Acórdão nº 473/08.3PAPTS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 13 de Dezembro de 2011
Magistrado Responsável | PAULO GUERRA |
Data da Resolução | 13 de Dezembro de 2011 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
I - RELATÓRIO 1.
No processo comum colectivo n.º 473/08.3PAPTS do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Castelo Branco, por acórdão datado de 15 de Junho de 2011, foi deliberado o seguinte: · Absolveu-se o arguido A..., da prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º, n.º 1, e 204º, n.º 2, e), do C.Penal; · Absolveu-se a arguida B... da prática de um crime de receptação, p. e p. pelo art. 231º, n.º 1, do C.Penal; · Condenou-se o arguido o arguido A..., pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º, n.º 1, e 204º, n.º 2, e), do C.Penal, na pena de 3 (três) anos e 2 (dois) meses de prisão; · Condenou-se o arguido o arguido A..., pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º, n.º 1, e 204º, n.º 1, f), do C.Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão; · Nos termos do art. 77º, do C.Penal, condenou-se o arguido A... na pena única de 4 (quatro) anos e 1 (um) mês de prisão.
2.
Inconformado, apenas o arguido A... recorreu do Acórdão, tendo finalizado a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição): «1° O Tribunal a quo julgou incorrectamente a factualidade vertida sob os n°s 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7 e 9 de factos Provados, porquanto, em relação aos mesmos, na Audiência de Discussão e Julgamento não foi produzida prova bastante para condenar o recorrente pela prática de dois crimes de furto qualificado; 2° Desde logo porque, de nenhum dos depoimentos prestados em Audiência se alcança as circunstâncias e o modo como, alegadamente, o recorrente praticou os factos de que vinha acusado; 3° Dos depoimentos testemunhais não é possível retirar a conclusão de que foi o recorrente quem entrou nas instalações da “X..., S.A.”, utilizando chaves falsas, que conhecia o código do cofre e subtraiu os objectos referidos nos autos; 4° O Tribunal a quo, para dar como assente a factualidade vertida sob os n°s 3 e 4 de Factos Provados, formou a sua convicção com base em depoimentos indirectos; 5° As testemunhas C... e D... apenas referiram aquilo que lhes foi transmitido por outra testemunha da Acusação, E... ., que se recusou a responder em Audiência, no exercício do direito legal que lhe assistia; 6° As testemunhas C... e D... não têm qualquer conhecimento directo dos factos, porquanto não lograram demonstrar que foi o recorrente quem entrou na aludida habitação, sita em ..., nem conseguiram afirmar, sem sombra de dúvida e sem o recurso a presunções e deduções, que o recorrente se apropriou das chaves do veículo Audi, nem em que circunstâncias o terá feito; 7º São flagrantes as dúvidas que perpassam o Acórdão recorrido, acerca das circunstâncias em que ocorreram os factos e que, devendo ter conduzido a um non liquet, foram decididas contra o arguido; 8º Foi violado o princípio in dubio pro reo; 9º A factualidade vertida nos pontos 1, 2, 3, 4, 5, 7 e 9 de Factos Provados não está em sintonia com os depoimentos prestados em Audiência, seja por contradição, seja por insuficiência da prova produzida, motivo pelo qual devem ser eliminados e passar a constar na tábua de Factos Não Provados; 10° Deve a Decisão recorrida ser revogada, por insuficiência da matéria de facto provada e erro notório na apreciação da prova, devendo o recorrente ser absolvido; 11° Sem conceder, a pena de prisão (quatro anos e um mês) aplicada ao arguido ora recorrente deve ser julgada excessiva; 12º O Tribunal a quo não valorou devidamente todas as circunstâncias que, não fazendo parte do crime, depuseram a favor do arguido; 13º À data dos factos, o recorrente era consumidor de heroína o que, para além de lhe embotar o discernimento, o colocava na necessidade de se abastecer, praticando, por causa disso, alguns factos criminais; 14ºAssim enfocado todo o entorno dos factos criminosos, por certo que o dolo diminui, por certo que a gravidade dos factos se atenua; 15º A pena aplicada ao recorrente deve ser atenuada, para que o tribunal alcance a uma pena de prisão não superior a 2 anos e cinco meses: 16º A Decisão recorrida violou as seguintes normas jurídicas: art° 32° n° 2 da Constituição da República Portuguesa e art°s 40º, 50° e 71° do Código Penal.
Nestes termos e nos melhores de Direito, o Acórdão de 15.JUN/201 1 deve ser revogado e substituído por outro que, no sentido da factualidade carreada para os autos, absolva o arguido da prática dos crimes de que estava acusado, ou, se assim superiormente se não entender, a aplicação de pena que se não ataste dos mínimos previstos na respectiva moldura penal, ou no mínimo, a redução substancial da pena aplicada pelo Tribunal a quo».
3.
O Ministério Público em 1ª instância respondeu ao recurso, defendendo que: «1- A Prova produzida sustenta a condenação, não sendo prova indirecta.
2-Mas, ainda que o fosse, tal seria admissível.
3- Não subsiste qualquer erro notório na apreciação da prova ou insuficiência da matéria provada para a decisão recorrida e alcançada.
4- A pena não é excessiva, sendo justa e equilibrada e não foram violadas quaisquer normas legais, designadamente as apontadas pelo recorrente.
5- A pena imposta era exigida face aos vastos antecedentes criminais do arguido: princípios de prevenção especial e geral das penas.
6- A decisão recorrida não enferma de qualquer vício ou imperfeição técnica que a torne impugnável.
7- Deve, pois, ser TOTALMENTE negado provimento ao recurso e ser mantida, nos seus precisos termos a decisão recorrida».
4.
Admitido o recurso e subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se, a fls. 498, no sentido de que o recurso não merece provimento.
5.
Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º2, do Código de Processo Penal, foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º 3, alínea c) do mesmo diploma.
II – FUNDAMENTAÇÃO 1.
Conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 119º, n.º 1, 123º, n.º 2, 410º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPP, Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242 e de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271).
Assim, balizados pelos termos das conclusões[1] formuladas em sede de recurso, as questões a decidir consistem em saber: - se há erro de julgamento quanto aos factos 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7 e 9; - se há algum vício do artigo 410º/2 do CPP; - se a pena é adequada e não é de a atentar especialmente.
2.
DO ACÓRDÃO RECORRIDO 2.1.
O tribunal a quo considerou provados os seguintes factos, com interesse para a decisão deste recurso (transcrição): «Da Acusação Pública, integrada pela alteração não substancial oportunamente comunicada ao arguido A...: 1º Em data concretamente não apurada, mas entre o dia 19 de Dezembro, após as 18 horas, e o dia 22, antes das 7 horas, do mesmo mês, de 2008, o arguido A... dirigiu-se às instalações do armazém pertença da firma «X..., SA.», sitas no local denominado Retorta, em ....
-
Uma vez aí, o arguido A..., usando cópia das chaves da porta de entrada do escritório e da sala anexa da «X..., S.A.», entrou nessas instalações e retirou do interior de um cofre existente no mencionado escritório, que se encontrava fechado e de que o arguido conhecia o código por ali ter trabalhado, um computador portátil de marca FUJITSU e pelo menos € 70 em dinheiro.
Nas mesmas circunstâncias de tempo, o arguido retirou outro computador portátil, de marca Toshiba, bem como um telemóvel marca Nokia, dois carregadores de telemóvel marca Nokia, um manual de instruções de telemóvel e um molhe de chaves, tudo localizado na mencionada sala anexa ao escritório, que também se encontrava fechada.
Os objectos retirados nas ditas circunstâncias ascendiam ao valor global não inferior a € 918,00.
-
Em data concretamente não apurada, mas anterior a 25 de Dezembro de 2008, pelas 12 horas, o arguido dirigiu-se à residência sita na Rua … pertença de E....
-
Uma vez aí, por forma concretamente não apurada, contra a vontade e sem a autorização das pessoas aí residentes, designadamente da referida E..., logrou entrar em tal residência e daí levar em seu poder, pelo menos, um rato para computador, da marca «FCC E», de cor cinza e preto, um carregador de telemóvel marca «LG», um teclado de computador, marca «FCC Notice», de cor cinza e preto, um prato de cristal acondicionado numa caixa com a designação «F& D, Light, quality cristal glass», com o valor comercial de €10, 00, um fio de ouro, com malha corrente, com cerca de 50 cms., com uma medalha oval em ouro, com o signo touro, no valor de €300, 00, e um brinco em ouro, «bola de Viana», no valor de €80, 00.
O arguido, nas mesmas circunstâncias de modo, apropriou-se das chaves do veículo Audi matrícula … e, na posse destas, também do referido veículo, tudo pertença da dita E... ..
-
Em ambas as ocasiões e circunstâncias descritas, o arguido apropriou-se dos bens referidos, integrando-os no seu património, sabendo que os mesmos não lhe pertenciam e que actuava contra a vontade dos respectivos proprietários.
-
Alguns dos referidos objectos foram encontrados na posse do arguido por elementos da GNR, no interior do mencionado veículo, e entregues aos seus proprietários.
-
O arguido A..., entre Dezembro de 2008 e 15 de Janeiro de 2009, fez a entrega à arguida B... de uma pulseira em ouro em troca de €20, 00.
-
[2] Actuou o arguido A...de modo livre e voluntário, tendo perfeito conhecimento que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
* Outros Factos: São conhecidos ao arguido A...os seguintes antecedentes criminais: por factos integrantes do crime de furto qualificado, praticados a 23.12.1996, por sentença de 09.12.1997, transitada em julgado, foi condenada na pena de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO