Acórdão nº 1982/10.0TBSCR.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 26 de Janeiro de 2012

Magistrado ResponsávelPEDRO MARTINS
Data da Resolução26 de Janeiro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados: “A” e mulher “B” (= autores), intentaram, em 23/12/2010, a presente acção contra “C” (= réu) e mulher “D” (= ré), e o Banco “E” SA (= “E”), pedindo que se declare revogada a doação feita pelos autores ao réu titulada na escritura notarial exarada a 28/11/1996, de fls. 14 a 15v do Livro ... do 1º Cartório Notarial (= CN) do ..., do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial (= CRP) de ... sob o nº ...-... (hoje ...-..., por extractação daquela descrição), cancelando-se a inscrição G-2 - ap. 09/... e todas e quaisquer outras inscrições consequentes na dita CRP, que derivem do cancelamento da inscrição da doação inicial e se condenem os réus a entregar imediatamente aos autores o imóvel doado.

Invocaram, para tanto, que em 1996 fizeram ao réu, seu filho e à data solteiro, doação de um prédio com 4550 m2; este destacou deste prédio um outro, com 600 m2 e vendeu metade deste à ré “D”; em 1999, já casados um com o outro, o réu e a mulher doaram aos autores o remanescente do prédio de 4550 m2; em 02/10/2005 o réu ofendeu a inte-gridade física do autor, tendo sido condenado com trânsito a 23/09/2010; com fundamento neste facto e no disposto nos arts. 970, 974, 976 e 2166 do Código Civil (= CC) e 143 do Código Penal (= CP), os autores querem revogar a doação feita em 1996. A acção é dirigida também contra o “E” porque sobre o prédio de 600 m2 está constituída uma hipoteca a favor do “E” e, segundo os autores, a anulação (sic) da doação arrasta, necessaria-mente, a revogação dos actos subsequentes: a venda, hipoteca e doação feita pelos réus.

Os réus “C” e “D” contestaram, impugnando parte dos factos alegados pelos autores, e excepcionando (embora sem tal qualificação) com (a) o facto de a doação em causa ser uma doação para casamento, pelo que seria insusceptível de revogação (art. 975º do CC); (b) com os antecedentes da agressão, dizendo que desde 2001/2002 são vítimas dos “maus fígados” do autor; e (c) com a impossibilidade física da restituição do bem doado, por nele ter sido construída a casa dos réus e acessos para a mesma. Concluem pela improcedência da acção.

O “E” também contestou, impugnando, quer contradizendo par-te dos factos – por desconhecimento – quer afirmando que os factos articu-lados não podiam produzir o efeito pretendido pelos autores: a revogação é um acto livre, discricionário e não retroactivo de extinção das situações jurídicas, a qual opera apenas para o futuro (a partir da data da proposição da acção (art. 978º/1 do CC), não afectando terceiros que hajam adquirido, anteriormente à demanda, direitos reais sobre os bens doados, sem prejuízo das regras relativas ao registo (art. 979º do CC), o que significa que os direitos reais que tenham sido constituídos por terceiro anteriormente à propositura da acção de revogação da doação e que se mostrem devidamente registados antes do registo da acção, como é o caso da referida hipoteca a favor do “E”, têm que ser respeitados pelo doador. Assim, no caso de ser declarada a revogação da doação, os doadores, para reaverem o bem doado sobre o qual incide a referida hipoteca, têm que proceder previamente à expurgação desta, por tal regime lhes ser legalmente aplicável (cfr. arts. 721 e 722º do CC). Assim, o peticionado pelos autores é contraditório e improcedente em face da respectiva causa de pedir, posto que, em face desta, a doação não é anulada, mas sim objecto de revogação, nem esta arrasta a revogação dos actos subsequentes validamente registados, e concretamente a hipoteca em causa, nem o cancelamento da todas e quaisquer inscrições e muito menos ainda implica a imediata entrega do imóvel doado; e excepcionando com a usucapião (art. 1294/1 do CC) do prédio dos 600 m2 pelos outros réus, por estes o virem possuindo como donos, com título registado e de boa fé, pelo menos desde 02/12/1997 (há, por isso, mais de 10 anos), bem como com a acessão industrial imobiliária (art. 1340 do CC), pois que a moradia que os outros réus construíram nesse prédio vale muito mais que este e os réus a construíram de boa fé, porque autorizados pelos autores, e com ela modificaram, quase totalmente, o destino económico do conjunto em causa, tornando inclusivamente, na prática, impossível o cumprimento do princípio de que a coisa doada deve ser restituída no estado em que se encontrava ao tempo da aceitação, excepções que entende poder invocar em defesa dos seus legítimos interesses, nos termos do disposto nos art. 1287º e seguintes e 1316º e seguintes do CC, e ao abrigo do disposto no art. 26º, nºs 1 e 2, segundas partes, do CPC; conclui pela improcedência da acção, por inviabilidade ou devido à procedência das excepções deduzidas.

Os autores replicaram, impugnando; quanto à primeira excepção deduzida pelos réus, lembram que as doações para casamento só podem ser feitas na convenção antenupcial, nos termos do art. 1756º/1 do CC e que a inobservância deste requisito de forma leva à inaplicabilidade do regime especial das doações para casamento (n.º 2 do mesmo art.) Ora, a doação em causa não foi feita em convenção antenupcial; quanto à impossibilidade da restituição, os autores dizem que os donatários (sic) não alienaram (sic) o prédio doado, nem há nada que impeça a restituição em espécie do prédio, que ainda se encontra na titularidade do donatário (sic); o prédio doado pode ser restituído no estado em que se encontra, até porque a construção não está paga e os autores, quando receberem o prédio terão de proceder à expurgação da hipoteca que sobre ele existe; sendo certo que a hipoteca está registada pelo valor de 67.686,87€; o que quer dizer que, na hipótese de se considerar que a restituição não é possível, então os réus donatários (sic) terão de entregar aos autores o valor do prédio na data em que procederam à construção da casa e o hipotecaram; ora, entendem os autores que a parcela de 600 m2 do prédio doado, tinha à data dessa construção, finais de 1998, o valor de 70.000€; pelo que, formulam um pedido subsidiário: não sendo possível aos réus “C” e “D” a entrega em espécie do imóvel doado, então que sejam os mesmos condenados a pagar aos autores 70.000€; excepcionam, depois, a ilegitimidade do “E” para invocar a usucapião: a hipoteca não seria um direito real; a expurgação seria um direito dos doadores e não um dever dos mesmos; o “E” não se poderia sub-rogar aos donatários porque tal sub-rogação não seria essencial à satisfação do seu direito e de resto o direito de crédito do “E” ainda não se tinha vencido; a faculdade de invocar a usucapião – como de resto também a acessão industrial imobiliária - pertence aos possuidores e não a um credor; excepciona, ainda, a interrupção do prazo de usucapião: a queixa-crime – que ocorreu a 18/10/2005 (segundo documento que junta) - pelo facto que deu origem à condenação do réu serviria de causa de interrupção do prazo de usucapião (arts. 323 e 1292, ambos do CC), pois que exprime, indirectamente, a intenção do autor exercer o direito de revogação; ora, o réu foi constituído arguido em Outubro de 2005, “termos em que tomou conhecimento da intenção dos autores” (sic); e impugna a possibilidade da usucapião, no caso, pois que tal equivaleria a estabelecer uma limitação temporal ao exercício do direito da revogação, o que não pode ser pois que esta apenas está sujeita à caducidade prevista no art. 976º/1 do CC; acresce que o título da aquisição foi uma doação, pelo que a revogação teria que estar sujeita ao regime das doações; conclui pela improcedência das excepções.

Os réus “C” e “D” treplicaram, para impugnar o valor atribuído ao terreno (no pedido subsidiário) e que ele devesse ser calculado reportado à data de 1998, devendo ser antes reportado à data da doação: 1996.

No despacho saneador considerou-se possível conhecer desde logo do pedido formulado pelos autores, pelo que foi proferida sentença, onde, depois de se darem como assentes alguns factos (que serão referidos abaixo), se julgou a acção improcedente e se absolveram os réus do pedido. A fundamentação para tal foi a seguinte [a numeração dos §§ foi coloca-da agora, para referenciação posterior mais simples]: §1 “A matéria da usucapião invocada pelo “E” não foi impugnada pelos autores na sua réplica, daí ter sido dada como assente. Ao invés de impugnarem tal matéria, aqueles limitaram-se a invocar a ilegitimidade desta instituição financeira para invocar tal excepção peremptória.

§2 Mas, sem razão, no nosso entender. Com efeito, detendo o “E” uma garantia sobre a parcela de terreno objecto destes autos - consubstanciada numa hipoteca - para pagamento de um empréstimo concedido aos réus, que pode ser afectada com a declaração de nulidade da doação feita a favor dos réus, e necessitando de preservar tal garantia, teremos necessariamente de reconhecer à referida instituição legitimidade para invocar a usucapião a favor dos réus, que […] não o fizeram. Na verdade, o art. 1292º do CC manda aplicar a este modo de aquisição dos direitos reais de gozo a regra do art. 305º do CC, sobre o instituto prescricional, onde se estabelece que a prescrição é invocável por terceiros com legítimo interesse na sua declaração (cfr. ac. do STJ de 09/12/2008 (08A3580 [da base de dados do...

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