Acórdão nº 103/04.2TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Novembro de 2011

Magistrado ResponsávelGRANJA DA FONSECA
Data da Resolução17 de Novembro de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.

AA, intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma ordinária, contra BB e Instituto da Comunicação Social, actualmente Gabinete para os Meios da Comunicação Social, pedindo a condenação dos réus a pagar ao autor a quantia de € 80.000,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar desde a citação até integral e efectivo pagamento, bem como a retirar de circulação todos os exemplares dos Volumes III, IV e V da «História da Arte da Caricatura de Imprensa em Portugal» e, ainda, por cada dia de atraso nessa determinação, uma sanção pecuniária compulsória diária de 100 euros.

Alega, como fundamento da sua pretensão, e em síntese, terem os réus utilizado, sem seu consentimento, autorização, conhecimento ou cedência, desenhos e caricaturas da sua autoria, na obra acima referida, esta da autoria do 1º réu e editada por ambos os réus. Acrescenta que a publicação (HACIP) foi subsidiada pelo actual ICS e que tal subsidiação implicava a disponibilização pelo 1º réu ao 2º réu de 900 exemplares, tendo o ICS usado os exemplares que lhe foram entregues. De tal utilização indevida, sofreu o autor danos patrimoniais, no valor de 40.000 euros, a que se deverá acrescer o ressarcimento pelos danos morais, de igual valor.

O réu Instituto da Comunicação Social contestou, impugnando a factualidade vertida na petição inicial e excepcionando a sua ilegitimidade, por não ter sido o autor ou editor da obra, não a tendo publicado, nem patrocinado, a prescrição do invocado crédito, no que tange à publicação dos 4 desenhos inseridos no Volume III da HACI, por tal ter ocorrido em 1999, tendo já decorrido o prazo prescricional de 3 anos e a insuficiente alegação da causa de pedir. Mais peticionou o mesmo réu a condenação do autor como litigante de má fé.

O réu BB também contestou, dando por reproduzida a contestação do co-réu e acrescentando, em resumo, que a obra em causa se inseriu nas “Comemorações Nacionais Dos 150 Anos Da Caricatura Em Portugal”, para as quais havia sido nomeado comissário nacional e que, tratando-se de uma compilação histórica, goza do direito de citação ou referência, para além de que enviou a todos os autores, incluindo ao ora autor, uma circular onde comunicou a idealização do trabalho e colocou a possibilidade dos mesmos autores recusarem a referência e reprodução de parte da sua obra a publicar, sendo que nenhum dos mesmos respondeu.

Termina o réu, peticionando a condenação do autor como litigante de má fé, em multa e indemnização de 1.000 euros.

O autor replicou, propugnando pela improcedência das excepções e peticionando a condenação dos réus como litigantes de má fé.

No saneador, foram julgadas improcedentes as excepções de ilegitimidade passiva e ineptidão da petição inicial e relegado para final o conhecimento da excepção de prescrição.

Por sentença de 2/12/2009, foi a acção julgada improcedente, tendo os réus sido absolvidos dos pedidos e, consequentemente, prejudicada a apreciação da excepção invocada de prescrição, tendo ainda sido julgados improcedentes os pedidos de condenação como litigantes de má fé reciprocamente formulados pelas partes.

Inconformado, apelou o autor para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por acórdão de 14/09/2010, considerando improcedente a invocada excepção peremptória da prescrição, decidiu: 1 - Julgar o recurso parcialmente procedente e, em consequência, revogou a sentença na parte em que absolveu o réu BB dos pedidos indemnizatórios contra ele formulados, julgando-se procedentes, em parte, condenando-se o mesmo: a) - A pagar ao autor a quantia que se vier a liquidar pelos danos patrimoniais causados, referidos em D.1., acrescida de juros de mora, à taxa legal, que é actualmente de 4%, desde a citação e até integral pagamento; b) - A pagar ao autor a quantia de cinco mil euros a título de ressarcimento dos danos não patrimoniais, acrescida dos juros de mora, à taxa supra referida, desde a data da prolação do presente acórdão até integral pagamento; 2 - No demais, confirmou-se a sentença recorrida.

3 – Foram fixadas as custas devidas em 1ª instância e na Relação, pelo autor/apelante e pelo réu BB/apelado, na proporção de 80% e 20%, respectivamente.

Recorreu, agora, para este Supremo Tribunal de Justiça o réu BB, e, alegando, formulou as seguintes conclusões: 1ª - Vem o presente recurso interposto do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que revoga a sentença da 1ª instância, “na parte em que absolve o réu BB dos pedidos indemnizatórios contra ele formulados, julgando-se procedentes, em parte, condenando-se o mesmo (i) a pagar ao autor a quantia que se vier a liquidar pelos danos patrimoniais causados, referidos em D.1, acrescida de juros de mora, à taxa legal, que é actualmente de 4%, desde a citação e até integral pagamento e (ii) a pagar ao autor a quantia de cinco mil euros a título de ressarcimento dos danos não patrimoniais, acrescida dos juros de mora, à taxa supra referida, desde a data da prolação do presente acórdão até integral pagamento.

  1. - O que está em causa na HACIP não são ilustrações em livros: o objecto de estudo e referência na obra é o autor e todos os outros caricaturistas de Imprensa em Portugal.

  2. - E essa referência, ou citação, da obra, ainda que resumidamente, não pode deixar de ser feita pela publicação dos seus desenhos (a ideia de que a citação apenas abrangeria a publicação de parte do desenho não faz qualquer sentido).

  3. - Repare-se que os desenhos do autor, publicados na HACIP, tendo em conta, por um lado a importância e a longevidade da sua carreira (paralela e simultânea à de outro artista, aliás testemunha neste processo, CID, com o mesmo número de desenhos) e a totalidade dos desenhos contidos na HACIP (mais de 4.000 que foram sendo publicados ao longo de 150 anos, com 653 assinaturas diferenciadas), contém-se dentro dos limites da citação, característica deste tipo de obras.

  4. - Destina-se por isso, ao mundo culto e estudioso, na qual encontrarão novidades, mas sobretudo as referências que permitem sustentar a tese de uma escola de caricatura, marcante e com originalidade europeia.

  5. - Deste modo, os autores citados, naturalmente, não têm qualquer prejuízo pela divulgação/citação da obra que, muito pelo contrário, passará a ser discutida, conhecida da crítica e da história da caricatura de um modo congruente, de abertura de horizontes compreensivos: enquadram-na, explicam-na, propõe-lhe um contexto de artes e, por conseguinte, colocam-na em relevo e destaque no panorama cultural do país.

  6. - Naturalmente, este tipo de estudos e publicações científicas tinha e tem de estar ao lado da estrita regulamentação dos proveitos particulares e imediatos do direito autoral; o plano dos trabalhos metódicos não é o plano do mercado, mas, por assim dizer, um lugar radicular da procura, sem a qual nada está no mundo e sobretudo no mercado, nem obra, nem génio.

  7. - Parece evidente que, neste caso, a regulação do direito de autor aponta o artigo 75º alínea g) como critério de decisão.

  8. – O recorrente pede vénia para reproduzir as alegações de direito que apresentou e foram secundadas pela sentença da 1ª instância, que não merece qualquer reparo.

  9. - As alterações à matéria de facto, introduzidas pelo TRL, em nada prejudica o referido, uma vez que nada alterariam do decidido da 1ª instância.

  10. - A parte final do acórdão recorrido envereda por solução não escrutinada nem submetida a contraditório nem se baseia em factos trazidos aos autos pelas partes.

  11. - Constitui assim uma decisão surpresa.

  12. - A selecção dos desenhos, incluídos na obra, foi feita em relação a todos os jornais publicados em Portugal e em relação a todos os artistas, conforme critério científico que vem referido no artigo 14° da contestação do ora recorrido.

  13. - Sendo de seguida referidos os artistas constantes da obra, pequeno currículo e número de desenhos publicados, entre os quais o autor.

  14. - Resulta de tudo isto que o autor, ora recorrido, iniciou a sua actividade no “Riso Mundial” e no “Pica-Pau”, em 1956 e múltiplas outras publicações desde então e que, só pelo critério cronológico, seriam os desenhos em número de 46 (2002-1956), sem prejuízo das repetições por ano em virtude da simultaneidade de trabalho em várias publicações.

  15. – Sendo a publicação referida nos autos uma obra científica, que se rege pelas regras próprias da exposição, interpretação, análise e pesquisa própria das ciências históricas (o réu é historiador, com o vasto currículo constante dos autos), parece, passe a expressão, não fazer sentido que juristas, por mais qualificados que possam ser, que o são de facto, façam, sem a ajuda de especialistas de outra ciência e sem o escrutínio do contraditório, as suas próprias regras de ciência histórica, à qual são, necessariamente, alheios.

  16. - Não se apreende qual o critério para aceitar a inclusão de uns desenhos na publicação, por razões que se referem e que poderão estar certas ou erradas sob o ponto de vista da ciência histórica, mas que são, de certeza, razões que não se socorrem das regras próprias dessa ciência e a não aceitação de todas os outros, sem qualquer fundamentação, jurídica ou outra, apenas porque se pensa que não.

  17. - Aparte a decisão surpresa e a falta de fundamentação da decisão, em parte nenhuma ficou provada que as citações da obra do autor, já licitamente tornada acessível ao público, não sejam conformes aos bons costumes e não se contenham na medida justificada pelo fim a atingir.

  18. - Este acórdão restritivo da criação científica, a firmar-se na ordem jurídica, não poderá deixar de contribuir para o atraso na investigação científica em Portugal, o que, certamente, não estará nos objectivos desse Alto Tribunal.

  19. - O autor não configurou o seu pedido como de apreciação casuística de cada um dos desenhos.

  20. - Não podia o douto acórdão recorrido socorrer-se do que não foi alegado pelas partes.

  21. - O acórdão é nulo, devendo...

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