Acórdão nº 2635/07.1TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Dezembro de 2011

Magistrado ResponsávelSALAZAR CASANOVA
Data da Resolução15 de Dezembro de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.

Delegação Portuguesa do Instituto Missionário da Consolata intentou no dia 4-6-2007 acção declarativa com processo ordinário contra AA e BB-B...-Banco ..., S.A. pedindo a condenação do réus no pagamento de 3.584.119,00€ a título de indemnização pelos prejuízos causados à A. pela actuação ilícita do réu AA enquanto empregado do 2.º réu BB-B... e em acto de serviço com juros à taxa legal sobre aquele montante desde a interpelação ao 2.º réu em 5-4-2006 até efectivo pagamento e a liquidar em execução de sentença.

  1. A A. era titular de duas contas bancárias de depósitos à ordem (DO) associadas a contas de depósito a prazo (DP) no BB-B... sendo o réu AA empregado do Banco desde meados de 1999 desempenhando funções de gestor de conta de vários clientes entre os quais a A.; no âmbito da sua actividade, o réu AA, assumindo-se como profundo conhecedor do mercado de títulos, contactou, pessoal e telefonicamente, o representante da autora, propondo-lhe aplicações financeiras seguras que possibilitariam melhor remuneração do que os depósitos a prazo.

  2. Quanto ao modus faciendi, o réu AA, tendo em vista proceder às aplicações financeiras, solicitava ao representante da Consolata que lhe entregasse cheque ao portador, sacado sobre DO, no montante do depósito a prazo a resgatar mediante ordem de transferência escrita dada pela A. do valor do DP para conta de DO; tal cheque iria servir para aquisição de títulos de investimento a depositar no Dossiê/Títulos da cliente; no caso da conta DO que não dispunha nem usava cheques, procedia o réu AA à transferência dos valores dessa conta para a outra conta de DO 4.

    No entanto, os cheque entregues em vez de serem utilizados para aquisição de títulos ou eram depositados noutra instituição de crédito em conta de que não era a A. titular ou eram entregues a outrem, assim se dando extravio dos valores da A.

  3. O valor reclamado é o total de sucessivas operações que levaram à perda da quantia agora reclamada.

  4. A acção foi julgada parcialmente procedente tendo sido os réus condenados solidariamente a pagar à A. a quantia peticionada com juros moratórios vencidos e vincendos, contados à taxa anual de 4% e devidos desde 18-6-2007 ( data da citação dos réus) até integral pagamento.

  5. Da sentença recorreram BB-B...- Banco..., S.A.. e, subordinadamente, a A.

  6. O Tribunal da Relação concedeu provimento parcial ao recurso do BB-B..., negando provimento ao recurso subordinado da A. por considerar que houve, no caso, concorrência de culpas, fixando-se a do lesado em 25% e a do BB-B... em 75%, e, deste modo, alterou a sentença recorrida, condenado o BB-B... a pagar à A. a quantia de 2.688.089,20€ com juros de mora desde 18-6-2007.

  7. Recorrem, de revista, para o Supremo Tribunal A. e réu BB-B...

  8. A A. conclui a sua minuta de recurso nestes termos: 1.ª- O douto acórdão recorrido, estribando-se no n.º 1 do artigo 570.º do Código Civil entendeu que há no caso em apreço culpa concorrente dos lesantes AA e BB-B... e da lesada autora, atribuindo àquele 75% e a esta 25% da responsabilidade nos danos; porém, e salvo o devido respeito, nem a prova feita, nem uma correcta interpretação da lei aplicável justifica tal desiderato.

    2.º- Não se presumindo, no caso vertente, a culpa do lesado (n.º 1 do artigo 487.º do Código Civil) , é antes ao réu-recorrente BB-B..., agora recorrido, que incumbe o ónus da prova dos factos (n.º1 do artigo 342.º do Código Civil) que, em seu entender, integram a invocada conculpa do lesado de que pretende tirar proveito. E, 3.º- “A culpa é apreciada pela diligência de um bom pai de família em face das circunstâncias de cada caso ( n.º 2 do artigo 487.º do Código Civil). Por outro lado, 4.º- A regra do n.º1 do artigo 570.º do Código Civil “ deve ser aplicada com a maior prudência, quer quanto à sua utilização, quer quanto à extensão da redução, uma vez que contraria o direito do lesado ao ressarcimento integral” conforme refere o prof. Galvão Teles in Obrigações, pág. 357, nota 1. E nunca pode conduzir a uma redução drástica que configure anulação do direito ao lesado a uma justa indemnização (conforme o Prof. Menezes Cordeiro in Da Responsabilidade, pág. 550 e segs.). Acresce que, 5.ª- Não resulta duma adequada interpretação dos factos provados que a autora tenha omitido a diligência que lhe era exigível, tanto no controlo das suas contas bancárias no BB-B..., como nos contactos com o seu empregado AA, gestor da sua conta, e não sendo censurável a conduta da A., tanto no plano objectivo como no plano subjectivo, a sua culpa relevante não foi efectivamente demonstrada.

    1. - Não é exigível que a A., ora recorrente, devesse desconfiar do empregado bancário AA ao serviço do BB-B..., que era o seu gestor de conta e era sempre com ele que tratava dos seus assuntos, pois não podia admitir ou pensar que o Banco BB-B... tivesse ao seu serviço um empregado desonesto, já que não tinha razões para assim pensar; tanto mais que se tratava de um Banco onde se presume ter as tarefas dos seus funcionários capazmente controladas por uma organização hierarquizada e fiscalizada por apertados sistemas de controlo e auditorias internas eficazes, que lhe são impostas pelos Regulamentos da Actividade Bancária.

    2. - Também não era pois exigível à A. , ora recorrente, que era representada junto do AA pelo Sr. Padre CC, que é missionário da Consolata, que se revestissem os seus contactos sob os padrões da desconfiança e suspeição, já que pela natureza religiosa da sua formação e a extrema correcção da sua postura moral perante o BB-B... e naturalmente perante o seu empregado AA.

    3. - O regime da culpa do lesado demonstra a vertente sancionatória da responsabilidade subjectiva , o que implica a ponderação de ambas as culpas e das consequências que deles resultaram para daí se estabelecer a indemnização. Mas, “ para este regime se aplicar é necessário que a actuação do lesado seja subjectivamente censurável em termos de culpa, não bastando a mera causalidade da sua conduta em relação aos danos ( in Prof. Meneses Leitão, Direito das Obrigações, Vol 1, 5º ed., pág. 917 e nota (3), Almeida Costa, Obrigações, pág. 725/726 e Ribeiro de Faria, Obrigações, I, pág. 523.

    4. - Doutrina há que defende que a existência de dolo do lesante exclui a ponderação da culpa do lesado ( vide Ribeiro de Faria in Obrigações, I, pág. 523). E aceitando esta linha doutrinal temos que, no caso vertente, a actuação do réu AA foi dolosa, já que dolosos são os crimes de abuso de confiança na forma continuada, burla na forma continuada e falsificação de documento porque ele foi condenado em 25-7-2008 (alínea c) de fls. 465) no processo-crime que com o N.º 527/06.OTALRA pelo 2.º Juízo Criminal do Tribunal de Círculo de Leiria, conforme sentença que está de fls. 420 a 467 destes autos; e esta mesma sentença serviu também de fundamentação às respostas à matéria de facto - n.º s 1 a 113 e 115 a 153 da b.i. da douta sentença da 13.ª Vara Cível de Lisboa constante de fls. 1058. e segs maxime fls. 1079 destes autos.

    5. - Nenhum dos factos provados, nem os documentos e outros elementos de prova carreados para os autos, contêm o menor traço de negligência ou configura qualquer omissão de zelo por banda do Sr. Padre CC , representante da A. junto dos réus Banco BB-B... e do seu empregado AA ( facto n.º 5 provado no acórdão). Ao invés, 11.ª- Refere o douto acórdão recorrido, pretendendo ver nisso falta de cuidado por banda do A., que esta, ao ter exigido o extracto da sua conta de títulos, tenha aceite do réu AA, em 3 ocasiões e sem desconfiança, uns extractos sem carimbo do banco (que constam de fls. 64, 65, 66, 67 e 68) , extractos esses que mais tarde o próprio AA confessou serem falsos o que o Banco confirmou. Porém, há que ter em conta que já não era a primeira vez que o BB-B... fornecia à A., ora recorrente, extractos bancários verdadeiros sem que os mesmos tivessem carimbo, ou emitidos em papel sem logotipo do BB-B....

      Vide, a título de exemplo, os extractos que o Banco aceitou como verdadeiros e feitos pela A. de fls. 28 a 35 e 756 e 757.

    6. - De salientar ainda que, na maioria das operações bancárias em que o AA interveio, este preencheu e assinou os respectivos impressos do BB-B... que entregou ao Padre CC : veja-se a título de exemplos os doc. de fls. 38, 43, 44, 48, 51, 56, 57 (doc. 21), 60, 61.

    7. - Atentas as circunstâncias concretas em que perante o caso se desenrolou a actuação do Sr. Padre CC , representante da A. junto do AA, empregado do BB-B... e deste, tornam desculpável a actuação daquele, funcionando como causa de justificação geradora da sua “ desculpabilidade”.

    8. - A responsabilidade do réu BB-B... é total e exclusiva na medida em que falhou em absoluto no controlo apertado e funcional que se impunha à actuação do seu desonesto empregado co-réu AA, assistindo sem reacção aos sucessivos levantamentos e transferências de contas da autora, tanto mais que exerce uma actividade de alto risco - a bancária - incumbindo-lhe a responsabilidade acrescida de zelar pelos interesses e depósitos dos clientes que nele confiam.

    9. - Assim não tendo decidido, isto é, não atribuindo aos réus AA e BB-B... a totalidade da responsabilidade dos prejuízos sofridos pela autora, cometeu o douto acórdão recorrido erro de interpretação e aplicação do n.º 1 do artigo 570.º do Código Civil, norma que, por isso, violou. E em tal medida se pede a revogação do acórdão recorrido e a condenação solidária dos réus no pagamento total da indemnização pedida.

      16.º- Na questão de saber desde quando são devidos os juros, o douto acórdão recorrido, entendeu , com base no n.º 1 do artigo 805.º do Código Civil, serem eles os devidos desde a citação ocorrida em 18-6-2007, e não como a SA. pediu, desde a carta que esta enviou ao BB-B... em 5-4-2006 por entender que tal carta não interpelou o réu para cumprir a obrigação, mas apenas lhe deu conhecimento que o considerava responsável pela actuação do seu empregado e co-réu...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
3 temas prácticos
3 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT