Acórdão nº 874/10.7TTVCT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 12 de Dezembro de 2011

Magistrado ResponsávelANTÓNIO JOSÉ RAMOS
Data da Resolução12 de Dezembro de 2011
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Recurso Penal: nº 874/10.7TTVCT.P1 REG. Nº 129 Relator: António José Ascensão Ramos Adjunto: Eduardo Petersen Silva Recorrentes: B…, Lda., C… e D…, Lda.

Recorrido: Ministério Público Acordam os Juízes que compõem a Secção Social do Tribunal da Relação do Porto: I – Relatório 1.

Nos presentes autos de recurso de contra-ordenação foi a arguida B…, Lda.

condenada pela Autoridade Para As Condições do Trabalho (Centro Local do Alto Minho)[1] na coima de 40 UC (€ 4 080,00) pela prática, sob a forma negligente, de uma contra-ordenação, tipificada como muito grave, prevista e punida pelo artigo 84º, nº 6 da Lei nº 102/2009, de10 de Setembro e artigos 554º, nº 4, alínea a) e 556º, nº 1, ambos do Código do Trabalho[2], aprovado pela Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro.

Tendo ainda sido condenados solidariamente responsáveis pelo pagamento da coima os arguidos C… e D…, Lda.

___________________2.

A arguida interpôs recurso de impugnação judicial desta decisão para o Tribunal do Trabalho de Viana do Castelo, tendo, alegado, em resumo que o contrato de prestação de serviços celebrado entre a “B…” e a “D…” constituiu a formalização do acordo verbal existente entre esta empresa e a Dr. C…; no momento da sua constituição esse acordo era válido, pelo que não se pode entender o contrário com base em lei posterior; quem efectivamente desempenhava a actividade de medicina no trabalho é o Dr. C…, o qual estava legalmente habilitado para exercer aquela actividade; a actividade desenvolvida pela “D…” não é de risco elevado e não se verifica qualquer conduta negligente por parte da arguida.

___________________3.

Face à não oposição por parte dos sujeitos processuais o Tribunal a quo decidiu por despacho, tendo proferido a seguinte decisão: «Julgar improcedente a impugnação judicial, confirmando-se a decisão administrativa, pelo que a arguida “B…” vai condenada no pagamento da coima de €4.080,00, pela prática da contra-ordenação p.p. pelo artº. 84, nºs. 1 e 6, da Lei 102/2009, de 10/9, sendo solidariamente responsáveis pelo pagamento da coima os restantes arguidos.»___________________4.

Inconformados com esta decisão, os arguidos interpuseram o presente recurso, pedindo que a sentença recorrida seja anulada, ou revogada, tendo nas suas motivações formulado as seguintes conclusões: 1) O Tribunal a quo desconsiderou o facto de o contrato de prestação de serviços, apesar de estar datado de 15 de Janeiro de 1996, o certo é que nessa data a arguida ainda não estava legalmente constituída, pelo que o contrato em causa mais não é do que uma redução a escrito e formalização do acordo à data já verbalmente em vigor entre o Senhor Dr. C… e a D…; 2) Pelo facto de a sentença em crise desconsiderar o facto plasmado na conclusão anterior, incorreu num erro notório na apreciação da prova, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea c) do nº 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal - facto que aqui se arguiu para todos os legais efeitos; 3) Nos termos do recente Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 27 de Junho de 2011 (Processo 1120/l0.9TTPNF.Pl), "Pese embora o Tribunal da Relação, em processo de contra-ordenação, apenas conheça de matéria de direito, deverá, contudo e ainda que oficiosamente, conhecer dos vícios previstos no art. 410º nº 2, do CPP". - disponível em http: jwww.dgsi.pt.

4) Se o contrato de prestação de serviços celebrado entre o Senhor Dr. C… (em que formalmente constava, enquanto outorgante, a arguida) era válido nesse momento, então, não se pode entender o contrário com base em lei posterior, sob pena de se proceder a aplicação retroactiva da lei, colocar em crise os pilares da certeza e segurança jurídicas exigíveis a qualquer relação contratual, sendo assim que deveria ter sido interpretado e aplicado o disposto no artigo 12º do Código Civil e o artigo 12º do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, na redacção aplicável; 5) A ACT não pode, em sede de decisão final lançar acusações à arguida fundadas em preceitos legais nunca antes citados por aquela, sob pena de limitar ou impossibilitar o direito de resposta da arguida, o seu direito de defesa, hipótese que configura uma nulidade insanável, na qual igualmente incorreu a sentença a quo ao não encontrar naquela decisão administrativa a referida mácula, tudo em violação do disposto no artigo 50º do DL nº 433/82, de 27 de Outubro; 6) Ora, nos termos do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27 de Janeiro de 2003, Processo 10583/2003-5 que "A omissão do direito de audição e de defesa do arguido consignados no art. 32º nº 10 da CRP constitui nulidade insanável", (JOÃO SOARES RIBEIRO, Contra-Ordenações Laborais, Regime Jurídico, 3ª Edição, Almedina, 2011, pág. 59.

7) A razão por detrás da celebração do contrato de prestação de serviços pela recorrente D… com a recorrente B… prendeu-se com o facto de o Senhor Dr. C… desempenhar as suas funções na última, sendo que a data da redacção do contrato não coincide com a real, sendo uma ficção criada pelo Senhor Dr. C… de forma a demonstrar a produção de efeitos já se tinha iniciado em data anterior; 8) O Senhor Dr. C… já era o médico – devidamente habilitado - que exercia a actividade de medicina do trabalho para a empresa D…, ainda antes daquele constituir, juntamente com a sua esposa uma pessoa colectiva; 9) A recorrente B… apenas se revela como parte outorgante no contrato supra citado, pois quem efectivamente desempenha a actividade de medicina do trabalho é o responsável da mesma, pelo que, uma interpretação que culmine na aplicação da decisão que ora se impugna revela um intolerável primado da forma sobre a substância - incompatível com o Direito contra-ordenacional e com o Direito do Trabalho; 10) O médico e responsável legal da recorrente B…, apesar de não ser parte outorgante, figura no contrato de prestação de serviços, precisamente em seguida da D…, entre parêntesis, o que revela a essencial idade na contratação com o médico em questão, pois que aquele era e é a entidade que prestava e presta os seus serviços de medicina do trabalho; 11) O médico e representante legal da arguida estava – à data da celebração do contrato de prestação de serviços – como ainda está, legalmente habilitado e autorizado para prestar a sua actividade, o que aliás é confirmado pela Circular Informativa n.º… de 16 de Março de 2010 da Direcção Geral de Saúde; 12) A conclusão se retira da leitura cotejada do disposto na alínea c) do nº 2 do artigo 83° e do nº 1 do artigo 84º da Lei nº 102/2009, de 10 de Setembro é de que aquela disposição legal visou claramente obrigar a que a entidade que efectivamente presta os serviços seja uma entidade autorizada e com as qualificações legais para o fazer, situação que no caso em apreço se encontra verificada, sendo deste modo que tais preceitos legais deveriam ter sido interpretados e aplicados - não havendo, como tal, qualquer ilicitude; 13) A disposição legal de que a arguida vem acusada de violar visa punir o exercício da actividade externa sem autorização, nomeadamente para a área, sector ou a actividade de risco elevado, o que na situação em apreço não se verifica; 14) A recorrente B… não preencheu qualquer tipo de contra-ordenação, nem agiu com qualquer grau de culpa, pelo que sempre deveria resultar inaplicável qualquer contra-ordenação, à luz do disposto no artigo 8° do DL nº 433/82, de 27 de Outubro; 15) A recorrente B…, depois de seguir os conselhos da ACT aquando de uma visita inspectiva, veio a ser notificada, em clara manifestação de abuso de direito e violação dos princípios da necessidade, proporcionalidade, eficiência e colaboração com os particulares, para o presente processo contra-ordenacional, em violação do disposto no do artigo 5º do Decreto-Lei nº 102/2000, de 2 de Junho e dos artigos 5°, 7° e 10° do Código de Procedimento Administrativo, ambos neste sentido erroneamente interpretados e aplicados.

16) A sentença em crise violou, por errada interpretação e aplicação, o disposto nos artigos 8°, 12º e 50° do DL nº 433/82, de 27 de Outubro, nos artigos 83º e 84° da Lei nº 102/2009, de 10 de Setembro, no artigo 12° do Código Civil e nos artigos 5°, 7° e 10° do Código de Procedimento Administrativo, pois que todos deveriam ter sido interpretados e aplicados com o sentido expresso nas presentes alegações e conclusões.

___________________5.

Respondeu o Ministério Público propugnando pela manutenção da sentença recorrida.

___________________6.

Neste Tribunal, o Ex.º Procurador-Geral Adjunto deu o seu parecer no sentido da improcedência do recurso.

___________________7.

Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, foram colhidos os vistos legais, após o que foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º 3, alínea c) do mesmo diploma.

___________________II.

Fundamentação 1.

De acordo com o disposto no artigo 51º, nº 1 da Lei nº 107/2009, de 14/09, se o contrário não resultar da mencionada lei, em matéria contra-ordenacional laboral, o Tribunal da Relação apenas conhece da matéria de direito[3].

E, como é sabido, o objecto do recurso penal é delimitado pelas conclusões da respectiva motivação – art.º 403, nº1, e 412º, n.º 1, do CPP, podendo sempre o Tribunal de recurso conhecer de quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida ou ainda os vícios referidos no n.º 2 do art. 410º do Código de Processo Penal, aplicável ex vi dos artigos 41º, nº 1 e 74º, nº 4 do DL nº 433/82 de 27/10 (actualizado pelo...

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