Acórdão nº 994/06.2TBVFR.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Fevereiro de 2012

Magistrado ResponsávelBETTENCOURT DE FARIA
Data da Resolução23 de Fevereiro de 2012
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I AA moveu a presente acção ordinária de investigação de paternidade contra BB, pedindo que ela autora seja reconhecida como filha do réu.

O réu contestou por impugnação e excepcionando a caducidade da acção.

Houve resposta da autora.

Foi proferido despacho convidando a autora a aperfeiçoar a sua petição inicial alegando expressamente: «A data em que a sua mãe e o réu (o pretenso pai) se conheceram; A data em que começaram a manter relações sexuais e até quando; Que de tais relações nasceu a autora – art. 1798: 1CC)».

Apresentou a autora articulado em cumprimento do antecedente despacho.

O réu, no exercício do contraditório, apresentou a sua resposta, concluindo como na contestação.

Foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a excepção peremptória da caducidade da propositura da acção e inconstitucionalidade da imprescritibilidade da acção de investigação de paternidade.

Recorreu o réu da decisão sobre as excepções invocadas, recurso este que foi recebido como de apelação. Veio o réu ainda reclamar da manifesta falta de correspondência entre os factos alegados pela autora e os factos vertidos nos artigos 3º e 4º, da Base Instrutória, invocando relativamente a este último que ao aperfeiçoar o teor do artigo 15º do articulado «aperfeiçoado», transmudando o ali escrito no quesito 5º com a finalidade de assim o poder incluir na base instrutória, o tribunal cometeu nulidade processual que arguiu para os efeitos dos artigos 201º e 205º, do C.P.C por ter praticado acto que não lhe é consentido pelos seus poderes de julgador dos artigos 264º, nº 2 primeira parte e 511º, nº 1, do C.P.C.

Sobre a nulidade invocada recaiu a fls. 197 o seguinte despacho exarado a fls. 197 do 1º volume dos autos «No que concerne à nulidade invocada, com os fundamentos constantes de fls. 153 e seguintes, afigura-se-nos que o despacho saneador não padece de nenhuma nulidade, pelo que, e sem necessidade de mais considerações indefiro o requerido, mantendo a inclusão na Base Instrutória da matéria vertida no número 5º».

Deste despacho interpôs recurso o réu, o qual que foi admitido como agravo, a subir com o primeiro que dele houvesse de subir imediatamente, com efeito meramente devolutivo.

Veio também o réu interpor recurso da decisão que ordenou a realização de prova pericial deferida ao Instituto de Medicina Legal e fixou o objecto da mesma cujo teor é o seguinte (cf. fls. 197ºvº).

«Prova Pericial Admito a diligência requerida por entender que a mesma não é impertinente nem dilatória, a qual será realizada pelo Instituto Nacional de Medicina Legal – Gabinete Médico – Legal do Porto e terá por objecto os seguintes factos: Em face dos exames de sangue efectuados, pode o Réu ser pai da Autora? Em caso afirmativo, qual a percentagem de probabilidade de o Réu ser pai da Autora? Solicite a realização dos exames hematológicos em causa».

Tal recurso foi admitido como Agravo, a subir com o primeiro que depois dele houvesse de subir imediatamente, com efeito meramente devolutivo.

Não tendo o réu comparecido nos dias 26 de Março e 10 de Abril de 2008 no INML para a colheita de amostras biológicas foi proferido o despacho exarado a fls. 531, 532 e 533 – 4º volume que em síntese «considerou as faltas do Réu injustificadas e condenou-o em multa que fixou em 2UC’s relativamente a cada uma delas, e, tendo em conta o despacho que considerou injustificadas as duas últimas faltas do Réu à recolha de amostras biológicas no INML, tendo o mesmo faltado também às três primeiras (ainda que tais faltas tenham sido consideradas justificadas), e sendo por demais evidente o interesse que reveste o exame em causa, pelo grau de quase absoluta certeza que tal meio de prova revela neste tipo de acções, estando o mesmo expressamente admitido no art. 1801º, do Código Civil, afigura-se-nos dever ser retirada da conduta do Réu uma declaração de recusa em se apresentar voluntariamente a exame de sangue, violadora do dever de cooperação com a justiça, previsto nos art. 264º, 266º e 519º, do Código de Processo Civil.

Assim sendo, fica o Réu sujeito a que o tribunal aprecie livremente o valor de tal recusa para efeitos probatórios, sem prejuízo da eventual inversão do ónus da prova decorrente do preceituado no nº 2, do art. 344º, do Código Civil (cf. art. 519º, nº 2, do Código de Processo Civil) prosseguindo os autos os seus ulteriores termos processuais, ou seja, para a fase de julgamento.

Notifique» Deste despacho recorreu o réu Procedeu-se a julgamento, posto o que foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e, em consequência, absolveu o réu do pedido.

Dela apelou a autora.

O Tribunal da Relação, depois de considerar que: “Face à data de entrada da p.i – 30 de Janeiro de 2006 – é aplicável aos presentes autos o regime dos recursos anterior ao Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto (arts. 11º e 12º, do citado Decreto-Lei).

Nos termos do preceituado no art. 710º, nº 1, do C. P. Civil «A apelação e os agravos que com ela tenham subido são julgados pela ordem da sua interposição mas os agravos interpostos pelo apelado que interessem à decisão da causa só são apreciados se a sentença não for confirmada».

E de harmonia com o disposto no nº 2, do mesmo normativo: «Os agravos só são providos quando a infracção cometida tenha influído no exame ou decisão da causa ou quando, independentemente da decisão do litígio, o provimento tenha interesse para o agravante».

No caso em apreço o apelado é também apelante pelo que se procederá como se fosse só apelante, ou seja, conhecer-se-á dos agravos por ele interpostos, para só lhes dar provimento caso a infracção cometida influa no exame ou na decisão da causa (vide neste sentido Fernando Amâncio Ferreira, in Manual dos Recursos em Processo Civil, pág. 196)”, proferiu a seguinte decisão:

  1. Julgar improcedente a apelação interposta pelo Réu BB mantendo a decisão exarada a folhas 133 a 141 dos autos.

  2. Negar provimento aos agravos interpostos pelo referido Réu BB e manter os respectivos despachos.

  3. Julgar improcedente a apelação interposta pela Autora e confirmar a sentença recorrida.

  4. Condenar o Réu e a Autora nas custas dos respectivos recursos.

Recorrem, agora, ambas as partes, sendo que o réu o faz subordinadamente, abrangendo no recurso unitário os agravos ordenados como 1º e 2º agravos, por ocorrer a oposição de julgados com anteriores decisões deste STJ e da Relação do Porto.

Nas suas conclusões de recurso, alegam, em síntese: recurso da autora 1 A Relação não valorizou a recusa do réu em fornecer material biológico para a perícia científica quando, uma vez que a liberdade na apreciação da prova não consiste num juízo meramente subjectivo, mas lógico e racional, deveria ter entendido que o réu pretendeu esconder a sua paternidade, razão pela qual os quesitos 1º, 2º, e 3º deverão ser dados por provados.

2 Tendo em conta o grau de certeza quase absoluto dos testes de ADN, era possível elaborar um quesito como o quesito 5º, pelo que deveria a 1ª instância a ele ter respondido. Não censurando a Relação essa recusa, devem os autos baixar para que se proceda em conformidade, sendo anuladas as respostas aos quesitos 1º, 2º e 3º para evitar possíveis contradições.

3 Acresce que a Relação, ao considerar que a causa de pedir nos presentes autos era a relação sexual fecundante entre o réu e a mãe da autora e que esta relação se provava através dos testes genéticos, não poderia, sob pena de contradição, não responder ao quesito 5º, incorrendo na nulidade do art.º 668º nº 1 alínea c) do C. P. Civil 4 A recusa do réu, tornando impossível a prova do vínculo parental, determina a inversão do ónus da prova, nos termos do art.º s 344º nº 2 do C. Civil e 519º do C. P. Civil, devendo ser o réu a demonstrar, através de meio de prova tão significativo como o ADN, que não é o pai da investigante.

5 Outra contradição, implicando a mesma nulidade do art.º 668º nº 1 alínea c) do C. P. Civil, deriva do facto da Relação considerar de primacial importância os ditos testes genéticos, considerando culposa a conduta do réu, não tendo, contudo, tirado da sua recusa em submeter a tais testes qualquer consequência, nem julgado invertido o ónus da prova.

6 A Relação, ao não decidir como atrás se referiu, ou pelo menos, ao não justificar porque assim não fez, incorreu na nulidade da omissão do pronúncia.

7 A Relação, ao entender que a questão da inversão do ónus da prova, que a 1ª instância não versou quando o tinha de fazer, era um mero argumento, incorreu em omissão de pronúncia.

8 A interpretação dos art.º s 519º do C. P. Civil e 344º nº 2 do C. Civil, segundo a qual a ilícita recusa do investigando em fornecer material genético não lhe traz qualquer consequência negativa atenta contra o princípio constitucional do direito à historicidade pessoal do art.º 26º da Constituição.

recurso subordinado do réu 1 A declaração de inconstitucionalidade tem de respeitar não só os casos julgados como também as situações jurídicas que se tenham definitivamente consolidado antes dessa declaração, como no caso dos autos, em que já tinham decorrido seis anos, sem qualquer interrupção ou suspensão, desde que o art.º 1817 do c. Civil deixara de ser materialmente o regulador da situação jurídica da autora.

2 Como os investigantes, também os investigados têm um direito à identidade pessoal que merecem a protecção dos art.º s 26º e 36º da Constituição.

3 Aliás os preceitos constitucionais visam mais do que a identidade pessoal a dignidade humana contra a manipulação e instrumentalização dos dados e elementos genéticos.

4 O Acórdão do Tribunal Constitucional 23/2006 não declarou inconstitucional qualquer prazo, mas apenas o prazo de dois anos, pelo que o acórdão recorrido ao entender diferentemente violou os art.º s 18º, 26º e 36º da Constituição.

5 O facto inserto no quesito 5º (se a autora nasceu em consequência de relações sexuais mantidas pelo réu) não corresponde nem traduz o...

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