Acórdão nº 0983/11 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 30 de Novembro de 2011

Magistrado ResponsávelVALENTE TORRÃO
Data da Resolução30 de Novembro de 2011
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1. A Fazenda Pública veio recorrer da decisão do Mmº Juiz do TAF de Penafiel que, por considerar ter sido preterido o direito de audição prévia, julgou procedente a reclamação da decisão do órgão da execução fiscal que lhe negou pedido de pagamento da dívida exequenda em prestações, apresentando, para o efeito, alegações nas quais conclui: A). Vem o presente recurso interposto da douta sentença que concedeu provimento à reclamação apresentada e anulou o despacho de indeferimento do pedido de pagamento em prestações da divida em cobrança coerciva, por considerar tal despacho ferido de vício de forma, por falta do exercício do direito de audição.

B). Centra-se a questão a decidir na aplicação ou não do princípio da participação dos executados na formação da decisão de indeferimento de um pedido de pagamento em prestações formulado no âmbito de um processo de execução fiscal.

C). O artº. 60.° da LGT regula o direito de audição que assiste aos contribuintes interessados de serem ouvidos num determinado procedimento antes de ser proferida a decisão, com vista a garantir a real observância dos princípios do contraditório, da participação e da transparência procedimental.

D). A leitura deste preceito revela-nos que o direito de audição aí previsto depende de um procedimento dirigido à declaração de direitos tributários, não se aplicando quando o pedido dirigido à Administração Tributária (doravante, AT) não tiver aptidão para iniciar esse tipo de procedimento.

E). Cumpre ter presente que o processo de execução fiscal tem natureza judicial, não sendo um procedimento tributário, pelo que, apesar de no mesmo puderem ser praticados actos que não tenham natureza jurisdicional, designadamente actos administrativos, uma vez que ao chefe do órgão de execução fiscal cabe-lhe uma função administrativa, F). o certo é que estamos no seio de um processo judicial e aos seus actos aplicam-se as normas de processo previstas na lei, seja do CPPT, LGT, seja em casos omissos o CPC (ex vi art. 2°, alínea e) do CPPT).

G). Analisadas as regras processuais relativas ao processo de execução fiscal, dada a sua natureza judicial, as mesmas não prevêem o exercício do direito de audição antes de tomada uma decisão no âmbito do processo de execução fiscal, excepção feita ao acto de reversão, que antes da decisão fundamentada, tal como previsto na lei – artº. 23°, n.° 4 da LGT - deverá ser precedido de audição do revertido.

H). Por aqui se vê que as normas do procedimento tributário não são aplicáveis ao processo de execução fiscal, ou seja, no exemplo em concreto, face à não aplicação do principio da participação previsto no artº. 60° da LGT aos actos praticados no âmbito do processo de execução fiscal, teve o legislador necessidade de prever expressamente na lei o cumprimento desse principio aquando do acto de reversão da divida exequenda.

I). O art. 60° da LGT respeita a um direito que os contribuintes têm durante o procedimento tributário, procedimento tributário esse que, tal como refere o artº. 54° da LGT, onde descreve o âmbito e a forma do procedimento tributário, exclui do mesmo no seu n.° 1, alínea h) "A cobrança das obrigações tributárias, na parte que não tiver natureza judicial".

J). Mesmo que se considere que apesar do processo de execução fiscal ter natureza judicial, os actos ou decisões ai tomadas são de natureza administrativa, as normas que lhe são aplicáveis são tão só as respeitantes a esse mesmo processo de execução fiscal e não as previstas para todo e qualquer procedimento tributário, que como se viu a alínea h) do n.° 1 do artº. 54° da LGT, até expressamente exclui.

K). Vale isto por dizer que não foi violado qualquer princípio de participação antes da decisão, pela simples razão de que o mesmo se não aplica no processo executivo.

L). No âmbito de um processo de execução fiscal, após requerimento do executado, impõe-se ao órgão decisor a consequente decisão, sem necessidade de previamente facultar àquele um projecto da decisão ou de ouvi-lo sobre a matéria, uma vez que as normas processuais aplicáveis ao processo de execução judicial não contemplam a necessidade de obter a colaboração do interessado na formação da decisão.

M). Aliás, tal se compreende dadas as características da execução fiscal. Pois, N). "A execução fiscal, dado o seu fim de arrecadação coerciva de dívida ao Estado ou entidades equiparadas, caracteriza-se, em primeira linha, pela sua celeridade (...) [, tendo] este princípio geral (...) uma notável premência nesta forma de processo" - cfr. Laurentino da Silva Araújo, Processo de Execução Fiscal, Almedina, p. 27.

O). Como refere, Soares Martinez, in Direito Fiscal, 7ª edição, p. 444, "no processo de execução fiscal está em causa a cobrança de receitas tributárias que visam "a satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas" e a promoção da justiça social, da igualdade de oportunidades e das necessárias correcções das desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento - artigo 5.°, n.° 1, da Lei Geral Tributária." P). E foi em consonância com o interesse público e a maior celeridade processual, de molde a obter-se a mais rápida arrecadação de receitas públicas a cobrar coercivamente, que o legislador fiscal no processo de execução fiscal regulou integral e imperativamente o regime de cobrança coerciva, não tendo expressamente previsto o exercício de audição prévia aquando da decisão do pagamento da divida exequenda em prestações, face desde logo à natureza judicial que lhe quis imputar.

Q). De resto, o processo de execução fiscal como processo judicial que é, permite todos os meios de impugnação próprios dos actos judiciais, garantindo um esclarecido e conveniente exercício e defesa dos direitos do executado, como o presente meio processual - reclamação prevista no art. 276° do CPPT, R). ou seja, a um requerimento segue-se uma decisão, passível, como decorre da lei do respectivo recurso (no caso, reclamação) para o tribunal competente, acrescendo ainda a possibilidade do órgão de execução fiscal antes da subida da reclamação apresentada ao Tribunal competente, poder revogar o acto reclamado, nos termos do artº. 277.°, n.° 1 e 2 do CPPPT, caso entenda que os argumentos apresentados pelo reclamante são coerentes com uma decisão em sentido diferente.

S). Destarte, decidindo como decidiu o Tribunal a quo, incorreu em erro de julgamento na aplicação do direito.

Sem prescindir, T). Na hipótese de se entender, o que não se concede, que perante uma decisão de indeferimento de um pedido de pagamento em prestações, estamos perante um procedimento tributário ínsito num processo judicial, aplicando-se então o artº. 60.° da LGT, U). tendo por base toda a análise doutrinal e jurisprudencial que se faz do direito de audição prévia dos interessados, diremos que esta prerrogativa apenas se configura como obrigatória nos procedimentos em que se verifica a existência de diligências instrutórias capazes de alterar a posição da AT, V). o que no caso do pedido de pagamento em prestações de uma divida em cobrança coerciva, uma vez que não se verifica esta fase instrutória, não existe obrigatoriedade de audição procedimental, pois, é dispensável o exercício do direito de audição prévia quando a questão é exclusivamente de direito, em que o que está em causa é apenas questão de subsunção dos factos tributários e jurídicos ao direito aplicável.

W). À AT não se impõe a notificação do interessado para o exercício do direito de audição quando a mesma apenas aprecia os factos que lhe foram oferecidos pelo contribuinte, limitando-se na sua decisão a fazer a interpretação das normas legais aplicáveis ao caso, o que sucederá relativamente a todas as decisões sobre petições ou requerimentos, em que aquela se limita a concluir, face aos factos e argumentos invocados pelo contribuinte e a lei aplicável, pela improcedência da sua pretensão.

X). Veja-se neste ponto, António Lima Guerreiro, in Lei Geral Tributária - Anotada, Lisboa, Editora Rei dos Livros, 2001, pp. 277-278, onde se lê que "O direito de audição depende igualmente do que a doutrina chama de uma «prévia instrução procedimental» (ver Pedro Manchete, «Conceito de instrução procedimental e relevância invalidante da preterição da audição dos interessados» in «Justiça Administrativa» número 12, pgs. 3 e sgs.): ou seja, de um conjunto de formalidades, informações, pareceres, apresentação ou produção de prova, realização de diligências, vistorias e exames necessários à prolação do acto. Sem instrução nesse sentido amplo, não há dever de audição procedimental, que incide, assim, apenas sobre a matéria de facto e não sobre as normas de direito aplicáveis".

Y). E ainda que, "O próprio princípio da participação inscrito no artigo 267°, número 5, da C.R.P. incide, apenas, sobre a verificação e identificação dos factos relevantes para a decisão. *No mesmo sentido concorrem o artigo 100°, número 1, que prevê exclusivamente o exercício do direito de audição junto do órgão instrutor, e o artigo 103°, número 2, alínea a), que dispõe esse direito ter por objecto as provas produzidas. As questões meramente de direito não cabem, assim e salvo legislação especial, no âmbito do mero direito de audição".

Z). Por não se prever uma fase de instrução prévia na decisão a proferir quanto ao pedido de pagamento em prestações da divida em cobrança coerciva, a falta de audição não prejudica a validade da decisão porquanto, segundo um juízo de prognose póstuma, este seria sempre praticado da mesma forma e...

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