Acórdão nº 434/1999.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Janeiro de 2012

Magistrado ResponsávelSALAZAR CASANOVA
Data da Resolução10 de Janeiro de 2012
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.

AA - Hotelaria e Similares, S.A.", com sede na Avenida 5 de Outubro, n."..., 1.0, em Lisboa, intentou ação declarativa de condenação, com processo ordinário, contra BB e CC, III, Lda., DD, entretanto falecido e prosseguindo os autos com os seus herdeiros habilitados, EE , que foi sua mulher como tal demandada inicialmente e seus filhos FF e JJ, GG, HH e II, LL e MM, NN e OO, PP e QQ, representados pelo sucessor RR, SS, TT, UU e VV, XX, ZZ, AAA e BBB, CCC, representada pelos seus sucessores DDD e EEE, FFF, GGG HHH, pedindo o seguinte: - Que seja declarada a nulidade do contrato titulado pela escritura de compra e venda que incidiu sobre as frações identificadas na petição inicial, celebrada em 21/12/1995 no 4.° Cartório Notarial de Lisboa.

- Que sejam julgados esses atos impugnados e ineficazes e condenados os réus a reconhecê-lo.

- Que seja ordenado o cancelamento do registo predial de transmissão das frações autónomas a favor da ré III, Lda. (apresentação nº 4 de 21/02/1996 da 3ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa).

- Que seja declarado existente, válido e plenamente eficaz, nomeadamente para efeito de registo predial o contrato de compra e venda dissimulado, o qual tem como partes os réus DD, EE , GG, HH, II, LL, MM, NN, OO, PP, QQ, SS, TT, UU, VV, XX, ZZ, AAA, BBB, CCC, FFF, GGG HHH, como vendedores, e o réu BB, na qualidade de comprador.

- Que seja reconhecida a validade do contrato-promessa celebrado entre o réu BB e a autora, em 25/10/1988, bem como incumprimento culposo por parte do promitente vendedor, o réu BB - Que seja notificado o réu BB para receber, por termo, dia e hora que venha a ser indicado, o remanescente do preço ajustado no referido contrato promessa, ou seja a importância de 9.400.000$00 - Que o Tribunal produza, nos termos do artigo 830.° do Código Civil, os efeitos da declaração negocial do réu BB referente à promessa titulada pelo contrato promessa de 25/10/1988.

  1. Sustenta a autora que a escritura de compra e venda de 21-12-1995 celebrada entre a sociedade ré, representada pelo réu BB na qualidade de promitente compradora e os demais réus na qualidade de promitentes vendedores, foi um negócio simulado pois na realidade sob ele existiu um outro que as partes quiseram realizar - o de compra e venda a favor do comprador BB - o que fizeram com o intuito de prejudicar a autora.

  2. É que, tendo a autora outorgado contrato- promessa de compra e venda com o referido BB em 25-10-1988, se o BB adquirisse por essa escritura de 1995 a propriedade do imóvel, podia a autora obter a execução específica do contrato-promessa de compra e venda.

  3. Para a autora resulta claro que a sociedade BB Lda. foi utilizada com a finalidade de defraudar os interesses da autora; o réu BB pretende, pela utilização da personalidade jurídica da sociedade que constituiu, evitar o cumprimento do contrato-promessa a que se havia obrigado em 25-10-1988; a constituição dessa sociedade teve esse propósito como finalidade principal, senão exclusiva, a de adquirir tais frações, sendo manifesto que, detendo o réu BB uma quota de 85% da totalidade do capital da sociedade, existia uma confusão nítida entre a vontade do primeiro e a vontade da segunda, impondo-se, assim, desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade; assim sendo, a personalidade coletiva torna-se irrelevante e, por isso, passa a considerar-se o centro de imputação de efeitos jurídicos a pessoa titular dos seus órgãos ou a que atuou em seu nome. Há, no caso sub specie, uma utilização da pessoa coletiva para um fim contrário ao direito, verificando-se um abuso de limitação de responsabilidade.

  4. Alegou a autora que outorgou em 25/10/1988, com o réu BB contrato-promessa de compra e venda referente a duas frações autónomas, pelo preço de 34.600.000$00, cujo pagamento seria faseado; tomou posse nesse dia das aludidas frações autónomas e realizou obras de reconstrução tendo em vista adaptá-las a um bar-discoteca que veio a ser designado “K...” e que viria a abrir em dezembro de 1988.

  5. Sucede que a escritura pública de compra e venda não chegou a realizar-se.

  6. A autora, depois de interpelar inutilmente o réu para proceder à marcação da aludida escritura, procedeu ela própria à marcação para o dia 9-3-1994 e só em 7-3-1994 o réu, que não compareceu à escritura, lhe comunicou que não era proprietário das frações.

  7. Com efeito, nessa data as aludidas frações eram propriedade dos réus DD, EE, GG, HH, II, LL, MM, NN, OO, PP, QQ, SS, TT, UU, VV, XX, ZZ, AAA, BBB, CCC, FFF, GGG HHH.

  8. Sucede que, na qualidade de proprietário e gestor de negócios dos restantes herdeiros, o então réu DD outorgou a 25/08/1983 um contrato-promessa com LLL, incidindo sobre uma das frações autónomas (fração “A”) e em 08/10/1986, LLL transmitiu ao Réu BB a posição contratual que detinha no contrato-promessa.

  9. Por sua vez em 23/06/1995, a ré HHH, por si e na qualidade de gestora de negócios dos restantes co-herdeiros, outorgou um contrato promessa com o réu BB prometendo vender-lhe, ou a quem ele indicasse, as frações autónomas pelo preço de 16.500.000$00.

  10. E finalmente, em 21/12/1995, os réus DD, EE, GG, HH, II, LL, MM, NN, OO, PP, QQ, SS, TT, UU, VV, XX, ZZ, AAA, BBB, CCC, FFF, GGG, HHH, na qualidade de comproprietários, celebraram com a ré III, Lda. uma escritura pública de compra e venda das frações autónomas, tendo declarado o preço de 16.500.000$00, imputando 8.250.000$00 a cada uma das frações autónomas.

  11. Foi o réu BB que procedeu ao pagamento do preço e, na escritura pública, a ré III, Lda. declarou que as frações autónomas se destinavam a revenda, mas ainda se encontram registadas em seu nome, a transmissão foi registada na competente conservatória do registo predial, a ré III, Lda. foi registada pela apresentação nº 32 de 30/03/1995, tendo como únicos sócios o réu BB, sua mulher, a ré CC e JJJ, a denominação da Ré III, Lda. coincide com o nome do Réu BB, a ré III, Lda. foi constituída com o capital social de 5.000.000$00, subscrito pela seguinte forma: 4.250.000$00 pelo Réu BB, 500.000$00 pela Ré CC e 250.000$00 por JJJ, a gerência pertence exclusivamente ao Réu BB e a ré III, Lda. obriga-se com a única assinatura do gerente. O réu BB detém o total controlo e domínio absoluto da Ré "III, Lda.

  12. Alegou ainda a A. que os réus celebraram contrato simulado (escritura de compra venda de 23-6-1995) com o intuito de prejudicar a autora tendo em atenção o exposto anteriormente.

  13. A ação foi julgada improcedente nas instâncias.

  14. Recorre a autora para o Supremo Tribunal finalizando a minuta com as seguintes conclusões: A - O tribunal “ a quo” não fez a correta apreciação da matéria jurídica que perante si foi suscitada pela recorrida a qual não se reconduz apenas à apreciação da simulação.

    B - Da matéria de facto dada como provada nos autos é possível extrair a conclusão que a recorrida, a sociedade III Lda., foi criada e foi usada pelo recorrido BB para surgir como compradora das frações constantes do contrato-promessa de fls. 32-36 dos autos, bem sabendo este que desta forma impedia o cumprimento do dito contrato tal como ele (BB) se havia obrigado e ao preço que havia contratado.

    C - Surgindo a sociedade III Lda. como proprietária das frações cuja propriedade fora prometida, o recorrido BB pretendia obter um maior valor pela venda das mesmas que o que inicialmente contratara mercê da projeção da discoteca K... e da valorização das frações por via desta exposição pública.

    D - Não existe outro propósito para a criação desta empresa, na qual são únicos sócios, marido e mulher, senão o de adquirir as frações cuja propriedade fora prometida vender ao sócio principal e dominante, o recorrido BB.

    E - Aliás a data de constituição desta empresa é próxima da data da celebração da escritura de compra e venda o que reforça aquele propósito e objetivo.

    F - E se o recorrido BB era titular de uma quota de 85% da totalidade do capital social da empresa III Lda. é óbvio que era aquele que detinha na empresa a posição dominante e que presidia aos destinos da mesma.

    G - Consequentemente podemos afirmar, sem margens para dúvidas, que existia uma confusão nítida entre o que era a vontade de BB e a vontade da empresa III Lda.

    H - Para esta utilização abusiva da personalidade jurídica, a doutrina e a jurisprudência respondem com a solução jurídica conhecida por desconsideração da personalidade jurídica.

    I - Na apreciação desta questão releva a prova documental junta aos autos e que foi dada como assente pelo Tribunal “ a quo” a saber: o contrato-promessa de compra e venda subscrito pelo réu BB com a autora em 25-10-1988; o contrato-promessa de compra e venda subscrito pelo réu BB com a família M... (réus nestes autos) em 23-6-1995 e o contrato de compra e venda celebrado entre a ré III Lda. e os restantes réus (família M....) em 21-12-1995.

    J - O recorrido BB assume, através da constituição da sociedade III Lda. e posteriormente , na qualidade de sócio-gerente, pela aquisição, por parte desta, dos imóveis por via do contrato de fls. 79-86 dos autos um comportamento que, ainda com uma aparência formal correta, se traduz na utilização da pessoa coletiva para um fim contrário ao direito.

    K - Os factos aqui expostos demonstram que estamos efetivamente perante um claro e nítido caso de abuso de limitação da responsabilidade, pois o comportamento do recorrido BB enquanto homem oculto, embora baseado numa posição legitimada, é realizado em oposição aos fins ou objetivos da limitação de responsabilidade.

    L - O que nos permite concluir que o sócio BB mistura a sua massa patrimonial com a da sociedade, favoravelmente a esta, e invoca perante os seus credores pessoais in casu a ora recorrente a autonomia da pessoa coletiva e a sua limitação de responsabilidade para não lhes pagar ou, in casu, para não cumprir a sua obrigação para com a autora relativa à venda prometida M - E é este facto em concreto que tem de ser apreciado pelo tribunal ad quem N- Ao...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT