Acórdão nº 033/12 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 08 de Fevereiro de 2012

Magistrado ResponsávelFERNANDA MAÇÃS
Data da Resolução08 de Fevereiro de 2012
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: I- RELATÓRIO 1.

A………, com a identificação constante dos autos, deduziu reclamação do despacho exarado pelo CHEFE DO SERVIÇO DE FINANÇAS DE MATOSINHOS 1, que determinou a sua citação por reversão, por considerar que inexistia a prescrição das dívidas de IVA relativas aos exercícios de 2002 e 2003, por dar como devidamente fundamentada a insuficiência de bens para o pagamento integral da dívida, baseando-se ainda no seu exercício de facto da gerência, o que esteve na origem de o considerar responsável subsidiário, pelos períodos em questão.

A Mma Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto julgou a reclamação improcedente.

  1. Não se conformando com tal decisão, veio o reclamante interpor recurso para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, nos termos dos artigos 280, n.º1, e seguintes do CPPT e 678.º e seguintes do CPC., alegando, nas Conclusões das suas Alegações: “A)….

    1. No entendimento do Meritíssimo Juiz a quo, vertido na sentença recorrida, “…Ora, dos autos resulta claramente que o reclamante foi citado antes do decurso do prazo de prescrição, ou seja, antes de terem decorrido os 8 anos a que se reporta o art. 48.º, n.° 1 da LGT, pelo que quer as dívidas de 2002, quer as de 2003, não se encontram prescritas.

    2. Salvo o devido respeito, o reclamante, ora recorrente não pode deixar de manifestar a sua total discordância quanto a este entendimento, logo quanto ao conteúdo da sentença no que diz respeito à prescrição, objecto do presente recurso, considerando que a mesma faz uma incorrecta aplicação das normas legais aplicáveis.

    3. Delimitando o objecto do presente recurso, a questão que aqui se põe, reportada à situação em apreço, é justamente a de saber se as dívidas exequendas objecto do presente processo estão (ou não) prescritas relativamente ao reclamante, ora recorrente.

      RELATIVAS AO ANO FISCAL DE 2002 I) Divergindo da sentença recorrida, o ora recorrente entende que tais dívidas exequendas, relativamente ao ano fiscal de 2002, estão prescritas.

    4. As dívidas exequendas do presente processo e relativas ao ano fiscal de 2002 referem-se a IVA e aos períodos 01, 02, 03, 04, 05, 06, 07, 08, 09, 10 e 11; K) À data da ocorrência dos factos tributários — ano fiscal de 2002 -, quanto ao regime prescricional das dívidas tributárias, estava em vigor o n.º 1 do artigo 48.° da LGT, que dizia: “As dívidas tributárias prescrevem, salvo o disposto em lei especial, no prazo de oito anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto ocorreu.” L) Regime este, que foi alterado pela Lei 55-B/2004 de 30/12, estabelecendo quanto ao n.° 1 do artigo 48.° da LGT, o seguinte: “As dívidas tributárias prescrevem, salvo o disposto em lei especial, no prazo de oito anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, excepto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efectuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respectivamente a exigibilidade do imposto ou o facto tributário”.

    5. Esta alteração legislativa, entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2005, N) Assim, em 2002 estava em vigor o regime prescricional que estatuía que a prescrição das dívidas tributárias relativamente aos impostos de obrigação única, era de oito anos contados a partir da data em que o facto tributário ocorreu.

    6. O IVA é sem sombra de dúvidas um imposto de obrigação única.

    7. Os impostos que estão a ser exigidos ao reclamante são IVA dos anos de 2002 e 2003, Q) Logo, relativamente ao ano de 2002, o início da contagem do prazo prescricional ocorre nas datas em que os factos tributários se verificaram o que aconteceu em: - 2002-01-01 a 2002-01-31 — prescreveu em 31-01-2010; - 2002-02-01 a 2002-02-28 — prescreveu em 28-02-2010; - 2002-03-01 a 2002-03-31— prescreveu em 31-03-2010; - 2002-04-01 a 2002-04-30— prescreveu em 30-04-2010; - 2002-05-01 a 2002-05-31 — prescreveu em 31-05-2010; - 2002-06-01 a 2002-06-30 — prescreveu em 30-06-2010; - 2002-07-01 a 2002-07-31 — prescreveu em 31-07-2010; - 2002-08-01 a 2002-08-31 — prescreveu em 31-08-2010; - 2002-09-01 a 2002-09-30 — prescreveu em 30-09-2010; -2002-10-01 a 2002-10-31— prescreveu em 31-10-2010; - 2002-11-01 a 2002-11-30 — prescreveu em 30-11-2010.

    8. Estão assim prescritas as dívidas tributárias de IVA relativas ao ano de 2002 no montante de € 99.664,03 que reverteram contra o recorrente.

    9. E, não se diga que deve aplicar-se ao caso em apreço a lei que entrou em vigor em 2005, pois que a sua aplicação viola o princípio da legalidade e as regras da aplicação da lei fiscal no tempo a que atrás nos referimos, fazendo aplicar retroactivamente uma lei que altera as garantias dos contribuintes, fazendo com que a sua aplicação não torne prescritas dívidas tributárias que o estavam à face da lei em vigor no momento da ocorrência dos factos tributários.

    10. A prescrição das dívidas tributárias é um elemento essencial dos impostos, enquadrando-se na “Garantia dos Contribuintes”.

    11. E, o n.° 2 do artigo 103.° da CRP, diz que: “Os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes”.

    12. Também quanto à aplicação das leis fiscais no tempo, determina o n.°1 do artigo 12.° da LGT e o n.° 3 do artigo 103.° da CRP, de que em direito fiscal vigora o princípio da não retroactividade das leis, ou seja as normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores a sua entrada em vigor.

    13. E isto aplica-se integralmente às normas tributárias que disciplinem juridicamente os elementos essenciais do imposto, referidos no n.º 2 do artigo 103.º da CRP, por força do princípio da Legalidade Tributária.

    14. Assim, sendo a prescrição das dívidas tributárias, uma das garantias dos contribuintes, é por consequência um elemento essencial dos impostos, como tal só passível de ser alterada por lei da Assembleia da República ou por Decreto-Lei do Governo no uso de autorização legislativa, tudo isto nos termos dos artigos 103.º n.º 2 e 165.º n.º 1 alínea i) da CRP e artigo 8.º da LGT.

    15. E, como elemento essencial que é, a sua aplicação só vigora para o futuro, ou seja, só se aplica a factos ocorridos posteriormente à sua entrada em vigor.

    16. Ora, aplicando estes normativos ao caso em apreço, verificamos estar em presença de dívidas tributárias de IVA, relativas ao ano de 2002.

      A

    17. E, por força do Princípio da Legalidade Tributária a lei reguladora do regime de prescrição da dívida tributária é a que vigorar à data da sua constituição.

      AB) Essa lei, como a que a altere, porque relativa às garantias dos contribuintes (elemento essencial dos impostos) está sujeita ao princípio da legalidade tributária de reserva de lei formal da Assembleia da República ou de Decreto-Lei emitido a coberto de autorização legislativa da mesma.

      AC) A prescrição das dívidas tributárias é um instituto jurídico que respeita às garantias dos contribuintes e como tal, está sujeita aos princípios constitucionais, da legalidade tributário (103.° n.° 2 e 165.º n.° 1 alínea i) do CRP), da tipicidade e da certeza e segurança jurídica (103.° n.° 3 da CRP).

      AD) Alberto Xavier, no Manual de Direito Fiscal I, págs, 192 e seguintes, diz que uma norma é retroactiva quando ela se refere na sua previsão a factos ocorridos anteriormente à sua entrada em vigor, tenham tais factos (de harmonia com a lei nova) o valor de factos tributários ou de factos impeditivos.

      AE) Assim, ao aplicar-se o regime jurídico da prescrição das dívidas estipulado pela Lei n.° 55-B/2004 de 30/12, no n.° 1 do artigo 48.° da LGT, cuja entrada em vigor ocorreu 01/01/2005, às dívidas tributárias do ano fiscal de 2002, está-se a aplicar a lei nova a factos anteriormente ocorridos à sua entrada em vigor.

      AF) Violando-se assim, o princípio da legalidade tributária e o princípio da certeza e segurança jurídica.

      AG) Uma vez que, quanto aos elementos essenciais dos impostos (artigo 103.° n.° 2 da CRP, taxas, incidência, garantias dos contribuintes e benefícios fiscais) aplica-se a lei tributária que vigorar à data da ocorrência dos facto tributários.

      AH) Consagrando-se assim o princípio da não retroactividade da lei fiscal previsto nos artigos 103.º n ° 3 da CRP e artigo 12.º da LGT, quanto aos elementos essenciais do imposto.

      AI) E este principio da não retroactividade da lei fiscal é aplicável ao Instituto Jurídico do conflito das leis fiscais no tempo.

      AJ) Assim, se uma situação concreta tiver estado em contacto com duas ou mais leis fiscais, e se estivermos no domínio do direito fiscal essencial (elementos essenciais do imposto), aplicar-se-á à situação concreta, a lei fiscal que vigorar ao tempo da ocorrência dos factos que essa mesma situação concreta contiver.

      AK) No nosso caso em apreço, estamos em presença de factos tributários ocorridos no ano fiscal de 2002.

      AL) Nesse mesmo ano, 2002, estava em vigor um regime jurídico que estatuía que a prescrição das dívidas tributárias no que concerne aos impostos de obrigação única se contava a partir da data da ocorrência do facto tributário.

      AM) Posteriormente, em 2005, surgiu um novo regime jurídico sobre a prescrição das dívidas tributárias que no tocante aos impostos de obrigação única veio estabelecer que a sua contagem se iniciava no início do ano civil seguinte ao da ocorrência dos factos tributários.

      AN) Veio por consequência estabelecer um regime jurídico diferente daquele que estava em vigor em 2002.

      AO) Assim, as dívidas tributárias relativas ao ano fiscal de 2002, estiveram em contacto com dois regimes jurídicos diferentes no que diz respeito à prescrição das mesmas.

      ...

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