Acórdão nº 169/10.6TELSB-A.L1-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 10 de Janeiro de 2012

Magistrado ResponsávelNETO DE MOURA
Data da Resolução10 de Janeiro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, na 5.ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Lisboa I – Relatório Nos autos de processo comum, em fase de inquérito, que, sob o n.º 169/10.6 TELSB, correm termos no Departamento Central de Investigação e Acção Penal, “A... Corp” e “B... Limited” requereram ao Sr. Juiz de Instrução do Tribunal Central de Instrução Criminal o levantamento da medida de sustação de movimentos a débito sobre contas bancárias de que são titulares ou co-titulares, determinada pelo Ministério Público e judicialmente ratificada.

Porém, o Sr. Juiz de instrução indeferiu tal requerimento, com os fundamentos explanados no despacho proferido a fls. 787-789 (reproduzido a fls. 331-333 destes autos).

Inconformadas, as identificadas sociedades recorreram dessa decisão para este Tribunal da Relação, com os fundamentos que expõem na respectiva motivação, de que extraíram as seguintes conclusões (em transcrição integral): A) “O presente recurso vem pôr em causa o despacho de fls. 787 a 789, proferido nos presentes autos pelo Mmo. Juiz de Instrução Criminal, que indeferiu requerimento apresentado pelas Recorrentes no sentido da não renovação e imediata revogação das medidas de sustação de movimentos a débito que pendem sobre as suas contas bancárias, com o qual não podem de todo concordar.

  1. A medida de “sustação de movimentos a débito de contas bancárias”, aplicada com base no disposto no art. 17.º n.ºs 1 a 3 da Lei 25/2008 de 5/6 e art. 4.º n.º4 da Lei 5/2002, de 11/01, ou seja, com base em mecanismo legal exclusivamente desenhado para o crime de branqueamento de capitais, leva sempre subjacente um outro crime, de entre os elencados no art. 368.º-A do C.P.. Ora, o crime de “jogo ilegal” não faz parte daquela lista taxativa de ilícitos que podem conduzir ao branqueamento.

  2. As medidas previstas naqueles diplomas destinam-se a ser aplicadas quando se mostrem necessárias (“com grande interesse para a descoberta da verdade”) para apurar da existência de uma qualquer “lavagem” de dinheiro de proveniência ilícita, ou seja, servem para apurar a origem e destino das quantias.

  3. Se as quantias existentes nas contas objecto de medidas de sustação são de origem lícita, e não são provenientes de nenhum dos actos ilícitos elencados no art. 368.º-A do C.P-, então tais medidas não podem subsistir. Nem podem subsistir depois de alcançado o seu único propósito legalmente admissível: apurar das natureza das quantias.

  4. No caso, já está mais do que demonstrado de onde vêm e para onde vão as quantias apreendidas, constatação que aliás conduziu ao despacho de arquivamento. Falham, pois, os pressupostos de facto que podem fundar tais medidas.

  5. A actividade das Recorrentes nada tem de ilegal: a Primeira Recorrente é uma sociedade com sede nos Estados Unidos especializada em apostas desportivas on-line, prestando serviços como “betting advisor”, que passa pela gestão de “apostas e contra-apostas”, concomitantes e relativas ao mesmo evento desportivo, cobrindo dessa forma todos os resultados possiveis, usando um método matematico-lógico, com base em casas de apostas on-line.

  6. A Segunda Recorrente é uma sociedade com sede em Malta, dedicada às apostas desportivas on-line e o seu papel é servir de intermediária entre apostadores, que pretendam fazer ofertas a outros jogadores.

  7. Ao longo da investigação tudo foi ordenado: medidas de sustação de movimentos a débito das contas bancárias de que são titulares as Recorrentes e outras empresas do grupo (fls. 165-170, fls. 174.180, fls. 182-186 e fls. 599-600); foi ordenada busca (fls. 257, fls. 531); foram chamados e ouvidos vários clientes (fls. 631 e ss.), escolhidos “à sorte” de entre uma vasta lista.

  8. Ora, de nenhuma daquelas diligências resulta qualquer indício da prática de ilícitos penais, o que, aliás, motivou arquivamento.

  9. Foram vários os requerimentos que foram fazendo chegar aos autos fornecendo todos os elementos que pudessem ser úteis, e colocando-se à inteira disposição (quase, pedindo!) para serem chamadas a prestar depoimento, de forma a explicarem qualquer ponto da sua actividade que causasse dúvidas.

    As medidas de “sustação” em causa são legalmente inadmissíveis (falham igualmente os pressupostos de direito).

  10. As medidas de “sustação” em causa fundam-se em mecanismos previstos exclusivamente em sede de prevenção e combate ao branqueamento de capitais, não tendo aplicação no âmbito da investigação de outros crimes não relacionados com o de branqueamento, como o de “jogo ilegal”, nem podem ser ordenadas ou mantidas para apurar se “estamos na presença de uma actividade não autorizada” (sic, despacho recorrido, último parágrafo).

  11. A medida em causa aperece configurada, logo em primeira linha, como um meio de obtenção de prova a aplicar apenas quando “tiver grande interesse para a descoberta da verdade”, não sendo uma medida cautelar ou de garantia patrimonial com a finalidade de – como se sustenta nos autos – “impedir que os montantes se dispersem na economia legítima”.

  12. A medida não se revela de grande interesse para a descoberta da verdade, porque a sua manutenção nada pode acrescentar de novo os autos – o que havia a colher em termos de indícios dos montantes apreendidos, já se colheu.

  13. Mantém-se a medida em causa por motivos exclusivamente cautelares e de garantia patrimonial, não sendo a medida de “sustação” mais do que uma velada caução económica ou arresto preventivo (arts. 227 e 228 do C.P.P.), ao arrepido do princípio da tipicidade (art. 191.º do C.P.P) e aplicada a quem nem sequer assume a qualidade de Arguido (192.º, n.º1).

    A medida aplicada é legalmente inadmissível, porque não pode ser decretada com a exclusiva finalidade de garantia de pagamento de penas pecuniárias ou de “não dispersão” dos montantes apreendidos.

  14. Nada há a prevenir, já que se afastaram os momentos de layering e integration do crime de banqueamento – já se sabe de onde vêm e para onde vão as quantias, pelo que, nem a finalidade probatória, nem a finalidade preventiva subjazem às medidas medidas decretadas.

  15. A interpretar desta forma tão “extensiva” os segmentos legais dos artigos 191.º do C.P.P. e art. 4.º n.º4 da Lei 5/2002, de 11/01, sempre se violaria, como viola, o art. 18.º da C.R.P., por crassa desproporcionalidade e desnecessidade da medida limitadora de direitos fundamentais, inconstitucionalidade que para todos os efeitos se deixa desde já invocada.

  16. Por “crime de jogo ilícito” ou “jogo ilegal” só se pode querer referir um dos vários tipos de ilícito criminal contemplados no D.L. 422/89, nomeadamente crime de “exploração ilícita de jogo” (isto é, fora dos locais legalmente autorizados).

  17. O chamado “jogo on-line” (que nem sequer é a actividade directamente desenvolvida pelas Recorrentes, como já antes se explanou) não está abrangido por aquele diploma, nem pelos ilícitos ali previstos.

    Neste sentido (Acórdão de Fixação de Jurisprudência, STJ, de 04-02-2010). (Parecer do Conselho Consultivo da PGR, Nº Convencional: PGRP00002692, de 27-06-2006), que concluiu que a nossa lei penal não criminaliza o jogo electrónico ilícito, nem se pode afirmar que se trate de ilícito cometido em território português.

  18. O jogo de aposta on-line não está (ainda) regulado entre nós, inexistindo normas que lhe sejam aplicáveis, muito menos penais, onde não cabe aplicação analógica ou interpretação extensiva.

    nullum crimen sine lege.

  19. Como decorrência lógica do que acima se disse, também não existe um eventual crime de fraude fiscal, desde logo, porque aquela “fraude” sempre teria de ser decorrência de actividade ilegal que, como se disse, não ocorre.

  20. Sobre as Recorrentes não recai nenhuma obrigação fiscal para com o Estado português, requisito essencial à verificação daquele ilícito: Para os jogos compreendidos na Lei do Jogo, foi criado um imposto especial sobre o jogo (IEJ). Só que, porque o jogo online é invisível aos olhos da Lei nacional, o mencionado IEJ não lhe é aplicável.

  21. Em matéria de IRC, há que dizer que as Recorrentes, tendo sede em Malta e Delaware, USA, não estão sujeitas a tributação no nosso país, sendo certo que cumprem com todas as suas obrigações fiscais naqueles Estados.

  22. Quando muito, haveria que por em causa a existência de uma sucursal em Portugal da A... CORP, enquanto entidade equiparada nos termos do artigo 4.º do CIRC – mas a mesma tem um papel meramente auxiliar da actividade da Recorrente, integrando por isso o n.º8 do art. 5.º do CIRC, como também já está documentado nos autos.

  23. As casas de apostas online...

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