Acórdão nº 0371/10 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 22 de Novembro de 2011

Magistrado ResponsávelFERNANDA XAVIER
Data da Resolução22 de Novembro de 2011
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I- RELATÓRIO 1. A……, com os sinais dos autos, interpõe recurso da sentença do Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, proferida a fls. 1565 e segs, que julgou improcedente a presente acção declarativa de condenação, com forma de processo ordinário, que a recorrente instaurou, ainda na vigência da LPTA, contra os RR MUNICÍPIO DE PALMELA e ESTADO PORTUGUÊS e onde pedia a condenação solidária dos RR no pagamento da quantia de € 1.392.936,65 e ainda a que se viesse a apurar em relação aos danos sofridos e não quantificados, bem como dos que venha a sofrer desde a data da proposição da acção, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data da condenação até efectivo pagamento.

Com este recurso, subiu também o recurso jurisdicional que a recorrente já interpusera do despacho do Mmo. Juiz a quo proferido a fls. 862 e segs., na parte em que indeferiu a prova pericial por si requerida.

Ambos os recursos foram interpostos para o Tribunal Central Administrativo Sul, mas foi ordenada a sua remessa a este STA, por despacho de fls. 1648, Tribunal que é, efectivamente, o hierarquicamente competente para deles conhecer (cf. artº 26º, 1b) e 40º a) do ETAF/84, aqui aplicável).

*2. 1º Recurso (despacho de fls. 862 e segs.): A recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES: I. O tribunal a quo indeferiu o pedido de prova pericial por entender que a prova dos quesitos 4), 33 e 34) da base instrutória “não necessita de especiais conhecimentos do julgador, podendo ser provados por testemunhas ou por outro meio de prova." II. No entender da Recorrente, os factos constantes dos referidos quesitos (aptidão construtiva do prédio em causa sem que se proceda ao abate de sobreiros) são factos cuja percepção requer, paradigmaticamente, conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, tal como dispõe o artigo 388º do Código Civil.

  1. Tal é facilmente demonstrado pelo facto de o “ homem médio” não conseguir determinar a capacidade construtiva do prédio em causa sem que se proceda ao abate de sobreiros.

  2. Ao contrário do defendido pelo Tribunal a quo, o facto de ser possível demonstrar algo através de prova testemunhal não é fundamento para indeferir a realização de prova pericial.

  3. O iter cogniscitivo do Tribunal a quo parece ser o seguinte: se os factos em causa podem ser provados através de prova testemunhal, logo não é necessário realizar a prova pericial sobre esse facto.

  4. Uma vez que os factos em causa requerem conhecimentos especiais, o que o Tribunal a quo implicitamente afirma é que a pessoa com esses conhecimentos especiais pode/deve ser chamada pela Recorrente na qualidade de testemunha – sendo assim desnecessário chamá-la na qualidade de perito, decorrendo desta acepção que a prova pericial nunca será, por definição, necessária, já que todos os factos do mundo são susceptíveis de prova testemunhal (uma vez que as pessoas com conhecimentos especiais podem ser chamadas como testemunhas).

  5. Ao contrário da tese defendida pelo Tribunal a quo, a prova pericial não está subordinada à impossibilidade (abstractamente considerada) de um facto ser insusceptível de prova testemunhal, nem tais meios de prova se confundem, conforme decidiu já o Supremo Tribunal de Justiça.

  6. A distinção, estabelecida na lei, entre prova testemunhal e prova pericial é a necessidade ou desnecessidade de conhecimentos especiais, sendo de indeferir o requerimento de prova pericial quando as questões suscitadas forem de apreensão simples, conforme decidiu o Tribunal da Relação do Porto.

  7. Da susceptibilidade de prova testemunhal sobre um facto não decorre a inutilidade da prova pericial sobre esse mesmo facto.

  8. Resulta assim do exposto que o Tribunal a quo efectuou uma errada interpretação dos preceitos relativos à prova pericial – artigo 388º do Código Civil e 568º do CPC – devendo, consequentemente ser anulado e a diligência requerida pela ora Recorrente ser realizada, porque útil ao apuramento da verdade.

*Não houve contra-alegações.

O Mmo. Juiz a quo sustentou o seu despacho a fls. 944.

*3. 2º Recurso (sentença proferida a fls. 1565 e segs.

): A recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES: i. Um PDM é um instrumento que cria e que se destina a criar confiança legítima nos particulares quanto às capacidades edificativas de um prédio.

ii. É ilegítimo que um PDM declare que certo prédio admite certo volume de construção quando, na realidade, a lei impede que nesse prédio haja um volume de construção sequer parecido com o declarado no PDM.

iii. A Recorrente não teria adquirido o prédio identificado na alínea c) da Matéria de Facto, para nele promover um loteamento urbano, se o Município de Palmela, em violação da lei, não tivesse proposto a sua classificação como urbanizável e aprovado o PDM de Palmela; do mesmo modo, a Recorrente não teria adquirido o terreno se o Estado Português, em particular a Direcção Geral das Florestas, tivesse impedido, como devia, a sua classificação como urbanizável, evitando, assim, a aprovação ilegítima do PDM de Palmela.

iv. Os órgãos e agentes administrativos do Município de Palmela, (em particular a Câmara Municipal) e do Estado Português (especialmente a Direcção Geral das Florestas e a Direcção Regional da Agricultura do Ribatejo e Oeste), no exercício das suas funções e por causa desse exercício, agiram ilicitamente – os do primeiro Recorrido com dolo e os do segundo com negligência grosseira – porque elaboraram, aprovaram e ratificaram o PDM de Palmela em contradição com as regras legais sobre o abate de sobreiros, quando era seu dever legal expresso verificarem que o PDM estava conforme com a lei de protecção do montado de sobro.

v. Atenta a situação de confiança justificadamente gerada na Recorrente pela aprovação do PDM de Palmela quanto à utilização para fins urbanos do prédio que adquiriu, é manifesta a ilicitude da conduta descrita dos Recorridos por violação do princípio da boa fé, nas suas vertentes de tutela da confiança legítima e de primazia da materialidade subjacente, ao contribuírem para a aprovação de um PDM que indica índices de construção que não podem, de facto, ser atingidos, nem sequer aproximadamente.

vi. A conduta ilícita da Administração é, em princípio, culposa; no caso da actividade administrativa, a ilicitude arrasta, assim, por si só, um juízo de censura reconduzível ao pressuposto da culpa. Assim, verificada está também a culpa dos entes públicos em questão, ou melhor, presume-se verificada.

vii. É de qualquer modo evidente a culpa dos Recorridos Município de Palmela e Estado Português, cujos órgãos - com dolo, no caso do primeiro, e negligência grosseira, no caso do segundo – elaboraram, aprovaram e ratificaram dentro das suas competências específicas, o PDM de Palmela, contemplando a qualificação de terrenos rústicos com montado de sobro como urbanizáveis com a construção de 114 fogos, quando, por força da lei de protecção do montado, só é lícita a construção de 4 fogos.

viii. Apreciadas as actuações dos titulares dos órgãos e agentes do Município de Palmela (em particular da Câmara Municipal) e do Estado Português (especialmente da Direcção Geral das Florestas e da Direcção Regional da Agricultura do Ribatejo e Oeste) à luz do artº487º, nº2 do Código Civil, é inegável que tais actuações consubstanciam grosseira violação dos deveres de cuidado, zelo e diligência a que estavam adstritos, pelo que devem o Município de Palmela e o Estado Português responder civilmente, em termos solidários, pelos danos causados à Recorrente.

ix. No caso dos autos, a obrigação de os Recorrentes indemnizarem a Recorrente não passa manifestamente pela reconstituição da situação natural, devendo os Recorridos repararem em dinheiro todos os danos causados.

x. Entre esses danos contam-se, obviamente, todos os prejuízos causados à Recorrente, incluindo os imediatamente decorrentes da restrição às possibilidades objectivas de aproveitamento do seu prédio e as despesas efectuadas na concretização do loteamento que se veio a confirmar posteriormente não ser legalmente possível, tendo todas essas despesas perdido utilidade.

xi. A obrigação dos Recorridos indemnizarem a Recorrente abrange ainda um valor idêntico ao do lucro que a Recorrente esperaria obter numa operação de natureza idêntica à do loteamento em causa, pois se não fosse a situação de confiança gerada pela densidade de construção estabelecida no PDM de Palmela para o prédio em causa nos autos e a Recorrente poderia ter investido o mesmo capital noutro projecto imobiliário, daí auferindo um lucro significativo, de montante difícil de estimar.

xii. Determinar agora o exacto retorno que a Recorrente poderia obter se tivesse aplicado a dita quantia noutro investimento imobiliário é tarefa difícil, senão mesmo impossível. Todavia, atenta a evolução favorável do mercado imobiliário nos anos em causa, pode julgar-se com segurança que o retorno em causa seria, no mínimo, igual aos juros pagos por uma instituição bancária em depósitos a prazo constituídos nas datas e pelos montantes dos financiamentos que recebeu e com base numa taxa de juros correspondente à Euribor a 12 meses. Efectivamente, a Recorrente poderia ter depositado todas as quantias em dinheiro que lhe foram dadas em financiamento pelos sócios e pelo …, na data das respectivas entregas, pelo prazo de um ano e com uma taxa de juros de igual à taxa Euribor a 12 meses e poderia ir sucessivamente renovando tais depósitos com o capital e juros entretanto vencidos, pelo que os Recorridos devem indemnizar a Recorrente por valor idêntico ao do lucro que esta esperaria obter e que, para certeza no seu apuramento, se computa em valor igual aos juros pagos por um depósito a prazo à taxa Euribor a 12 meses.

Termos em que se requer: Seja rectificado o lapso material da alínea zz) da Matéria...

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