Acórdão nº 07B4420 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Dezembro de 2007

Magistrado ResponsávelSALVADOR DA COSTA
Data da Resolução18 de Dezembro de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I AA e BB intentaram, no dia 21 de Junho de 2001, acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra CC e DD, pedindo a declaração de serem donos e possuidores de identificado prédio abrangente de uma área triangular com cerca de dez metros quadrados no seu canto norte-poente e de que identificado prédio dos réus a não abrange, bem como a condenação destes a demolirem os muros, o tranqueiro e o portão na parte que ocupam, deixando-a livre de quaisquer restolhos ou entulhos.

Motivaram a sua pretensão na circunstância de terem adquirido o direito de propriedade sobre aquele prédio por escritura pública e usucapião e de os réus, sem o seu consentimento, o terem ocupado naquela parte.

Em contestação, afirmaram os réus terem adquirido o mencionado terreno por usucapião e que as áreas dos terrenos em causa evoluíram e foram rectificadas, terminando por pedir a condenação dos autores a indemnizá-los, com fundamento na litigância de má fé, no montante de 300 000$, e os autores, na réplica, negaram a versão apresentada pelos primeiros.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença, no dia 2 de Novembro de 2005, por via da qual os autores foram declarados proprietários do prédio abrangente da questionada parcela de terreno e os réus condenados na demolição do muro, do tranqueiro e do portão e a deixarem essa parte da parcela livre de quaisquer restolhos, entulhos o congéneres.

Interpuseram os réus recurso de apelação, e a Relação, por acórdão proferido no dia 9 de Julho de 2007, negou-lhe provimento.

Interpuseram os apelantes recurso de revista, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação: - os recorridos não gozam de presunção de propriedade sobre a mencionada parcela de terreno, relevando não a compra titulada pela escritura, mas a acordada divisão posterior, que não foi levada ao registo; - os recorrentes tinham a posse da parcela de terreno desde Março de 1997, e, mesmo que dúvidas houvesse, o seu poder de facto sobre ela, confirmado pela construção do muro que a delimitou e pela colocação do tranqueiro e do portão, faz presumir a sua posse; - o registo da aquisição do prédio pelos recorridos ocorreu depois do início da posse dos recorrentes, pelo que, mesmo beneficiando da presunção derivada do registo, ela seria afastada pela sua posse anterior, nos termos do artigo 1268º, nº 1, do Código Civil; - o acórdão viola os artigos 493º a 495º, 497º e 498º do Código de Processo Civil, porque contraria a sentença homologatória de transacção, retirando-lhe toda a eficácia e autoridade, havendo contradição prática entre ambos por não poderem ser simultaneamente executados sem detrimento de algum; - ainda que assim se não entenda, têm os recorrentes justo título para continuarem a ocupar a faixa de terreno em causa do mesmo modo por que vêm fazendo, o que não pode ser posto em causa pelo acórdão recorrido; - ainda que não haja caso julgado, é abusivo o direito reclamado pelos recorridos, porque choca gravemente o sentido de justiça a circunstância de se terem comprometido na transacção a reconstruir o tranqueiro colocado como forma de delimitar a faixa de terreno e na acção virem pedir o contrário; - ainda que os recorridos tivessem tal direito, o seu exercício excederia manifestamente os limites impostos pela boa fé, bons costumes e fins do direito por eles invocado.

Responderam os recorridos, em síntese de conclusão: - acusados da prática de crime de dano, na iminência de condenação criminal e cível, optaram por aceitar pagar aos recorrentes 25 000$ contra a desistência da queixa criminal, nunca tendo estado em causa no processo criminal a questão da propriedade entre uns e outros; - os recorrentes não têm posse sobre a faixa de terreno em causa, sendo dela meros detentores, mas têm-na os recorridos por si e antecessores, há mais de vinte anos, consubstanciada em actos materiais demonstrativos da intenção de exercerem o direito de propriedade sobre ela; - adquiriram o direito de propriedade sobre o prédio por usucapião, nos termos do artigo 1296º do Código Civil, a sua acção não revela abuso do direito, não tendo os recorrentes justo título de ocupação; - não há contradição entre decisões judiciais, porque a sentença homologatória da transacção apenas reconheceu como válida a vontade das partes nessa altura expressa, sem qualquer pronúncia sobre a definição dos limites dos prédios; - não há ofensa de caso julgado porque não há identidade de sujeitos, nem de pedido ou de causa de pedir.

II É a seguinte a factualidade considerada no tribunal recorrido: 1. Em 1983, os autores e os réus combinaram comprar um prédio misto, composto por um artigo urbano e por um artigo rústico, que posteriormente dividiriam e demarcariam entre si, de modo a formarem dois prédios distintos, para cada um ficar a pertencer a cada um deles, na sequência do que o réu outorgou nas escrituras públicas abaixo mencionadas.

  1. Em escritura pública lavrada no dia 28 de Janeiro de 1983 na Secretaria Notarial de Vila Nova de Famalicão, EE, por um lado, e DD, por outro, declararam, a primeira vender e o último comprar, por 200 000$, o prédio urbano constituído por uma casa de habitação, com quintal, sito no lugar da Lamela, da freguesia de Landim, a confrontar do norte com o caminho público, do sul com herdeiros de ... e EE, do nascente com herdeiros de ... e do poente com ..., parte da descrição predial nº 30 367, inscrito na matriz sob o artigo 253.

  2. Em escritura pública lavrada no dia 28 de Janeiro de 1983 na Secretaria Notarial de Vila Nova de Famalicão, EE, por um lado, e DD, como gestor de negócios de AA, por outro, declararam, a primeira vender e o último comprar, por 100 000$, o prédio rústico denominado "Bouça da Porta", sito no lugar de Lamela, freguesia de Landim, concelho de Vila Nova de Famalicão, a confrontar do norte com DD, do sul com herdeiros de .., do nascente com herdeiros de ... e do poente com herdeiros de ---, parte da descrição predial nº 30367, inscrito na matriz rústica sob o artigo 302.

  3. Nessa altura, os autores e os réus demarcaram os dois prédios através de marcos, assinalados no terreno pela implantação de esteios da antiga ramada.

  4. Os autores fizeram construir no prédio referido sob II 3 uma casa de habitação de rés-do-chão e anexos, sendo tal prédio constituído pela referida habitação, anexos e quintal, prédio esse com uma área de, pelo menos, 1420 metros quadrados, confrontando, actualmente, do norte com caminho público, do sul com herdeiros de ..., do nascente com herdeiros de ... e do poente com os réus, e está descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Famalicão com o nº 00470/130597, e inscrito em nome dos autores no dia 13 de Maio de 1997.

  5. Em 1997, os réus rectificaram as áreas do seu prédio e reduziram a área de quintal para 756 metros quadrados, de forma a deixarem livre uma certa área de terreno - em concreto não determinada - que, conforme a demarcação acordada com os autores, a estes pertencia, e, por essa razão, em 1999, os serviços de finanças eliminaram o artigo 253º urbano e atribuíram ao prédio dos réus o novo artigo urbano 1199º.

  6. Em 1997, para procederam ao registo em seu nome do prédio referido sob II 3, os autores apresentaram nos serviços de finanças do concelho o seu pedido de inscrição, declarando-o omisso, e, no pedido de inscrição, atribuíram ao prédio a área de 1 420 metros quadrados, o que foi aceite por aqueles serviços sem qualquer confirmação da sua parte, sendo que o prédio dos autores está actualmente inscrito sob o artigo 714º rústico.

  7. Em Março de 1997, procederam os réus à construção de um muro e tranqueiro, assim como à colocação de um portão, com o que invadiram o canto norte/poente do prédio dos autores mencionado sob II 3 e ocuparam uma parcela triangular do mesmo com cerca de dez metros de altura, 1,6 metros de lado e 10,5 metros de hipotenusa.

  8. Os réus promoveram o registo do prédio mencionado sob II 2 no dia 20 de Janeiro de 1998, na Conservatória do Registo Predial, extractado para ficha, pelo que deixou de fazer parte da descrição nº 30 367 e passou a constituir a descrição nº O0475/2001998 Landim, estando a inscrição a seu favor identificada pela referência G-2.

  9. Os autores por si e antepossuidores, desde há mais de vinte anos que arrendam o prédio referido sob II 3, colhendo os respectivos frutos, recebendo rendas, procedendo a construções, venerando-as, assim como aos quintais e culturas, pagando as respectivas contribuições, o que fizeram e fazem ininterruptamente, à vista de toda a gente, nomeadamente dos vizinhos, sem oposição de quem quer que seja, na convicção de estarem a exercer um direito próprio e ignorando lesar direitos alheios, sendo por...

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