Acórdão nº 2313/10.4TCLRS.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 23 de Novembro de 2011

Magistrado ResponsávelMARIA JOSÉ MOURO
Data da Resolução23 de Novembro de 2011
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam na Secção Cível (2ª Secção) do tribunal da Relação de Lisboa: * I - «A – Arquitectos Associados Unipessoal, Lda.» intentou o presente procedimento cautelar comum contra “B”.

Alegou, em resumo, que tendo tomado de locação financeira um veículo automóvel que passou a utilizar, nomeadamente no exercício da actividade do seu objecto social, facultou à requerida a sua utilização e esta recusou-se a restituir-lho; a requerente carece do veículo para as deslocações que a sua actividade implica, continuando a pagar as rendas sem a contrapartida da respectiva utilização, além de que a sua imobilização lhe causará uma inerente deterioração e de que o veículo se desvalorizará em forte proporção; acresce não dispor a requerida de qualquer património e ter muitas e avultadas dívidas.

Pediu que seja ordenada a entrega do veículo à requerente.

A requerida foi citada e na oposição apresentou uma diferente versão dos factos.

Produzida a prova indicada pelas partes foi proferida decisão que indeferiu a providência requerida.

Desta decisão apelou a requerente concluindo nos seguintes termos a respectiva alegação de recurso: 1ª- Embora os factos enumerados nas páginas 3 a 5 da decisão recorrida, extraídos do requerimento inicial, consubstanciarem os requisitos para o decretamento da providência, a decisão recorrida não a decretou por ter entendido que esta actuava com abuso de direito (Cód. Civil, art. 334º).

  1. - Fê-lo por ter dado por provado o que disse ter extraído da Oposição, de que «a Requerente e a sociedade representada pela Requerida acordaram na permuta do usufruto do veículo objecto dos autos com a propriedade de um outro; este último ficou na posse do legal representante da Requerente, que o entregou a terceiro no âmbito de outro negócio».

  2. - Ora, desde logo, as expressões: «outro negócio»; «terceiro»; e «entrega», são meras conclusões de direito, como tal considerandos abstractos, não se encontrando evidenciados os factos que, uma vez alegados e provados, as permitissem, ou seja a concretização do «negócio», do «terceiro» e da natureza da «entrega».

  3. - Dado conter apenas e tão-só conclusões, o (suposto) «facto» em questão deverá desde logo ter-se como não escrito (cfr. Ac.s ------ ).

    Sem conceder: 5ª- Na decisão recorrida, o Tribunal consignou que na sua Oposição a Requerida alegara «que o referido veículo foi abandonado pela Requerente e que, desde aí, se encontra à guarda da sociedade de que é gerente»; enquanto que, na parte inicial do referido «facto», a mesma decisão dá por provado que «Requerente e sociedade representada pela Requerida acordaram na permuta do usufruto do veículo objecto dos autos com a propriedade de um outro» - o que se trata de uma contradição nos próprios termos, pois que uma coisa é algo de radicalmente diferente da outra.

  4. - Sem prejuízo de esse «outro» veículo não se encontrar concretizado e identificado, muito menos a respectiva propriedade, o Tribunal não podia considerar provado em prol da Requerida algo que não foi aquilo que ela alegou como sua defesa (Cód. Proc. Civil, art. 664º).

    Sempre sem prescindir: 7ª- A decisão recorrida disse que para ter dado por provado o facto (aliás conclusivo) em questão, ter-se-ia baseado no depoimento de parte; mas o que deste se extrai é que originariamente teria havido um projecto de a Recorrida passar a ser a locatária do veículo da Recorrente e de um daquela ser entregue por esta como parte do preço de um outro.

  5. - Um projecto, que não algo de concretizado ou, como disse o gerente da recorrente no seu depoimento, algo que «não chegou a ser formulado», expressão a que a decisão recorrida atribui o sentido de formalizado, mas que em termos de normais declarante e declaratário tem o sentido de concretizado (sendo aliás esse o que resulta do teor global desse depoimento).

  6. - Mas, mais relevante, afirma a decisão recorrida que esse «acordo» teria sido «cumprido» pela Requerida, quando, para tal se concluir, teria de se ter apurado: ou que ela teria transmitido para a Requerente a propriedade do veículo; ou que esta teria colhido um benefício patrimonial com o mesmo – tendo recebido o preço da respectiva venda ou ter tido qualquer outra vantagem.

  7. - Na realidade, apenas aí se poderia afirmar que a Requerida «teria cumprido a sua parte», desapropriando-se de um veículo a favor da Requerente, em que esta teria com isso colhido um benefício, uma vantagem (qualquer uma) – mas nada disso foi dado por provado, nem mesmo alegado.

  8. - Pois se a decisão recorrida diz que a propriedade do tal «outro» (?!) veículo «ficara de passar» para a Requerente, o «cumprimento» implicaria essa «passagem» - o que não foi dado por demonstrado.

  9. - Sem perder de vista que dizer-se que ela «cumpriu» é mais uma conclusão de direito (!), pois que para se concluir por um «cumprimento», teriam de se ter por demonstrados factos que permitissem a asserção – e eles inexistem.

    13ª- Não pode pois de forma alguma afirmar-se, como faz a decisão recorrida, que a Requerida «teria cumprido» a sua parte na transacção originariamente projectada.

    Ainda sem prejuízo, mais se dirá: 14ª- Mesmo não se tratando de matéria alegada, vê-se da cópia da p.i. da acção intentada pelo gerente da Requerente contra a «C» [cópia que se deve ter como exacta – Cód. Proc. Civil, art. 515º], que o negócio da compra do veículo «Alfa Romeo», a final, não se concretizou.

  10. - Mesmo que, para efeitos de raciocínio e em detrimento da Requerente, se admitir que estaria projectada a dação em pagamento de um veículo da Requerida como parte do preço desse «Alfa Romeo», se essa compra não se concretizou, segue-se que a Requerente (ou o seu gerente) não colheu qualquer vantagem, mormente patrimonial, dessa possível disponibilidade.

  11. - Em suma, ao invés do que a decisão recorrida considerou como base do «facto» (conclusivo) que deu como provado, a Requerida não cumpriu coisa alguma qualquer “parte” que lhe competisse num eventual originariamente projectado acordo.

  12. - Por outro lado, se o veículo da Requerida foi vendido mediante sua, dela, autorização expressa, ela, uma de três: - ou ela recebeu o preço da compradora; ou tem o correspondente direito de crédito sobre esta; ou, se ele foi vendido à revelia dela ou contra a vontade dela (o que parece difícil de conceber), ela terá então o direito a ser indemnizada em conformidade.

  13. - A Recorrente está desapossada do veículo de que é locatária legítima há já cerca de um ano e meio, tendo vindo a pagar as respectivas rendas, sem a contrapartida da utilização.

  14. - O referido «facto» (abstracto) que foi considerado provado na decisão recorrida está, inclusivamente, em contradição com aquilo que a própria Requerida afirmou, não só, como já se focou, na Oposição apresentada (e que a decisão recorrida transcreveu) como também noutras sedes.

  15. - Do despacho de arquivamento dos Serviços do Ministério Público de Matosinhos junto aos autos, extraído do processo crime que ela intentou contra o gerente da aqui recorrente, consta que ela alegou, aí, que este «lhe pedira um veículo emprestado e que não o devolveu», e que o gerente da Requerente «vendera o veículo sem autorização dela».

  16. - Também aí de modo algum ela alega a existência de um «acordo de permuta» de usufruto do veículo dos autos e da «propriedade» de um outro – donde mais uma vez se constata que a decisão recorrida considera provado um «facto» (conclusivo, como se referiu) desconforme à versão que a própria Requerida já antes apresentara! 22ª- Consta também daí que o Mº Pº solicitou à aqui Requerida que explicasse como aparece a sua assinatura no documento da «C» em que esta pedia (!) a liquidação do contrato de financiamento de uma viatura dela – e ela… nada disse.

  17. - Face ao exposto, conclui-se que a Recorrente de forma alguma está a abusar do seu direito ao pretender reaver a viatura de que é locatária, da qual paga as rendas e que a Requerida utiliza sem qualquer contrapartida.

    Finalmente: 24ª- A decisão recorrida considerou «não provado» que a renda seja actualmente de € 337,58, mas do contrato de locação financeira consta que essa renda era, à data dele, de «€ 275,58 + € 1,00 + IVA», pelo que deveria ter-se como provado que renda é pelo menos essa – o que deve ser alterado por este Tribunal, por constarem do processo...

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