Acórdão nº 1585/06.3TCSNT.L1-1 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 10 de Janeiro de 2012

Magistrado ResponsávelRUI VOUGA
Data da Resolução10 de Janeiro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam na Secção Cível da Relação de Lisboa: A e B , solteiros, maiores, por si e na qualidade de representantes legais da menor C , todos residentes na Avenida ….., em M..., Sintra, intentaram uma acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, ordinário, contra D ( médico ) , com domicílio profissional na Avenida …., C..., e E ( Clínica …..,LDA.) , com sede na Avenida …., C..., pedindo que os Réus fossem condenados a pagar: a) à Autora C , a título de indemnização por danos morais, a quantia de € 250.000 (duzentos e cinquenta mil euros); b) à Autora B , a título de indemnização por danos morais, a quantia de €100.000 (cem mil euros); c) ao Autor A , a título de indemnização por danos morais, a quantia de €100.000 (cem mil euros); d) a todos os Autores a quantia de € 10.000 (dez mil euros), a título de indemnização por danos patrimoniais; e) e ainda a pagar, de futuro, todas e quaisquer quantias, a título de despesas, que os Autores possam vir a ter face ao crescimento da Autora C .

Para tanto, alegaram, em síntese, que: - os Autores maiores vivem em união de facto, tendo a Autora B sido seguida ecograficamente pelo Réu D , ao serviço e nas instalações da Ré E , na gravidez de que nasceu a Autora menor, filha de ambos; - nas ecografias feitas à Autora B , o Réu D , que não tinha a especialidade de ecografista obstreta mas a de radiologista, não se apercebeu de malformações e patologias do feto, vindo as mesmas a ser verificadas, pela primeira vez, por ocasião do nascimento da Autora C ; - Tais malformações e patologias eram perceptíveis ecograficamente e teriam permitido aos Autores maiores, se conhecidas antes do parto, prepararem-se para o nascimento de sua filha com deficiências ou optarem pela interrupção da gravidez, o que lhes não foi possível pela negligência ou dolo do Réu, o que lhes causou danos vários de ordem não patrimonial; - a Autora C deve ser indemnizada pelos Réus por ter sofrido danos não patrimoniais e todos os Autores devem ser indemnizados pelos danos patrimoniais decorrentes dos tratamentos efectuados e a efectuar; - A Ré sociedade sabia que o Réu D não detinha os conhecimentos necessários à prática de ecografias obstétricas e, apesar disso, manteve-o a fazê-las ao seu serviço e nas suas instalações.

O R. D contestou, alegando (nuclearmente) que: - contrariamente ao alegado pelos Autores, a Autora C nasceu com o membro inferior, que foi amputado logo após o nascimento; - as patologias não podiam ser verificadas em ecografias, sendo certo que este R. é especialista em ecografias obstétricas.

Por seu turno, a Ré E , apresentou contestação autónoma, alegando: - que apenas disponibiliza as suas instalações a uma sociedade de que é sócio o Réu D , que nessa qualidade as usa; - que o Réu D é especialista na área de ecografias obstétricas; - e que desconhece o alegado quanto a malformações e patologias da Autora C, bem como quanto a danos sofridos pelos Autores, matérias que impugna.

Findos os articulados, o processo foi saneado, tendo sido proferido despacho saneador que conheceu parcialmente de mérito, nos termos do artigo 510º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Civil, por entender ser indiferente à decisão a prova ou não prova dos factos alegados como fundamento dos pedidos formulados pela Autora C, sendo a acção logo julgada improcedente quanto aos pedidos desta Autora[1].

No mais, entendeu-se determinar o prosseguimento dos autos com organização da base instrutória (cfr. fls. 237 a 242).

Instruída a causa (com realização de prova pericial, tendo por objecto as 4 ecografias obstétricas efectuadas pelo Réu à Autora B [cfr. o relatório pericial constante dos autos, a fls. 462-464]), teve depois lugar a audiência de discussão e julgamento, finda a qual foi proferida sentença (datada de 26/11/2010) com o seguinte teor decisório: «Em face do exposto, julgo parcialmente procedente a presente acção e, em consequência: 1) Absolvo a 2ª Ré dos pedidos contra ela formulados pelos AA A e B ; 2) Condeno o 1º Réu a pagar a cada um dos AA A e B a quantia de €7.500, a título de danos morais, no mais o absolvendo dos pedidos por estes AA formulados.

Custas pelos AA e pelo Réu na proporção dos respectivos decaimentos, que é de 45,5 % para os AA A e B e 3,5% para o 1º Réu – art. 446º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.» Inconformado com o assim decidido, o Réu D apelou da referida sentença, tendo rematado as concernentes alegações com as seguintes conclusões: «

  1. Nenhuma prova foi feita, no processo, que permita afirmar que, em qualquer uma das datas de realização das quatro ecografias obstétricas executadas pelo Réu à Autora B , a ausência do membro inferior esquerdo do feto já se havia produzido ou ocorrido e que, portanto, era um dado presente, susceptível de ser visualizado e detectado pelo Réu.

    B) Sem a prova (necessariamente pericial) daquele facto técnico-científico, não é possível concluir que “a ausência de membro inferior esquerdo podia ser detectada nas ecografias obstétricas efectuadas pelo Réu a B ”, conforme a decisão recorrida deu como provado, na sua fundamentação de facto, já que o primeiro facto, não demonstrado no processo, é um pressuposto lógico intransponível do segundo.

    C) A matéria de facto constante da alínea H) da fundamentação de facto que presidiu à decisão recorrida foi, assim, indevidamente dada como provada, já que assentou em pressuposto técnico-científico que não foi objecto, no processo, de qualquer prova, designadamente pericial, em violação do disposto no artigo 388.º do CC.

    D) Não existe, assim, matéria de facto validamente provada, no processo, que permita sustentar a conclusão de direito de que o Réu, ao não visualizar, nas ecografias realizadas, a ausência do membro inferior esquerdo do feto, e ao não relatar, nos respectivos relatórios, a existência de tal malformação, actuou com negligência, não observando, como podia e devia, o dever objectivo de cuidado que sobre ele impendia, em violação das leges artis.

    E) Não se encontram preenchidos, assim, os requisitos da ilicitude e da culpa por referência à conduta do Réu, pelo que a Sentença recorrida, ao condená-lo no pagamento de uma indemnização aos Autores, fundada em responsabilidade civil extracontratual, violou o n.º 1 do artigo 483.º do CC.

    F) A dor, choque e sofrimento vividos pelos Autores resultaram do facto de terem sido confrontados com uma filha que nasceu sem a perna esquerda, não de apenas terem tomado conhecimento de tal malformação após o nascimento da criança.

    G) A conduta do Réu foi, assim, indiferente para a produção do referido dano moral, o qual não deixaria de ter ocorrido se os Autores tivessem sido informados por aquele, antes do nascimento da sua filha, da mencionada deformação física.

    H) A alegada conduta ilícita e culposa do Réu não foi, assim, causa adequada do dano moral em apreço, pelo que a decisão recorrida, ao condenar o ora Recorrente no pagamento de uma indemnização aos Autores, fundada em responsabilidade civil extracontratual, violou o n.º 1 do artigo 483.º do CC.

    I) A frustração da natural expectativa dos Autores de terem uma filha saudável, sem deficiências, resultou da sua confrontação com a mencionada ausência do membro inferior esquerdo da criança, sentimento que não deixaria de existir caso os pais tivessem sido informados da situação no decurso da gravidez da mãe.

    J) A alegada conduta ilícita e culposa do Réu não foi, assim, causa adequada do citado dano moral, pelo que a decisão recorrida, ao condenar o Recorrente no pagamento de uma indemnização aos Autores, a título de responsabilidade civil extracontratual, violou o n.º 1 do artigo 483.º do CC.

    K) O processo não contém qualquer prova sobre a eficácia ou benefício resultante, para os Autores, do acompanhamento psicológico de que foram privados em razão de não terem sido informados, pelo Réu, de que iriam ter uma filha sem o membro inferior esquerdo.

    L) Na ausência total de tal prova, a simples invocação da privação de tal acompanhamento psicológico, em abstracto, não permite configurar tal facto como um dano moral credor da tutela do direito, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 496.º do CC.

    M) Pelo que a decisão recorrida, ao condenar o Réu no pagamento aos Autores de uma indemnização, em razão daquele facto, violou o n.º 1 do artigo 483.º do CC.

    Nestes termos, E nos mais de direito, sempre do douto suprimento de V. Exas., deverá ser concedido provimento à presente Apelação, com a consequente revogação da Sentença Recorrida e absolvição do Recorrente do pedido, como é de inteira JUSTIÇA.» Os Autores/Apelados contra-alegaram, pugnando pelo não provimento da Apelação do R. D e formulando as seguintes conclusões: «

  2. O presente recurso interposto pelo Réu, ora recorrente, na parte respeitante à fundamentação de facto é manifestamente infundado nos termos do art. 705º do C.P.C. na redacção anterior à que lhe foi dada pelo Decreto Lei 303/2007 de 24 de Agosto de 2007, ficando desta forma prejudicada a fundamentação de direito.

    B) O apelante considera não ter sido efectuada prova que permita afirmar que aquando da realização das ecografias obstétricas por si executadas, a ausência do membro inferior esquerdo do feto já havia ocorrido.

    C). Ora, foi o próprio apelante que impugnou este facto em sede de contestação, pelo que ao tribunal ad quo competia apreciar se a bebé teria nascido sem o membro inferior esquerdo (como alegaram os autores), ou se pelo contrário teria nascido com ambos os membros inferiores (como alegou o apelante) D) Posto que tendo sido impugnada tal matéria, ao invés de ter sido alegada a título de excepção, não enferma a douta sentença recorrida de falta de prova, ou prova indevida, em violação do disposto no artigo 388º do CC.

    E) A conduta do réu foi ilícita pela violação das legis artis a que estava obrigado, devendo ter observado a evolução da gravidez de acordo com os seus especiais conhecimentos e perícia.

    F) Devendo como médico...

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