Acórdão nº 660/08.4TBVLG.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 15 de Fevereiro de 2012

Magistrado ResponsávelMARIA CECÍLIA AGANTE
Data da Resolução15 de Fevereiro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Apelação 660/08.4TBVLG.P1 Acção ordinária 660/08.4TBVLG, 1º Juízo do Tribunal Judicial de Valongo Relatora: Cecília Agante Desembargadores Adjuntos: José Carvalho Rodrigues Pires Acórdão Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório B…, residente na …, …, …, Maia, intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra a herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de C…, representada pelos herdeiros D…, E…, F… e G…, esta de menoridade, representada por seu pai, H…, pedindo a declaração de nulidade do contrato de mútuo identificado na petição inicial e a condenação da ré a restituir-lhe a quantia de 83.897,82 euros, acrescida de juros, à taxa anual de 4%, desde a citação até efectivo pagamento e posteriores actualizações de acordo com o índice de preços a liquidar em execução de sentença.

Alegou que, em Setembro de 2001, emprestou a C… a quantia de 72.325,70 euros, com a obrigação desta lhe restituir igual montante até ao final de Abril de 2005. Contrato que, sendo verbal, é nulo por vício de forma e dá lugar à restituição da quantia entregue, actualizável em função do índice de preços ao consumidor. A mutuária faleceu e a sua herança ainda não foi partilhada entre os respectivos herdeiros.

Após citação, a demandada herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de C… veio negar que a autora tivesse entregue à falecida a quantia pecuniária em causa. Opôs que aquela quantia foi emprestada pela autora a I…, construtor civil, tendo a falecida C… prestado fiança, entregando, para o efeito, um cheque. Em Janeiro de 2002, o I… entregou à autora 1.500.000$00 e o cheque foi devolvido à falecida, que entregou o cheque junto com a petição inicial, relativo ao montante ainda em débito. Defendeu a improcedência da acção e que a restituição da quantia mutuada apenas pode ser exigida à herança ilíquida e indivisa depois de excutido o património do devedor principal.

A herdeira G… também contestou em versão factual idêntica, mas sustentou que a fiança é nula, por ser nula também a obrigação afiançada.

A autora replicou, aduzindo que a quantia mutuada foi de 16.000.000$00 (79.807,66 euros), mas que apenas reclama 72.325,70 euros, porque a C… lhe restituiu o montante de 7.481,97 euros. Esclareceu que empestou esta quantia à autora, sua sobrinha, para a mesma comprar uma casa de habitação ao referido I….

Procedeu-se ao saneamento do processe e realizou-se audiência de discussão e julgamento, com introdução de alterações ao despacho de selecção da matéria de facto em função de admissão de alteração de causa de pedir efectuada na réplica. Encerrados os debates, foi decidida a matéria de facto controvertida, sem reclamação.

Pronunciada a sentença, foi a acção julgada parcialmente procedente e, em consequência, declarada a nulidade de mútuo celebrado entre a autora, B…, e C…, condenados os réus D…, E…, F… e G…, na qualidade de herdeiros de C…, a restituírem à autora a quantia de 72.325,70 euros, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação e até efectiva e integral restituição, absolvendo-os do demais peticionado.

Inconformada, a demandada recorreu da sentença, assim rematando a sua alegação: A. Os recorrentes, com a devida vénia, discordam da douta sentença no que toca ao facto de ter sido dado por provado que a recorrida emprestou aquele montante à sua falecida mãe, bem como das consequências que são extraídas dessa conclusão, nomeadamente quanto à forma e regime de prova, desde logo por tais factos não corresponderem à verdade.

  1. Na verdade, a matéria de facto dada por provada não deveria ter sido.

  2. Antes, alguns dos quesitos dados por não provados, deveriam ter sido dados por provados, atenta a prova produzida.

  3. Daí que com o presente recurso se venham, ao abrigo do disposto no artigo 685-B do CPC impugnar a matéria de facto dada por provada.

  4. Tal como os recorrentes vêm defendendo, e conforme se julga ter ficado demonstrado na audiência de discussão e julgamento, a recorrida não emprestou qualquer montante à falecida C….

  5. Não se podendo ignorar que, nos termos do nº 1 do artigo 432º do Código Civil (C.C.) tal prova competia à recorrida, uma vez que as partes do contrato celebrado e declarado nulo são um dos elementos constitutivos do seu direito.

  6. Por outro lado, estabelece o nº 1 do artigo 393º do CC que “Se a declaração negocial, por disposição da lei ou estipulação das partes, houver de ser reduzida a escrito ou necessitar de ser provada por escrito, não é admitida prova testemunhal.” H. Sendo certo, que o artigo 1143º do CC estabelece que “(…) o contrato de mútuo de valor superior a 25.000,00 euros só é válido se for celebrado por escritura pública (…)”.

    I. Ora, a formalidade ad substantiam exigida quando o contrato de mútuo seja superior a determinado valor faz com que a sua existência, como a de todos os seus elementos, entre os quais a entrega do capital mutuado que, nestes negócios, é um elemento constitutivo dos mesmos, não possa ser feita por prova testemunhal.

  7. Conforme refere o Acórdão da Relação de Coimbra de 02-02-2000 (in BMJ 497º- 448) e que, com as devidas adaptações é aplicável a este caso, “o contrato de arrendamento não pode ser provado por testemunhas, dada a sua inadmissibilidade por força do artigo 393º, nº 1, do CC, sendo o documento exigido uma formalidade ad substantiam”.

  8. Ainda que se entenda de forma diversa, o que apenas se considera por hipótese de raciocínio e cautela de patrocínio, e que até se admita que a prova da entrega da quantia mutuada possa ser feita por prova testemunhal, há sempre que atender aos demais meios de prova utilizados na prova desta entrega, conforme abaixo se explicitará melhor.

    L. Dá o Tribunal a quo por provado os quesitos da base instrutória 1º, 3º e 3º-A.

  9. Tendo baseado tal julgamento na prova documental junta aos autos, uma vez que, como o próprio refere: “Das testemunhas inquiridas nenhuma assistiu ao negócio. Apenas tomaram dele conhecimento por intermédio da Autora ou da C…, o que fragiliza os depoimentos que prestaram, seja no sentido da primeira das teses (…), seja no sentido da segunda. Deste modo, assumiram relevo os documentos, os quais apontam no sentido de os factos terem acontecido como relatou a Autora”.

  10. Porém, e no que a este quesito respeita, a prova documental é clara, como atrás se explana. A autora, aqui recorrida, emitiu um cheque no valor de 16.000.000$00 – o contra-valor em euros de 79.807,66 euros – a favor de I… e não a favor de C….

  11. Todos os outros factos, nomeadamente que o cheque foi emitido a pedido da mãe dos recorrentes, que esta o entregou ao I…, e muito menos que este o depositou na conta por si titulada, não resulta seguramente da documentação junta e muito menos, conforme constata o Tribunal a quo, da prova testemunhal produzida.

  12. Não se percebe sequer, como pode ser dado por provado que o Sr. I… recebeu tal quantia, ou mesmo, que a recorrida tivesse ficado sem esse dinheiro na conta, apenas existindo nos autos um cheque, emitido a favor de I…. Não se vislumbrando igualmente, como pode constar daquele despacho acima referido que não foi a autora aqui recorrente que assinou o mesmo, quando, a própria não põe em causa em nenhuma das suas peças processuais ou requerimentos apresentados, que tenha passado o cheque constante dos autos.

  13. Porém, para tornear tais evidências, refere a douta sentença que aqui se recorre que “não se vislumbra razão para C… se constituir fiadora do referido I…”.

  14. Adiante, refere a douta sentença que, “Resulta daqui que a restituição parcial foi feita pela C… e não pelo I…, como seria normal que acontecesse, caso fosse este o “devedor principal”. Surgiu-nos, assim, como provável, à luz das regras do normal agir, que esse pagamento tivesse sido feito pela C… por ter sido ela – e não o I… – quem pediu os 16.000.000$00 emprestados à Autora”.

  15. Ou seja, atendendo à existência de um cheque emitido pela mãe dos recorrentes a favor da recorrida, entende o Tribunal a quo que o mútuo foi celebrado entre a recorrida e a D….

  16. Já não valorando, pelo menos de forma idêntica, a existência de um cheque, no valor de 16.000.000$00 emitido pela recorrida a favor de I…. Para o mesmo tipo de documento, conclui a douta sentença de que aqui se recorre de duas formas diversas. Uma vez, ignorando o facto do cheque ter sido emitido a favor de I…. De outra vez, concluindo que a entrega de um cheque por C… à recorrida era sintomático de ter sido àquela que havia sido realizado o empréstimo.

  17. Tudo o resto ultrapassa o que na audiência de julgamento ficou dito por estas testemunhas, não podendo o tribunal a quo estender com tal amplitude aquilo que as testemunhas disseram ou o que os documentos revelam.

    V. Aliás, muito se estranha que tenha sido dado por provado este quesito primeiro, nomeadamente a solicitação da mãe dos recorrentes à recorrida e a entrega do cheque a esta, mas já não se tenha provado o quesito segundo da base instrutória relativo à data de tal acontecimento.

  18. Já quanto ao terceiro quesito, desde já se reiterando o que acima vai dito quanto aos restantes quesitos da base instrutória já analisados, nomeadamente, porque, dos autos, nada resulta quanto à matéria aqui dada por provada.

    X. De facto, conforme se referiu, se apenas foram valorados os documentos, em nada se pode concluir, pela existência desse comprometimento de C… no pagamento do que fosse à recorrida.

  19. Muito menos, se pode concluir que, se se comprometeu com o mesmo, “deverá ter sido” a título de devedora principal, quando, nos autos, nada indica tal facto.

    Por outro lado, Z. Todos os quesitos referidos em epígrafe foram dados por não provados, em consequência aliás, dos quesitos anteriormente referidos terem sido dados por provados.

    AA. Facto que não se compreende nem se pode aceitar.

    BB. Devendo, assim, ter sido dado por provados os quesitos 4º, 5º, 6º, 8º e 9º.

    CC. Por via disso, devia ter sido proferida decisão diferente, no sentido de absolvição réus, o que por esta via se...

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