Acórdão nº 263/06.8JFLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 20 de Janeiro de 2012

Magistrado ResponsávelSANTOS CARVALHO
Data da Resolução20 de Janeiro de 2012
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Proc. n.º 263/06.8JFLSB.L1.S1 (1) Acordam em conferência no Supremo Tribunal de Justiça 1.

A foi julgado na 1ª Vara Criminal de Lisboa, no âmbito do processo n.º 263/06.8JFLSB, estando então acusado pelo M.º P.º e pelo Assistente B, que acompanhou a acusação daquele, posteriormente também pronunciado pela prática de um crime de corrupção ativa para a prática de ato ilícito, previsto e punível no art.º 374.º, n.º 1, por referência aos art.ºs 376.º, n.º 1, e 386.º, n.º 1, ambos do C. Penal, bem como no art.º 18.º, n.º 1, por referência aos art.ºs 16.º, n.º 1, e 3.º, n.º 1, alínea i), da Lei 34/87 de 16/7, na redação da Lei 108/2001 de 28/11.

Por acórdão de 23/02/2009, foi condenado, naquela 1ª instância, como autor material de um crime de corrupção ativa para ato lícito, p. e p. pelo art.º 18.º, n.º 2, da Lei 34/87 de 16/7, na redação da Lei 108/2001 de 28/11, na pena de 25 (vinte e cinco) dias de multa à razão diária de € 200 (duzentos euros), o que perfaz o montante global de € 5000 (cinco mil euros).

Desse acórdão condenatório recorreram para o Tribunal da Relação de Lisboa quer o arguido, que pediu a sua absolvição, quer o M.º P.º e o Assistente, estes a pedirem a condenação do arguido pela prática do crime por que estava pronunciado.

Por acórdão de 22-04-2010, o Tribunal da Relação de Lisboa veio a absolver o arguido, com o fundamento de que os factos provados na 1ª instância não configuravam a factualidade típica do crime de corrupção ativa de titular de cargo político.

  1. Inconformados, recorreram para o STJ o M.º P.º e o Assistente.

    No STJ, por decisão sumária do relator de 15 de outubro de 2010, posteriormente confirmada na conferência por acórdão de 2 de dezembro de 2010, foi entendido que a interpretação do art.º 400.º do CPP que conduz à admissibilidade de um segundo grau de recurso, nos casos de absolvição na relação em recurso de uma condenação na 1ª instância em pena não privativa da liberdade, estava ferida de inconstitucionalidade, pelo que os recursos foram rejeitados.

    Mas, por acórdão do Tribunal Constitucional de 16-11-2011, foi entendido não existir tal inconstitucionalidade, pelo que, regressados os autos ao STJ em 13-12-2011, prosseguiram os recursos interpostos da decisão da Relação.

  2. Da motivação do recurso do Ministério Público para o STJ foram formuladas as seguintes conclusões: 1) A decisão ora sob recurso, ao referir tabelarmente que as partes das transcrições que o Ministério Público considera relevantes para que se dê como provados os factos referidos nas alíneas a) a g) da matéria não provada não impõem as conclusões fácticas pretendidas, embora as possam admitir, omitindo a explicitação por que assim o considerou, incorre em falta de fundamentação, o que configura nulidade do acórdão (C.P.P., art.ºs 425.º, n.º 4, 379.º, n.º 1, a), e 374.º, n.º 2); 2) Entre os factos considerados não provados constantes das alíneas e) e f) - e descritos no corpo da motivação - e os tidos como provados existe contradição insanável na fundamentação, o que integra o vício previsto no art.º 400.º, n.º 2, b), do C.P.P; 3) Ao dar como não provados os factos inscritos nas alíneas e) e f) e retro-descritos, o tribunal de 1ª instância incorre em erro notório da apreciação da prova, vício elencado no art.º 410.º, n.º 2, c), do C.P.P., e que contagiou o aresto de que ora se recorre; 4) Mesmo só a factualidade julgada provada permite a imputação ao Réu A do crime de corrupção ativa para a prática de ato lícito, p. e p. através da aplicação e interpretação combinadas dos art.ºs 374.º, n.º 1, 376.º, n.º 1, e 386.º, n.º 1, do Código Penal, e 18.º, n.º 1, 16.º, n.º 1, e 3.º, n.º 1, al. i), da Lei n.º 34/87, de 16 de julho, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 108/2001, de 28 de novembro.

    Termos em que deve ser anulado o douto acórdão recorrido, ordenando-se a sua substituição por outro que conheça das questões de facto suscitadas nos recursos do Ministério Público e do Assistente, e decida em conformidade.

  3. Da motivação do recurso do Assistente para o STJ foram formuladas as seguintes conclusões: A. O Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que absolveu o arguido padece de graves vícios substantivos.

    1. O Tribunal a quo errou ao fazer a operação de qualificação jurídico-penal dos factos dados como provados, não tendo feito a correta subsunção dos mesmos ao direito.

    2. O Assistente tinha a competência funcional para suscitar uma proposta de deliberação camarária contrária à deliberação n.º 307/CML/2005, com as consequências daí decorrentes, designadamente no tocante à revogação da operação de loteamento. Como podia mesmo suscitar, no seio da Câmara, uma proposta de deliberação contrária à proposta de deliberação n.º 36/2005 de modo a levar à consideração da Assembleia Municipal a ilegalidade da sua deliberação de 1 de março de 2005.

    3. O fundamento legal desse poder funcional do Assistente é o artigo 134.º, n.º 2, do Código de Procedimento Administrativo.

    4. Sendo as deliberações camarárias referidas nulas do ponto de vista do Assistente, ele tinha, na qualidade de vereador, o poder-dever jurídico de suscitar a declaração pelos órgãos autárquicos da nulidade das ditas deliberações.

    5. Esse poder-dever de controlo administrativo da legalidade do negócio foi posteriormente exercido pela Câmara, através da sua Deliberação n.º 33/CML/2008, de 25.1.2008, que constitui um facto histórico, público e notório.

    6. E também o Assistente exerceu repetidamente estes seus poderes funcionais de controlo da legalidade, pronunciando-se no seio da Câmara, no exercício do seu cargo de vereador, contra o negócio celebrado com a C, como está claramente assente na própria matéria de facto no que se reporta ao plano de alinhamento de cérceas da Av. da República.

    7. O Arguido queria comprar a vontade do Assistente de não exercer o seu poder-dever de controlo da legalidade de decisões autárquicas nulas relativas ao negócio D/F e ao loteamento dele resultante.

      I. Para tanto, o Arguido pretendia uma dupla vinculação do Assistente: em primeira linha, a vinculação a fazer uma declaração diante da polis, dos eleitores, sobre a legalidade do negócio D/F; mas em segunda linha, e muito mais relevante, a vinculação implícita a ter de agir no futuro de acordo e em coerência com essa declaração, não se opondo no plano camarário à manutenção do negócio, que estava em discussão, isto é, conformando-se "em silêncio" com o negócio e o exercício de preferência dele decorrente.

    8. A ação popular nasceu como um ato da consciência cívica do cidadão BI mas a sua natureza alterou-se a partir do momento em que o dito cidadão assumiu funções como vereador, pois a partir de então ela correspondia ao exercício de um poder-dever jurídico do vereador B de impugnação de decisões autárquicas nulas, nos termos expressos do artigo 134.º n.º 2 do CPA.

    9. Se o Assistente tivesse agido como o Arguido queria, ele teria violado grosseiramente e sem escrúpulos as normas legais que regulam os seus deveres funcionais, vinculando-se a interesses particulares no que toca à decisão sobre uma matéria da sua competência funcional: a fiscalização da observância pela câmara das normas legais no negócio do D/F.

      L. Se o Assistente tivesse agido como o Arguido queria, teria violado flagrantemente os seus deveres de defesa dos interesses públicos do Estado e da respetiva autarquia e desrespeitado frontalmente o fim público dos poderes em que se encontram investidos, subjugando-se aos fins de terceiros, a troco de peita.

    10. O Arguido tinha plena consciência do ilícito que praticava, querendo condicionar o exercício das funções políticas de um vereador e a sua autonomia decisória.

    11. Mesmo que o Assistente tivesse simulado a sua competência funcional para interferir na execução do contrato D/F, o Arguido teria cometido o crime de corrupção ativa para ato ilícito, uma vez que ele representou e quis que o Assistente na qualidade de vereador não interferisse no "desenvolvimento dos projetos da F" (facto a.40), como representou e quis condicionar o exercício das suas funções (facto a.53).

    12. Tudo ponderado, o Assistente tinha poderes de direito e de facto como vereador, que o Arguido quis comprar a troco de peita, o que a ter acontecido constituiria uma crassa violação dos deveres funcionais do Assistente.

    13. O Arguido cometeu, desse modo, o crime de corrupção para ato ilícito, tal como foi acusado pelo Ministério Público e pelo Assistente.

    14. Ao não ter condenado o arguido pela prática de um crime de corrupção para ato ilícito e ao ter, ao invés, absolvido o mesmo, o tribunal a quo violou o artigo 185º, n.º 1, por referência ao artigo 16.º, n.º 1 e n.º 3, alínea i) da Lei 34/87 de 16/07, na redação da Lei 108/2001 de 28/11, e ainda os artigos 40.º, n.ºs 1 e 2, e 71º do Código Penal.

    15. O Acórdão a quo deve, consequentemente, ser revogado e, por existirem todos os pressupostos fácticos, jurídicos e processuais, deve o arguido ser agora justamente condenado pela prática de um crime de corrupção para ato ilícito.

  4. O arguido respondeu aos recursos e concluiu assim: 1 a 10 (…) [sobre a questão já ultrapassada da irrecorribilidade] 11 - Os factos provados não preenchem a factualidade típica do crime de corrupção ativa em nenhuma das suas modalidades, pelo que o Recorrido foi bem absolvido, devendo manter-se, nessa parte, o douto acórdão impugnado, na hipótese (que não se concede) de o Supremo tomar conhecimento dos recursos.

    12 - E não a preenchem, seja porque os atos solicitados (segundo a matéria de facto provada) ao Assistente não fazem parte da esfera das suas funções de Vereador, nem integram os poderes de direito ou de facto nem os deveres inerentes a essa cargo, 13 - Seja porque não está preenchido o elemento volitivo do tipo - "fim indicado no art.º 170.º da Lei 34/87 - que exige o dolo direto e não é compaginável com o dolo eventual ou necessário.

    TAMBÉM SEM PRESCINDIR: 14 - Se por absurdo viesse a entender-se que o Arguido praticou o crime de corrupção ativa para ato lícito, p...

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