Acórdão nº 658/08.2TAEVR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 07 de Fevereiro de 2012

Magistrado ResponsávelSÉNIO ALVES
Data da Resolução07 de Fevereiro de 2012
EmissorTribunal da Relação de Évora

ACORDAM OS JUÍZES QUE COMPÕEM A SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA: I. No processo comum singular que, com o nº 658/08.2TAEVR, corre termos no 2º Juízo Criminal de Évora, o arguido JM, com os demais sinais dos autos, foi julgado pela prática de um crime de abuso de confiança qualificado, p.p. pelos artºs 205º, nºs 1 e 4, al. b) e 202º, al. b), ambos do Código Penal, na pena de 14 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sob regime de prova. Julgada procedente a “excepção dilatória inominada de falta de interesse em agir”, no que aos danos de natureza patrimonial diz respeito, o arguido foi absolvido da instância cível; de outro lado, foi julgado improcedente, por não provado, o mesmo pedido cível, no restante e, consequentemente, condenada a demandante (e assistente) nas custas respectivas.

Inconformada com tal decisão, recorreu a assistente P., SA, extraindo da sua motivação as seguintes conclusões (transcritas): «

  1. O facto 6.º dos Factos Provados foi incorrectamente julgado pelo tribunal a quo, porque a resposta não é compatível com os documentos juntos aos autos. Isto é, o tribunal a quo incorreu em erro notório na apreciação da prova (art.º 410º, n.º 2, al.ª c), do CPP), porque entrou em contradição entre a decisão proferida e a prova produzida (facto 6.º dos factos considerados provados); B) Face ao exposto, deve o Tribunal ad quem reapreciar a prova e, em conformidade, julgar inequivocamente que a resposta deveria ter sido outra, considerando que o Arguido acordou o pagamento com a Recorrente (o que, aliás, confessou em juízo), mas não fez chegar tais documentos assinados à Recorrente (o que deveria ter sido considerado na medida da pena); C) O artigo 71.º do Código do Processo Penal consagra o princípio da adesão da acção cível à acção penal, pelo que o direito à indemnização por perdas e danos decorrentes do ilícito criminal deve ser exercido no próprio processo penal, nele se enxertando o pedido de indemnização civil; D) Contrariamente ao entendimento do tribunal a quo, a Recorrente não é possuidora de título executivo, já que os documentos juntos aos autos não obedecem aos requisitos do artigo 46.º, n.º 1, alínea c), do Código do Processo Civil (que assim foi violado); E) No entanto, não se encontrando a situação dos presentes autos nas excepções do princípio da adesão obrigatória do pedido de indemnização civil (artigos 71.º e 72.º do Código do Processo Penal), tem a Recorrente a possibilidade de recorrer a todos os mecanismos que a Lei permite com vista à cobrança do crédito, nomeadamente, deduzir pedido de indemnização civil, pelo que a Recorrente tem interesse em agir, o que significa que o tribunal a quo deveria ter apreciado o pedido de indemnização civil formulado nos autos, tendo, assim, sido violado o artigo 26.º do Código do Processo Civil; F) Assim, considerando os factos provados, pelos quais o Arguido foi condenado, é evidente que a conduta ilícita – apropriação de € 33.463,23 – é causa directa e necessária dos danos e prejuízos causados à Recorrente, pelo que tal conduta preenche os requisitos que constituem o Arguido na obrigação de indemnizar (nos termos previstos nos artigos 483.º, 563.º, n.º 1, 564.º, n.ºs 1 e 2, e 566.º, todos do Código Civil). Não tendo o tribunal a quo condenado o Arguido no pagamento da quantia subtraída, violou as normas referidas; G) A pena de prisão – suspensa na execução – não irá realizar de forma adequada as finalidades da punição, já que sem condições (nomeadamente condicionada ao pagamento da indemnização) não é suficientemente dissuasora de reiterações criminosas, nem fará com que o Arguido interiorize a gravidade da sua conduta (prevenção especial); H) O Arguido deveria ter sido condenado numa pena de prisão, suspensa na execução pelo mesmo período, sob condição de proceder ao pagamento à Recorrente do valor de € 24.800,12 (quantia ainda em dívida) e respectivos juros I) Caso o Arguido não seja condenado a pagar a quantia à Recorrente, como condição de não cumprir pena de prisão efectiva, as consequências do acto criminoso não existem, sendo o Arguido compensado pelos factos ilícitos (o que é violador dos fins das penas).

São pois termos em que se espera que o Tribunal ad quem, revogue a douta decisão recorrida, substituindo-a por outra que condene o Arguido numa pena de prisão, suspensa nos efeitos condicionada ao pagamento da quantia de € 24.800,12 (quantia ainda em dívida) e respectivos juros, bem como na procedência do pedido de indemnização civil, com quanto exposto vai, porque apenas assim se cumprirá a Lei, realizando-se o Direito e fazendo-se a desejada JUSTIÇA!».

Responderam o Digno Magistrado do MºPº e o arguido, ambos pugnando pela improcedência do recurso, mas apenas o primeiro extraindo da sua resposta as respectivas conclusões (de seguida igualmente transcritas): «1ª- O acórdão recorrido não incorreu em erro de julgamento da matéria de facto, designadamente não incorreu no vício a que alude o artº 410º, nº2-c) do CPP, de erro notório na apreciação da prova.

  1. - O acórdão recorrido não se mostra ferido de erro de julgamento no tocante à matéria de direito, por ter decretado a suspensão da execução da pena sem subordinação ao pagamento de um quantum indemnizatório a favor da assistente.

Julgando o recurso improcedente, V. Exas, farão a costumada Justiça!!» A assistente respondeu às respostas (!), de forma anómala (porquanto se trata de peça sem qualquer enquadramento legal); e a secção de processos entendeu por bem abrir vista ao Magistrado do MºPº mas, aparentemente, não viu necessidade de abrir conclusão ao Juiz, que é quem tem (ao menos por ora) a direcção do processo.

  1. Nesta Relação, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer, restrito à questão criminal e, nessa parte, pugnando pela procedência do recurso. Cumprido o disposto no artº 417º, nº 2 do CPP, não houve respostas.

    Realizado exame preliminar e colhidos os vistos, cumpre decidir.

    Sabido que são as conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação que delimitam o âmbito do recurso - artºs 403º e 412º, nº 1 do CPP [1] - cumpre dizer que em discussão nos presentes autos está o saber: a) enferma a decisão recorrida de erro notório na apreciação da prova? b) o pedido cível deduzido pela demandante deveria ter sido conhecido em toda a sua plenitude, por ter aquela interesse em agir? c) a suspensão da execução da pena de prisão deve ser subordinada ao pagamento à assistente da quantia em que ficou lesada? O tribunal recorrido considerou provada a seguinte factualidade: 1- No dia 01.03.2002, o arguido assinou um contrato de trabalho a termo certo, com a sociedade P. S.A., através do qual passou a desempenhar as funções inerentes à categoria profissional de operador de posto de abastecimento.

    2- Até 20.09.2006, o arguido prestou esse trabalho no posto de abastecimento de combustíveis localizado em Évora, junto do Mercado Abastecedor, explorado sobre a denominação "AVIA".

    3- Entre outras tarefas, cabia-lhe proceder à venda de combustíveis e produtos similares, receber o preço dos bens vendidos e serviços prestados, verificar as contas e passar recibos e bilhetes.

    4- De acordo com as ordens e instruções da entidade empregadora, o arguido devia registar os pagamentos das vendas no sistema informático instalado no posto e no dia ou dias seguintes, depositar os valores recebidos na conta que aquela entidade detinha no "Millenium", com o n.º 214550615, bem como informar esta sociedade, através da entrega de um modelo estabelecido, dos montantes recebidos e lançados na folha de caixa e do seu depósito bancário.

    5- Durante o mês de Maio de 2006, o arguido, na esperança de que os serviços administrativos da sociedade em causa não detectassem as divergências de valores, foi-se apoderando, sucessivamente, de parte das quantias pecuniárias que recebeu dos seus clientes do posto de abastecimento, não procedendo ao respectivo depósito na conta bancária da sua entidade empregadora, embora as tenha lançado na folha de caixa, num total de € 33.799,54 (trinta e três mil setecentos e noventa e nove euros e cinquenta e quatro cêntimos).

    6- Depois de ter percebido que a sua actuação fora descoberta, o arguido assinou uma declaração, fazendo cessar o contrato de trabalho, e uma confissão e assunção de dívida, bem como um acordo em que se compromete a pagar, em certo calendário, com termo em 01 de Outubro de 2008, o referido valor e juros no montante de € 3,741,10 (três mil setecentos e quarenta e um euros e dez cêntimos).

    7- O arguido apenas pagou € 8.999,42 (oito mil novecentos e noventa e nove euros e quarenta e dois cêntimos).

    8- Sabia que, na qualidade de funcionário operador de um posto de abastecimento de combustíveis, recebia quantias monetárias correspondentes ao preço dos bens e serviços vendidos e prestados pela sua entidade empregadora, em cuja conta bancária as devia depositar, nos dias imediatamente seguintes, apoderando-se de parte delas em seu benefício, sem razão que o justificasse, e causando um prejuízo à mesma entidade, igual aos montantes apropriados.

    9- Agiu deliberada, livre e conscientemente, sabendo a sua conduta proibida e punida por lei.

    10- O arguido confessou a sua apurada conduta, mostrando-se arrependido.

    11- À data dos factos, o arguido passava por graves dificuldades financeiras, com despesas acrescidas pela morte do seu pai, às quais tentou fazer face recorrendo a um empréstimo bancário.

    12- Actualmente, o arguido trabalha como vigilante, auferindo salário mensal de cerca de € 600,00 (seiscentos euros); tem um irmão de 15 anos a seu cargo; não tem filhos; paga € 60,00 (sessenta euros) de renda de casa: concluiu o 8.

    0 ano de escolaridade; não possui antecedentes criminais.

    13- A demandante assegurou nos autos o pagamento da taxa de justiça devida pela sua constituição como assistente.

    E quanto à factualidade não apurada, assim se decidiu no tribunal recorrido: «Com relevo para a decisão a proferir...

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