Acórdão nº 00305/07.0BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 25 de Novembro de 2011

Magistrado ResponsávelJos
Data da Resolução25 de Novembro de 2011
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: Relatório Maria… - residente na rua…, Maia – intentou no Tribunal Administrativo e Fiscal [TAF] do Porto acção administrativa comum, sob a forma ordinária, pedindo a condenação do réu, Estado Português [EP], a pagar-lhe as seguintes quantias: - Pelo menos 15.000,00€ a título de ressarcimento de danos morais; - Pelo menos 10.000,00€ a título de indemnização de danos patrimoniais; - Despesas de abertura de dossier, despesas administrativas e de expediente, taxas de justiça pagas, eventualmente, pela autora, despesas de certidões, despesas de tradução de documentos e quaisquer outras; - Honorários a advogado, nunca inferiores a 5.000,00€; - Juros de mora, à taxa de 4% ao ano, desde a citação e até efectivo pagamento das anteriores quantias; - Quantias que, eventualmente, sejam devidas a título de imposto sobre as quantias recebidas do Estado; - Custas e demais encargos legais.

Alicerça a responsabilidade do réu, Estado Português, por esses pagamentos, na sua conduta ilícita e culposa no âmbito da tramitação da acção de regulação do poder paternal que intentou no Tribunal de Família do Porto [Processo nº562/99 do 2º Juízo e 1ª Secção]. Nesse processo, diz, o procedimento dos serviços do Ministério dos Negócios Estrangeiros, do Ministério da Justiça, dos Consulados, e do Tribunal de Família do Porto, resultaram num intolerável atraso na administração da justiça, dado que aquela acção urgente de regulação do poder paternal, que deu entrada em juízo a 08.07.1999, ainda não findou relativamente à sua filha C…, tendo findado apenas quanto a ela, autora, por despacho de 04.12.2006.

Em termos de direito, alega que o Estado Português violou a sua obrigação de proferir uma decisão jurisdicional em prazo razoável, tal como mandam a Convenção Europeia dos Direitos do Homem [artigos 6º nº1, e 8º, da CEDH, e 1º do Protocolo nº1 que está a ela anexo], e a Constituição da República Portuguesa [artigo 20º nº1 e nº4 da CRP].

O TAF do Porto, após julgamento, e por sentença proferida em 21.12.2010, absolveu o réu, Estado Português, dos pedidos contra ele formulados. Na verdade, não obstante ter entendido que o esgrimido atraso na administração da justiça configurava, em concreto, e face aos critérios que têm vindo a ser adoptados pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem [1) Complexidade do assunto; 2) Avaliação do comportamento das partes; 3) Actuação das entidades judiciais; e 4) Finalidade do processo], a violação do direito da autora a obter, em prazo razoável, uma decisão da acção de regulação do poder paternal que intentou, entendeu, porém, que ela não logrou demonstrar que se tenham produzido na sua esfera jurídica danos de natureza patrimonial, que apenas articulou de forma vaga e genérica, e que os danos não patrimoniais apurados não se revestem de grau de gravidade que justifique, face à lei, concessão de ressarcimento.

Discordando desta sentença do TAF do Porto, a autora veio dela interpor recurso jurisdicional.

Enquanto recorrente, conclui assim as suas alegações: 1- Existe primado do direito convencional sobre todo o direito nacional, o qual é de aplicabilidade directa; 2- O Estado é responsável por todos os actos de qualquer dos seus órgãos, incluindo Consulados; 3- Tendo sido violado o direito à justiça em prazo razoável, deveria o réu Estado ser condenado nos danos morais e patrimoniais, como peticionado, bem como nos honorários; 4- Nestes termos e nos demais de direito, deve a presente acção ser julgada procedente, por provada e, em consequência, deve: 1) Declarar-se que o Estado Português violou o artigo 6º, nº1, da CEDH e o artigo 20º, nºs 1 e 4 da CRP no seu segmento “direito a uma decisão em prazo razoável”; 2) Declarar-se que o Estado Português violou o artigo 8º da CEDH no seu segmento direito à vida familiar da autora, como consequência da duração irrazoável do processo; 3) Declarar-se que o Estado Português violou o artigo 1º do Protocolo nº1 anexo à CEDH, como consequência da duração irrazoável do processo; 4) Condenar-se o Estado Português a pagar à autora: a) Uma indemnização por danos não patrimoniais ou morais nunca inferior a quinze mil euros; b) Uma indemnização por danos patrimoniais nunca inferior a dez mil euros; c) Despesas de abertura de dossier, despesas administrativas e de expediente, taxas de justiça pagas, eventualmente, pela autora, despesas de certidões, todas as despesas de tradução de documentos e quaisquer outras; d) E honorários a advogado neste processo nos Tribunais Administrativos, conforme artigos 30º e seguintes, mas nunca inferiores a cinco mil euros; e) Juros de mora à taxa legal de 4% ao ano desde a citação até efectivo pagamento sobre as quantias referidas em a) e seguintes; f) A todas as verbas atrás referidas devem acrescer quaisquer quantias que, eventualmente, sejam devidas a título de imposto que incida sobre as quantias recebidas do Estado; g) Deve ainda ser condenado em eventuais custas e demais encargos legais, como o reembolso de taxas de justiça inicial e subsequente e preparos para despesas e quaisquer outras pagas pela autora; 5- O Tribunal Nacional tem de decidir da mesma forma que decide o TEDH; 6- O Estado deve ser condenado a pagar os honorários, de acordo com jurisprudência do TCAN e STA sobre honorários; 7- Pelo que deve revogar-se a sentença e substituí-la por outra que decida no sentido das conclusões anteriores; 8- Atendendo ao que fica dito, foram violadas, por errada interpretação e aplicação, as disposições dos artigos 18º, nº1, 20º, nº4 e 22º da CRP, bem como o artigo 6º, nº1 da CEDH e o artigo 1º do Protocolo nº1 a ela anexo; 9- Havendo violação de um direito fundamental está constitucionalmente garantida indemnização, independentemente da existência de prejuízo, isto é de dano patrimonial, ou dito de outro modo, está constitucionalmente garantido que os danos morais causados por ofensa de um direito fundamental têm sempre dignidade indemnizatória; 10- O artigo 20º, nº4, da CRP, garante que as decisões judiciais sejam tomadas em prazo razoável; 11- O artigo 496º, nº1 do Código Civil está de acordo com tais disposições constitucionais, e, se não estivesse, tinha de ser interpretado em consonância com as mesmas; 12- O TAF interpretou tal artigo no sentido de não serem indemnizáveis os danos morais causados pela violação dum direito ou garantia constitucional quando deveria sê-lo em sentido contrário; 13- Por força do artigo 496º, nº1 do Código Civil, sob a epígrafe danos não patrimoniais, na fixação de indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua natureza mereçam a tutela do direito, este artigo deverá ser interpretado no sentido de serem graves e de merecerem a tutela do direito os danos morais causados com a violação de direitos constitucionais, sob pena de violação dos artigos 18º, nº1, 20º, nº4, 22º da CRP; 14- Não sendo assim entendido, é inconstitucional o artigo 496º, nº1 do CC, por violação das disposições precedentes; 15- É a lei ordinária que deve ser interpretada de acordo com a CRP, e com a CEDH e seus Protocolos, e não o contrário; 16- Por outro lado, se a CRP e/ou a CEDH garantem o direito a uma indemnização, não se pode interpretar a lei ordinária em sentido contrário; 17- Que deveriam ter sido interpretados e aplicados no sentido das conclusões anteriores; 18- Deve dar-se provimento ao recurso jurisdicional, condenando-se o réu Estado Português nos precisos termos constantes do pedido na petição inicial.

O réu, Estado Português, contra-alegou e concluiu assim: 1- Reportam-se os autos a uma acção administrativa de responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito, sustentada em alegada violação do direito à obtenção de decisão jurisdicional em prazo razoável, no processo que correu termos no 2º Juízo do Tribunal de Família do Porto, sob o nº562/1999, no qual a ora autora pediu a regulação do exercício do poder paternal e que teve a duração de cerca de 7 anos; 2- A autora intentou a presente acção contra o Estado Português, pedindo a condenação deste no pagamento de 15.000,00€, a título de indemnização por danos não patrimoniais e de 10.000,00€, a título de indemnização por danos patrimoniais, quantias acrescidas de juros de mora à taxa legal desde a citação até efectivo pagamento; 3- Realizado julgamento, entendeu o TAF que embora haja conduta ilícita do réu por demora excessiva, sendo os pressupostos da responsabilidade civil de verificação cumulativa, se deve concluir pela improcedência do pedido, por não provado, bem como dos demais formulados, absolvendo-se o Estado Português dos pedidos; 4- As alegações de recurso não contêm qualquer ataque concreto à decisão recorrida, à qual, em bom rigor, nenhum vício ou anomalia vêm imputados, limitando-se a reiterar a condenação do Estado no pedido; 5- A responsabilidade civil do Estado por actos ilícitos de gestão pública prevista no DL nº48051, de 21.11.1967, depende da observância cumulativa dos pressupostos da responsabilidade civil geral: o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o prejuízo ou dano e o nexo causal entre este e o facto; 6- Resulta do artigo 20º, nº4, da CRP, e artigo 6º da CEDH que todos têm direito a que uma causa em que intervenham, enquanto sujeitos processuais, seja objecto de decisão em prazo razoável; 7- A concretização do conceito indeterminado de prazo razoável assenta basicamente em três critérios: a complexidade do processo, o comportamento das partes e o comportamento das autoridades; 8- A imputabilidade ou culpa das entidades públicas, deve ser aferida nos termos do artigo 487º do CC em função das circunstâncias de cada caso; 9- Da matéria de facto provada resulta que o tempo de vida do referido processo, excessivo à luz do que era expectável em termos de normalidade, ficou a dever-se a circunstâncias de todo estranhas ao Estado Português e que este não podia dominar, em virtude do...

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