores que não sejam titulares de quaisquer garantias reais sobre esses mesmos bens; outro sistema possível é o da igualdade ou da par conditio (omnium) creditorum, que não concede ao exequente qualquer preferência resultante da penhora, ou acto executivo equivalente, em relação aos demais credores comuns do executado[1].

Todavia, a diferença entre o sistema da par conditio...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT