Acórdão nº 0889/11 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 20 de Dezembro de 2011

Magistrado ResponsávelCASIMIRO GONÇALVES
Data da Resolução20 de Dezembro de 2011
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: RELATÓRIO 1.1. A Caixa Geral de Depósitos, S.A. vem interpor recurso da sentença de verificação e graduação de créditos proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, nos autos de reclamação de créditos que correm por apenso à execução fiscal nº 1058200101025775 instaurada contra A………, S.A., por dívidas de Contribuição Autárquica dos anos de 2000, 2001 e 2002, sentença na qual julgou se procedente a impugnação, por parte de uma outra reclamante, da garantia derivada de hipoteca relativamente ao crédito reclamado pela recorrente, e em consequência se julgou inoponível e ineficaz em relação àquela outra credora a referida hipoteca sobre o imóvel penhorado.

1.2. A recorrente termina as alegações formulando as conclusões seguintes: 1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que verificou e graduou os créditos reclamados na execução fiscal nº 1058200101025775 do Serviço de Finanças Faro, que a Fazenda Pública move contra a A………, SA, na parte em que julgou procedente a impugnação da credora/reclamante CAIXA DE CRÉDITO AGRÍCOLA MÚTUO DE ………, CRL e em consequência julgou inoponível e ineficaz em relação a esta credora uma hipoteca sobre o imóvel penhorado, anteriormente registada a favor da ora Recorrente, cujo crédito acabou por ser graduado em último lugar, com base na penhora que se encontra registada sob a AP. 648 de 2009/07/30. Salvo o devido respeito, o Mmo Juiz do Tribunal «a quo» fez uma errada interpretação e aplicação do Direito. Assim, 2. Há que ter presente que a hipoteca a favor da ora Recorrente não foi constituída pela titular de direito incompatível com o direito da executada A……… – ou seja, pela ADMINISTRAÇÃO REGIONAL DE SAÚDE DO ALGARVE – mas sim pela «transmitente comum» dos direitos incompatíveis, no sentido referido no Acórdão de Uniformização de jurisprudência citado na douta sentença recorrida [Ac. do STJ de 18-5-1999], ou seja, pela sociedade B………, LDA.

  1. A situação de facto, subjacente ao Ac. do STJ de 18-5-1999, é completamente distinta da que ora se discute, na presente acção, uma vez que, no aresto supra citado, tratava-se de saber se os recorrentes (que compraram uma fracção autónoma e não a registaram) deviam conformar-se ou não com a penhora da mesma fracção, a favor de um credor do vendedor, que conseguiu registar a penhora antes do registo da aquisição da propriedade a favor dos compradores. Ora, 4. Na situação sub judice, a entrega do imóvel à executada A……… – acto que determina o início da posse e, por conseguinte, o momento a que se retroage a aquisição do direito de propriedade (cfr. art. 1288º Cód. Civil) – ocorreu em momento muito posterior à inscrição no registo da hipoteca a favor da Recorrente, mesmo que se entenda que a data que marca o início da produção de efeitos da posse é aquela que marca o início da posse pelos antepossuidores.

  2. Nos termos do disposto no art. 1268° do Cód. Civil, «o possuidor goza da presunção da titularidade do direito, excepto se existir, a favor de outrem, presunção fundada em registo anterior ao início da posse». Assim, «havendo colisão entre a presunção resultante da posse e a presunção fundada no registo dum direito anterior ao início da posse, prevalece esta última (cfr. o ac. do STJ de 4-7-1972, anot. Por Vaz Serra na R.L.J., 106°, p. 281 e seg.).

  3. Neste sentido decidiu, o Supremo Tribunal de Justiça, recentemente, a propósito do pedido de anulação de uma venda judicial, requerida ao abrigo do disposto no art. 909º, 2, d) do CPC, tendo concluído não ser possível ao adquirente do imóvel invocar a usucapião contra credor hipotecário, quando a posse tenha início em data posterior ao registo da hipoteca (cfr. Ac. do STJ de 15-4-2004, processo 048674, disponível in www.dgsi.pt) 7. Antes, também, o Tribunal da Relação de Lisboa «estribando-se no princípio firmado no referenciado dispositivo legal do artigo 1268°, nº 1, sufragou o entendimento de que o possuidor goza da presunção da titularidade do direito, presunção que apenas cederá no confronto com outra presunção – a do registo anterior ao início da posse», decisão que o Supremo Tribunal de Justiça confirmou, no Ac. de 19 de Fevereiro de 1992, Proc.79743, publicado no BMJ n.º 414, de Março de 1992.

  4. A este propósito refere, ainda, António Menezes Cordeiro (in ob. citada): «o registo predial também tem uma eficácia presuntiva: é o que resulta do art. 7° do Código do Registo Predial. Pode, assim, verificar-se um conflito entre a presunção registral e a presunção derivada da posse. O próprio artigo 1268º/1 resolve o concurso: prevalece a presunção derivada da posse, excepto se houver uma presunção registral anterior ao início daquela. Na hipótese de presunção de igual antiguidade prevalece, pois, a posse.» 9. Carece, pois, em absoluto, de fundamento legal e, como tal, deve ser revogada, a douta decisão recorrida. Acresce que, 10. A Executada invoca como título constitutivo do seu direito de propriedade sobre o imóvel penhorado uma sentença proferida em acção judicial na qual a ora Recorrente foi julgada parte ilegítima, por decisão constante do despacho saneador, há muito transitado.

  5. A sentença, proferida na acção nº 427-O/2002 do 1° Juízo Cível de Portimão, que conferiu à Executada A………, por via da posse, a propriedade do imóvel, não determinou – nem podia, por tal não ter sido, sequer, pedido – o cancelamento das inscrições dependentes da descrição originária, ou seja a descrição nº 3234/19910905, mas apenas e tão somente a eliminação da descrição posterior (a 4717) e a incompatibilidade de «todos os registos resultantes de aquisições derivadas», respeitantes à descrição eliminada, relativamente à primeira descrição.

  6. Nem, tão pouco, a Impugnante CAIXA DE CRÉDITO AGRÍCOLA DE ………, CRL fez prova, nos presentes autos, de algum facto susceptível de levar a concluir que a hipoteca a favor da ora recorrente se encontra extinta, ou, tão pouco, demonstrou ter impugnado a forma como a sentença proferida na acção nº 427-O/2002 foi levada ao registo, designadamente quanto à manutenção da hipoteca a favor da ora Recorrente.

  7. Assim sendo, carece, em absoluto, de fundamento, a decisão, em sede de graduação de créditos, de retirar da sentença judicial, proferida na acção nº 427-O/2002, efeitos que a mesma não prevê [a saber, a incompatibilidade entre a hipoteca registada sob a Ap.12/920624 e a inscrição da propriedade, a favor da executada A……… (Ap.01/200503228)].

  8. Também por isto deve, nesta parte, a douta sentença recorrida ser revogada, e os créditos reclamados pela ora Recorrente ser reconhecidos e graduados, com base na hipoteca que se encontra registada.

    Termina pedindo o provimento do recurso e a revogação da sentença.

    1.3. Em contra alegações, a recorrida Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de ………, CRL sustenta que deve ser negado provimento ao recurso.

    1.4. O MP não emitiu Parecer (cfr. fls. 303 verso).

    1.5. Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

    FUNDAMENTOS 2. Na sentença recorrida julgaram-se provados os factos seguintes: A) - Em 21/11/2001, a Administração Fiscal instaurou o processo de execução nº 1058200101025775, contra a executada A……… S. A., pessoa colectiva ………, com sede na Rua ……… – n.º ………. - Albufeira, 8200 ALBUFEIRA, para cobrança coerciva de dívidas por Contribuição Autárquica do ano 2000, 2001 e 2002, cfr. cópia do processo principal em apenso.

    1. - Por sentença de 17/01/2005, transitada em julgado, proferida na Acção Ordinária nº. 427-0/2002, pelo 1° Juízo Cível do Tribunal Judicial de Portimão foi decidido (fls. 167 e segs): «I – Relatório: Administração Regional de Saúde do Algarve, pessoa colectiva de direito público n.º 503148709, com sede na Rua de S. Pedro, n.º 15, em Faro, veio intentar a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra A………, S.A., com sede na Rua ………, n.º ………, ………, em Albufeira, C………, L.da., com sede na Estrada de ………. ………, em Albufeira, Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de ………, CRL, com sede na Rua ………, n.º ………, ………., em ………, Caixa Geral de Depósitos, LA.; com sede na Avenida João XXI, em Lisboa e B………, Lda., com sede na Avenida ………, n.º ………, ………, em Portimão, pedindo que, pela procedência da acção, seja ordenado o cancelamento imediato da ficha n.º 4717/19981009, freguesia de S. Pedro, da Conservatória do Registo Predial de Faro, sejam declarados nulos todos os registos incidentes sobre a identificada ficha, uma vez que o mesmo foi elaborado com base numa inexactidão quanto ao objecto da relação jurídica a que o facto registado se refere, sejam os RR.. condenados a reconhecer a A. como única possuidora e titular do prédio denominado Edifício ………, descrito sob o número 3234/910905, freguesia de S. Pedro, Conservatória do Registo Predial de Faro e nas custas e procuradoria.

      (...) Procedeu-se ao saneamento e condensação do processo.

      O Tribunal julgou procedente a excepção da ilegitimidade passivo da R. Caixa Geral de Depósitos, absolvendo-a da instância.

      (...) II – Questões a decidir: A pretensão da A.: Importa saber se às descrições prediais n.º 3234/910905 e 4717/981009 correspondem prédios distintos ou se, pelo contrário, incidem ambas sobre a mesma realidade material.

      A pretensão da R. A……… – pedido reconvencional: Importa apreciar se o prédio descrito sob a ficha n.º 4717/981009 referido pertence à R..

      (...) DECISÃO: Face ao exposto, o Tribunal decide:

    2. Julgar a acção parcialmente procedente e o pedido reconvencional procedente por provado, e em consequência: 1. Declarar que a descrição predial elaborada pela Conservatória do Registo Predial de Faro, com o número 4717/19981009, corresponde ao mesmo objecto da descrição aberta pelo mesma Conservatória com o número 3234/19910905, pelo que deve ser eliminada por duplicação com a segunda (que precedeu a primeira).

  9. Declarar-se incompatíveis com as inscrições do direito de propriedade atinentes ao prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Faro sob o número...

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