Acórdão nº 0450/09 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 26 de Janeiro de 2012
Magistrado Responsável | ADÉRITO SANTOS |
Data da Resolução | 26 de Janeiro de 2012 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam, na Secção do Contencioso Administrativo, do Supremo Tribunal Administrativo: 1.
A……, melhor identificada nos autos, veio intentar a presente acção administrativa especial, para anulação da decisão do Procurador Geral da República, de 19.12.2008, que lhe aplicou a pena disciplinar de demissão, com fundamento em (i) incompetência do autor desse acto, (ii) prescrição do procedimento disciplinar, (iii) violação do direito de audiência e defesa (v) violação do art. 55, nº 1, do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central Regional e Local (ED84), aprovado pelo DL 24/84, de 16.1, (iv) falta de fundamentação e (vii) erro nos pressupostos de facto.
O Réu Procurador Geral da República contestou, defendendo que o acto impugnado não padece de qualquer vício.
A Autora apresentou alegações finais, com as seguintes conclusões: 1. Acontece, todavia, que a simples leitura atenta dos recortes de notícias na imprensa entre 7/4/2004 e 13/4/2004, as quais constam de fls. 22 a 54 destes autos, permite invocar a prescrição do procedimento disciplinar – a do nº 2 do art.º 4º do Estatuto Disciplinar – também para outros ilícitos disciplinares imputados.
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Na verdade, deles se extrai também que, pelo menos em 6/4/2004, data do início destes autos de processo disciplinar, o órgão máximo do serviço, Sua Excelência Procurador Geral da República, tomou conhecimento documental da existência de dívidas substanciais resultantes de empréstimos contraídos pela Autora e não pagos, quer junto dos Bancos quer de particulares, sem que tenha instaurado processo disciplinar! 3. Nomeadamente, as notícias de fls. 31 (Correio da Manhã) e fls. 32, 33 e 34 (Expresso).
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Com efeito, ali até vêm referidos os Bancos Credores, Banco Pinto e Sotto Mayor, BCP e BES, para além de credores particulares B…… 5. Ora, o processo disciplinar referente a estes empréstimos contraídos pela Autora e não pagos, só foi instaurado em 11 de Agosto de 2005 (proc. 01/05-GS entretanto apensado ao 01/04- GS) 6. Por conseguinte, permitimo-nos concluir que o procedimento disciplinar por estes factos se achava prescrito por efeito da curta duração de 3 meses, a que se refere a disposição legal atrás citada.
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Com efeito, os documentos de fls. 22 a 54 destes próprios autos provam o conhecimento muito anterior a decisão da instauração.
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Consequentemente, importa declarar a prescrição do procedimento disciplinar relativamente aos seguintes pontos da Decisão Final que ora se impugna. Assim: a) Banco Pinto e Sotto Mayor, pontos 1 a 116 b) Banco Comercial Português e Banco de Investimento Imobiliário, pontos 1 a 85, 117 a 154 e 258 a 304 c) Banco Mello Imobiliário, pontos 1 a 85, 155 a 176 d) Banco Português de Negócios pontos 1 a 85, 177 a 229 e) Banco Espírito Santo, pontos 1 a 85, 230 a 257 f) B……, pontos 1 a 85, 305, 340 a 371.
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Por outro lado, os empréstimos contraídos pela Autora junto de Instituições financeiras e particulares já eram, também conhecidos pelos órgãos superiores da Procuradoria Geral da República, Drs. C……, Dr. D……, Dr. E……, e Dr. F…… 10. Conhecimento muito anterior (vários anos) a data da instauração do procedimento disciplinar.
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Por exemplo foi o Sr. Dr. E…… quem descobriu no Jornal Diário de Noticias de ……. o edital que, para venda de um imóvel do Campo Grande, dá conta da falência da Autora (este último documento, recorte do Jornal – acha-se copiado a fls. 397 do processo disciplinar 07/04-GS apenso a 01/04-GS).
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A Autora foi por diversas vezes interpelada pelo Sr. Procurador Geral da República, Dr. E……, quanto a existência destas dívidas, tendo este, no entanto, decidido não instaurar procedimento disciplinar por considerar os factos dentro da esfera pessoal da Autora, optando pela “redistribuição das tarefas e posteriormente pela cessação da comissão de serviço (em Dezembro de 1999) e no regresso da Dra. A…… as suas funções de origem, bem como no reforço da vigilância dos serviços”. (doc. 1 – cópia do depoimento de fls. 14.706 do processo criminal e junto ao processo disciplinar, em certidão, no Anexo IV Vol. II, fls. 285-A) 13. Isto é, os órgãos superiores da P.G.R. tinham conhecimento das dívidas da Autora mas decidiram não as considerar como faltas disciplinares.
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Só quando essas dívidas são publicitadas pelos órgãos de comunicação social é que se "descobre" que as mesmas constituem infracções disciplinares.
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Chama-se a isto, “andar a reboque” da comunicação social, a qual crucificou em “Tribunal popular” a Autora, fazendo surgir a necessidade para a P.G.R. de a transformar em bode expiatório.
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Acresce que as parangonas da comunicação social associam, caluniosamente como se verificou a seguir, a Autora aos crimes da funcionária G……. Todavia, a P.G.R. nunca se preocupou em repor a verdade publicamente.
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Neste contexto, impunha-se a P.G.R. o ostracismo da Autora, como saída mais fácil do escândalo.
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Tal preconceito, reiterado a cada passo, impera em todas as promoções processuais da P.G.R. e está bem visível na contestação da P.G.R. na presente acção administrativo especial.
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Na verdade, chega-se ao extremo de, apesar de ter tornado conhecimento da absolvição da Autora no processo-crime 14217 pelo Tribunal da Relação, quanto a maior parte dos crimes inicialmente imputados (incluindo a pena acessória de não exercício das funções públicas), a P.G.R. ainda mantém a qualificação jurídica de todos os factos como ilícitos disciplinares.
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Argumentou a Ré com a autonomia dos factos disciplinares face aos disciplinares.
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Isto é, agora já há autonomia!!! 22. Esquece contudo a Ré que a quase totalidade deste processo disciplinar é constituída por certidão do processo-crime.
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Aliás, a intenção de conseguir o ostracismo da Autora resulta bem evidenciado quer no processo-crime quer nestes autos, por parte da P.G.R.
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Em todos estes processos são juntos recortes de imprensa escrita que noticiam muitos factos que a P.G.R. sabe bem que são caluniosos, tais como a inclusão da Autora num “gang” da P.G.R. e a imputação que ali lhe é feita de corrupção no caso …… 25. Acresce que a aplicação da pena de demissão à Autora não significa a punição serena e desapaixonada de um funcionário, mas sim a intenção de limpar a IMAGEM e o PRESTÍGIO da P.G.R.
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Na pendência destes autos a Autora instaurou providência cautelar que correu termos nesse Venerando Supremo Tribunal Administrativo, sob o nº 1041/09 (1 Secção, 2ª Subsecção).
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Face aos argumentos expendidos pela Autora, ali Requerente, a Procuradoria-Geral da República, veio defender, em sede de oposição, a inexistência de uma situação de necessidade, por parte da Requerente, do recebimento do subsídio de desemprego que reclama.
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Com o mais bizarro dos fundamentos, alegando que «Tendo a Senhora Requerente sido suspensa do exercício de funções – no processo disciplinar e no processo-crime – no primeiro trimestre de 2004, recomendaria a prudência e o mais elementar bom senso que acautelasse as dificuldades futuras (anunciadas e previsíveis) decorrentes da privação do vencimentos (...)».
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Com uma vertical má fé, o Réu “atreveu-se” mesmo a defender, perante os Tribunais – e independentemente da bondade, razoabilidade, ou mesmo procedência dos demais argumentos que ventilou – que no caso de «uma senhora funcionária que, COM CULPA, COMPROMETEU IRREVERSÍVEL E IRREMEDIAVELMENTE A IMAGEM E O PRESTÍGIO DA PGR (...)», «é INACEITÁVEL que se condene a PGR ( ... ) ao pagamento de uma quantia, a título de subsídio de desemprego, para a qual não existe dotação financeira desde Janeiro de 2009 (...)».
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A Procuradoria Geral da República defende, portanto, uma posição que, materialmente – ou seja: independentemente da procedência dos argumentos formais ventilados – em tudo arrepia aos mais basilares valores de dignidade do ser humano: para a PGR, a aqui Autora deveria ter “acautelado” as dificuldades financeiras que, a seu douto entender, se adivinhavam.
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E questiona-se: é verdade que a Autora «COMPROMETEU IRREVERSÍVEL E IRREMEDIAVELMENTE A IMAGEM E O PRESTÍGIO DA PGR»? 32. É evidente que não! 33. O que «COMPROMETEU IRREVERSÍVEL E IRREMEDIAVELMENTE A IMAGEM E O PRESTÍGIO DA PGR»?, foi o facto de a comunicação social ter propalado factos que, na quase totalidade, nem verdadeiros são! 34. Daí pois, que a decisão proferida em primeira instância, não tenha sido confirmada pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa. E a ver vamos, o que decidirá o Supremo Tribunal de Justiça.
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Tudo demonstra, portanto, que o processo disciplinar foi efectivamente tramitado em total desvio, daquele que é o respectivo fim legal.
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Tal actuação, tal extremar de posições, legitima que se afirme - e aqui afirma-se, expressamente - que o acto impugnado vem eivado por um vício muito mais grave do que a simples violação da lei.
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Ou seja: em causa não está, nunca esteve, aplicar qualquer pena disciplinar a Autora; a entidade recorrida teve e tem como desígnio desse processo disciplinar, a intenção de “sanear” a Autora, devido ao conflito institucional que, na sua facciosa perspectiva, ter-se-á gerado.
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Conforme é jurisprudência corrente e citando aqui, a titulo de exemplo, o Ac. do Tribunal Central Administrativo-Sul, de 28/06/07, Rec. 05140/00 «o desvio de poder é o vício que consiste no exercício de um poder discricionário por um motivo principalmente determinante que não condiga com o fim que a lei visou ao conferir aquele poder" (cfr. Freitas do Amaral, "Direito Administrativo», Lisboa, 1989, p. 308). A jurisprudência do S. T.A. tem exigido, para que o desvio de poder tenha relevância anulatória, que a Administração actue com dolo, isto é, com o propósito consciente e deliberado de prosseguir o fim ilegal. (cfr. Ac. STA de 11.1.96, P. 35138, in Ac. Dout. n° 411; Ac. STA de 22.2.96, P. 28495)».
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A prova deste desvio de poder consiste neste tipo de fundamentação da P.G.R., um pouco por todo o processo disciplinar, pela oportunidade escolhida para o desencadear deste processo, pelo recurso a junção de...
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