Acórdão nº 07P607 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Janeiro de 2008

Magistrado ResponsávelSIMAS SANTOS
Data da Resolução17 de Janeiro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)
  1. O Tribunal Colectivo de Valença (proc. n.° 1/04.OGBVLN), decidiu, além do mais: - Condenar o arguido AA pela prática, em autoria material, e concurso real, de (i) 1 crime de homicídio simples do art. 131° do C. Penal, na pena de 11 anos de prisão; (ii) 1 crime de detenção de arma ilegal do art. 6°, n.° 1, da Lei 22/97 de 27/06, na pena de 10 meses de prisão; (iii) 1 crime contra a preservação da fauna e espécies cinegéticas do art. 30°, n° 1 da Lei da Caça, na pena de 3 meses de prisão; (iv) em cúmulo jurídico de penas, nos termos do art. 77°, n°s. 1 e 2, do C. Penal, na pena única de 11 anos e 3 meses de prisão; - Julgar parcialmente procedente, por provado, o pedido de indemnização civil formulado pelas demandantes e, em consequência, condenar o demandado AA no pagamento de quantias indemnizatórias à demandante BB, à demandante CC, às duas demandantes, na qualidade de únicas e legítimas herdeiras de DDo.

    Inconformados, recorreram, para a Relação de Guimarães, as assistentes e o arguido.

    Aquele Tribunal Superior (rec. nº 1007/06) decidiu julgar improcedente o recurso interlocutório interposto pelo arguido, confirmando a decisão recorrida, rejeitar o recurso interposto do acórdão final pelas assistentes e julgar improcedente o recurso interposto do acórdão final pelo arguido, que confirmaram.

    Ainda inconformado recorre o arguido para este Supremo Tribunal de Justiça, suscitando as questões da nulidade do acórdão e inconstitucionalidade da interpretação feita dos art.ºs 428° e 431.º, ambos do CPP, da qualificação jurídica da sua conduta, da escolha da pena quanto ao crime de detenção ilegal de arma, e da condenação pelo crime do art. 30.º da Lei da Caça.

    Respondeu o Ministério Público, que concluiu pela improcedência do recurso Distribuídos os autos neste Supremo Tribunal de Justiça, teve vista o Ministério Público, tendo sido, depois, os mesmos autos redistribuídos.

    Colhidos os vistos legais, teve lugar a audiência. Nela, o Ministério Público remeteu a resposta produzida na Relação e o defensor nomeado remeteu para a motivação Cumpre, assim, conhecer e decidir.

    2.1.

    E conhecendo.

    Factualidade apurada pelas instâncias Factos provados: No dia 2 de Janeiro de 2004, cerca das 22h e 25 minutos, no Lugar de Gondelim, Cerdal, Valença, circulava na estrada municipal o veículo automóvel de matrícula ..-..-.., marca Renault, modelo "19", propriedade do arguido AA (cfr. docs. de fls. 67 e 68).

    O veículo em causa era conduzido por pessoa cuja identidade não foi possível apurar. O arguido AA era transportado no mesmo, sentado no banco da frente do lado direito, ao lado do condutor, e no banco traseiro seguiam pelo menos mais dois indivíduos, cuja identidade também não se conseguiu apurar.

    O arguido AA transportava consigo uma arma de fogo, uma espingarda caçadeira, e os dois indivíduos que seguiam no banco traseiro seguravam e movimentavam lateralmente, um de cada lado da viatura, dois projectores de luz.

    Andavam a caçar, designadamente javalis, e os projectores destinavam-se a iluminar lateralmente os terrenos e montes situados nas imediações da estrada por onde circulavam, por forma a mais facilmente detectarem as peças de caça.

    A cerca de 2 Km desse lugar de Gondelim existe a Zona de Caça Associativa de Castelo de ..., situada nas freguesias de Boivão, Gondomil, Friestas, Verdoejo, Ganfei e Sanfins, todas do concelho de Valença, com uma área de 2.814 hectares, cuja concessão pertence ao Clube de Tiro, Caça e Pesca Contrasta de Valença, com sede no Pavilhão Gimnodesportivo - Zona Escolar, Valença.

    Esta área era vigiada e controlada por guardas florestais auxiliares, sendo a vítima DD um desses guardas.

    Este DD vinha-se deparando há já algum tempo com a presença de veículos automóveis que entravam na zona de caça durante a noite, designadamente pelo lugar de Gondelim, suspeitando que seriam indivíduos que se dedicariam à caça nocturna, ou seja, caçadores furtivos.

    No dia e hora acima referidos, o DD (ao volante de uma carrinha da marca Mitsubishi, pertença da dita Associação), onde se faziam transportar juntamente com EE e FF, que o acompanhavam, aperceberam-se de uma viatura a circular na estrada referida, provindo dos lados de Paredes de Coura e em direcção ao lugar de Gondelim.

    Essa viatura, que veio a constatar-se ser o veículo UF já identificado, para além dos faróis de iluminação que tem incorporado, trazia os dois projectores laterais já referidos ligados.

    Nessa altura, a vítima DD imobilizou a carrinha Mitsubishi que conduzia e colocou-a no meio da estrada, com as luzes desligadas, numa curva localizada para além do lugar de Gondelim, atento o sentido em que seguia a viatura que avistara, no troço dessa estrada que dá acesso aos depósitos de água da freguesia, à espera que a viatura do arguido AA passasse por ali.

    A carrinha encontrava-se imobilizada no meio da via, de molde a evitar que o outro veículo por ali circulasse.

    Para o volante da Mitsubishi passou o FF.

    O DD e o outro elemento que o acompanhava, o EE, que se encontrava a "estagiar" para vir a ser guarda-florestal auxiliar, ficaram no exterior da viatura posicionados ao lado desta, a vítima do lado esquerdo e o EE do lado direito.

    Vestiam ambos farda de guarda-florestal auxiliar, de cor castanha, e coletes reflectores por cima da farda, a vítima trazia numa das mãos um bastão luminoso e o EE empunhava uma espingarda caçadeira destinada ao serviço de patrulhamento dos guardas da Zona de Caça Associativa de Castelo da Furna.

    Quando a viatura em que o arguido AA se fazia transportar se aproximou do local onde se encontrava a carrinha da Associação, o FF, a mando da vítima, ligou as luzes dos faróis desta carrinha e accionou um pirilampo luminoso que colocaram no tejadilho da mesma, ao mesmo tempo que o DD fazia sinalética com o bastão luminoso para que aquela viatura imobilizasse a sua marcha.

    De imediato, o veículo de matrícula ..-..-.. imobilizou-se, por breves segundos, alguns metros à frente da carrinha Mitsubishi, tendo de seguida iniciado uma manobra de marcha-atrás, o que fez a toda a velocidade que essa manobra permitia.

    Acto contínuo, a vítima e o EE começaram a correr em perseguição e na direcção desse veículo, o que fizeram ao longo de cerca de 200 metros, tendo este último, a mando daquele, efectuado pelo menos um disparo para o ar com a arma que transportava, com o objectivo de assustar e impedir a fuga.

    Eram acompanhados pelo FF, que seguia com a carrinha Mitsubishi no encalço da viatura UF, continuando a vítima e EE um de cada lado desse veículo, na posição supra referida.

    Ao efectuar a dita manobra de marcha-atrás o veículo de matrícula ..-..-.., seguindo de forma descontrolada, foi raspando durante cerca de 40 metros, com a parte lateral direita no muro de blocos que ladeava a estrada por onde circulava.

    Após, no momento em que embateu com a parte traseira no dito muro, num ponto onde este apresenta uma abertura, o veículo UF efectuou a manobra de inversão de marcha Em consequência desse raspar e colidir no muro, o veículo UF deixou no local duas protecções/resguardos em plástico de cor escura, um pedaço de borracha de cor preta e uma tampa de uma coluna de som de marca "Pioneer". Cfr. fotos de fls. 30, 35, 36 e 42.

    Durante a manobra de marcha-atrás que o veículo automóvel de matrícula..-..-.. se encontrava a efectuar, o arguido AA que transportava a arma de fogo, (cujas características não foi possível apurar, uma vez que não apareceu, porém, tudo indicando que se trata de uma espingarda caçadeira com cano de alma lisa (exame de balística de fls. 286 e sgs.), colocada no exterior do veículo, efectuou pelo menos um disparo para a sua frente, na direcção do local onde se encontrava a vítima.

    Esse tiro foi atingir o malogrado DD, que se encontrava a uma distância de cerca de 20 a 25 (vinte a vinte e cinco) metros à frente do veículo UF.

    A vítima foi atingida por 6 (seis) bagos de zagalote, dispersados entre si numa distância de 50 cm (exame balística de fls. 286 e sgs.), provenientes de cartucho de caça, composto por nove bagos, de calibre 12, eventualmente com carregamento de tipo SG.

    Que lhe provocaram as seguintes lesões: Cabeça: Orifício de entrada de 0,6 x 0,6 cm na região malar direita, junto à asa do nariz; Paredes: sem fracturas. Trajecto de chumbo ao longo dos ossos do maciço da face alongando-se o chumbo nos tecidos abaixo da mastóide direita. O trajecto é antero posterior, na horizontal Fossas nasais, seios maxilares, frontais e esfenoidais: Fracturas ao longo do trajecto do chumbo que entrou na região malar direita. Infiltrado sanguíneo. Toráx: Orifício de entrada de 0,6 x 0,6 cm infraclavicular mediano entre o 2.° e 3.° arcos costais; Orifício de entrada de chumbo entre o 7.° e 8.° arcos costais esquerdos, região antero lateral, distando do anterior 23 (vinte e três) cm; Orifício de entrada e chumbo entre o 11.° e 12.° arcos costais esquerdos junto dos bordos flutuantes, distando do orifício anterior 8 (oito) cm; Orifício de entrada entre o 6.° e 8.° arcos costais direitos.

    Paredes: Orifício de entrada de chumbo entre o 2.° e3.° arco costal anterior mediano. Fractura do 5.° arco costal postero lateral e contusão do 6.° arco costal subjacente com perfuração da pleura e dos músculos intercostais subjacentes. Intensa infiltração sanguínea. O vago de chumbo que seguiu este trajecto antero posterior, ligeiramente de cima para baixo e ligeiramente da região mediana para a lateral, estava alojado debaixo do tecido subcutâneo trajecto do chumbo cujo orifício de entrada foi entre o 6.° e 8.° arcos costais direitos é antero posterior e ligeiramente de cima para baixo.

    Pleuras e cavidades pleurais: Hemotorax de 800 cc no hemitorax esquerdo. Laceração pleural coincidente com o orifício de entrada entre o 5.° e 6.° arcos costais laterais esquerdo, por onde passou o chumbo que se foi alojar no tecido subcutâneo. Laceração pleural correspondente aos restantes trajectos.

    Pulmão esquerdo: Perfuração antero lateral do lobo...

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