Acórdão nº 6704/09.5TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 31 de Janeiro de 2012

Magistrado ResponsávelPAULO DE SÁ
Data da Resolução31 de Janeiro de 2012
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I – CONDOMÍNIO DO PRÉDIO SITO NA AVENIDA AA Nº ..., LISBOA, representado pelo seu administrador, intentou, na 2.ª Vara Cível de Lisboa, contra BB, acção declarativa de condenação, com processo comum, sob a forma ordinária, através da qual pede que a ré seja condenada a restituir a casa da porteira, sita no referido prédio, à autora, livre e devoluto de pessoas e bens.

Para tanto alega, sumariamente: O prédio descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o n.º ---------, do Livro B-..., ficha ..., é composto por 22 (vinte e duas) fracções autónomas e partes comuns.

O condomínio autor está devidamente representado pelo seu administrador, nomeado em Assembleia-Geral de Condóminos.

Das partes comuns do prédio faz parte a casa de porteira, conforme escritura da constituição de propriedade horizontal.

Em 01 de Outubro de 2000, foi assinado entre a administração do condomínio e a ré, um contrato de trabalho que as partes denominaram de contrato de prestação de serviços.

Na Cláusula Sexta do já referido contrato de trabalho, era facultado à ré, enquanto exercesse as funções de porteira, o direito de utilizar, para sua habitação própria, em conjunto com o seu agregado familiar, a habitação que para esse efeito existia – casa de porteira.

Em 01.06.2001, a ré deixou, por sua própria iniciativa, de prestar os serviços a que estava obrigada por vínculo contratual.

Depois de contactos da administração do condomínio com a ré, a fim de se inteirar dos motivos que levaram a mesma a deixar de prestar serviços ao autor, esta não deu qualquer justificação.

Deixou a ré de estar inserida na estrutura do beneficiário da actividade, ou seja, do autor.

Não mais foi paga à ré a retribuição em função do tempo despendido na execução da sua actividade.

Deixaram de ser fornecidos à ré, os instrumentos de trabalho, pelo autor.

No entanto, a ré manteve o uso da casa da porteira, como sua habitação permanente, recebendo ali a sua correspondência, tomando ali as refeições e recebendo a visita de amigos e familiares.

A ré ocupa a casa de porteira, ocupação essa sem qualquer título que a justifique.

Aí se mantendo, contra a vontade do autor, apesar das variadas interpelações feitas pela administração do condomínio, no sentido de a Ré entregar a casa de porteira, que vem ocupando ilegitimamente, livre de pessoas e coisas.

Esta situação, tem sido tolerada pelo condomínio autor, por questões humanitárias, mas que, dado o prolongar da mesma, tornou-se intolerável.

Com a sua actuação a ré causa um prejuízo ao autor, quantificável, mas não quantificado, pois enquanto se mantiver a ocupação da casa de porteira, não pode a administração do condomínio, contratar os serviços de outro/a profissional.

Citada, a ré apresentou contestação, mas fora do prazo legal, pelo que foi ordenado o seu desentranhamento, por extemporânea, e proferido despacho nos termos do qual se consideraram confessados os factos articulados pelo autor.

As partes apresentaram alegações de direito.

O Tribunal a quo proferiu decisão, condenando a ré a entregar ao autor o imóvel, sito na Avenida M... n.º ..., correspondente à habitação da porteira, livre de pessoas e bens.

Dessa sentença, inconformada, apelou a Ré, com êxito, uma vez que a Relação, revogou a decisão recorrida, substituindo-se por outra a julgar improcedente a acção, absolvendo-se a ré do pedido formulado pelo condomínio autor.

È agora a vez do Condomínio Autor se não conformar, interpondo recurso de revista, recurso que foi admitido.

O A. apresentou as suas alegações, formulando as seguintes conclusões: 1. Há contradição insanável entre a matéria de facto assente e a fundamentação do douto acórdão em apreço, com a consequente má interpretação e aplicação da lei, nomeadamente do art.° 1311° do Código Civil, porque foi reconhecido o direito de propriedade ao A. e recusada indevidamente a restituição do bem imóvel.

  1. Nos termos dos factos alegados pelo Condomínio/Autor e dados como assentes por revelia da Ré, na Clausula Sexta do contrato de trabalho, era facultado à Ré enquanto exercesse as funções de porteira, o direito de utilizar, para sua habitação própria, em conjunto com o seu agregado familiar, a habitação que para esse efeito existia – casa da porteira (art.° 5 da petição inicial/matéria assente), e em 01.06.2001 a ré deixou, por sua iniciativa, de prestar os serviços a que estava obrigada por vinculo contratual (art.° 6 da petição inicial/matéria assente) 3. Por outro lado, o Tribunal da Relação considera que "o contrato de trabalho está em vigor e manter-se-á o direito consagrado na cláusula 6ª do contrato de porteira de a Ré utilizar para sua habitação própria, em conjunto com o seu agregado familiar, direito esse adveniente da manutenção do vínculo laboral e vinculista acordado com o condomínio, que ainda não cessou", (fls. 10 do douto acórdão) quando pondera sobre a questão de saber se estão verificados os requisitos de procedência a acção para restituição da coisa enquanto objecto final da acção de reivindicação (a fls. 5 do douto acórdão), e considera que deve ponderar acerca das formas de cessação de tal contrato. (a fls. 9 do douto acórdão).

  2. A remuneração da porteira é composta por uma parte em dinheiro e outra no direito de habitar.

  3. A posse da casa da porteira está compreendida como parte integrante da remuneração do exercício de sua actividade profissional.

  4. Tendo o contrato cessado em 01/06/2001, quando a Ré deixou, por sua própria iniciativa, de prestar os serviços a que estava obrigada por vínculo contratual, cessou nessa mesma data o direito de habitar tal casa da porteira.

  5. Não tem o tribunal ad quem de ponderar factos que se encontram assentes, e que não foram impugnados pela Ré, em sede de primeira instância.

  6. Os recursos ordinários visam a reapreciação da decisão proferida dentro dos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento da prolação dessa decisão.

  7. Não se revela lícito só suscitar em via de recurso questão não deduzida, sequer, na contestação.

  8. Isso significa que, em regra, o tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada na instância recorrida.

  9. Foi assim violado o art.° 1311° do Código Civil, porque foi reconhecida o direito de propriedade ao A. e recusado a restituição do bem imóvel, sem caso previsto na lei, devendo ser restituído ao condomínio a posse da casa da porteira.

    Houve contralegações, nas quais se defendeu a bondade do decidido.

    A Ré recorreu, também, subordinadamente, mas o seu recurso não foi admitido.

    Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

    II – Nas instâncias foi dada como provada a seguinte factualidade: 1. O prédio descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o n.º --------- do Livro B-..., ficha ..., é composto por 22 (vinte e duas) fracções autónomas e partes comuns.

  10. O condomínio autor está devidamente representado pelo seu administrador nomeado em Assembleia-Geral de Condóminos.

  11. Das partes comuns do prédio faz parte a casa de porteira.

  12. Em 01 de Outubro de 2000, foi assinado entre a administração do condomínio e a ré, um contrato de trabalho que as partes denominaram contrato de prestação de serviços.

  13. Na cláusula sexta do já referido contrato de trabalho, era facultado à ré, enquanto exercesse as funções de porteira, o direito de utilizar, para sua habitação própria, em conjunto com o seu agregado familiar...

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