Acórdão nº 3109/08.9TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Novembro de 2011

Magistrado ResponsávelSALAZAR CASANOVA
Data da Resolução10 de Novembro de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.

AA- C...- Investimentos Imobiliários, S.A. demandou no dia 8-11-2008 em acção declarativa com processo ordinário BB e CC deduzindo os seguintes pedidos: - Que seja reconhecido o incumprimento definitivo por parte dos réus do contrato-promessa outorgado no dia 8-7-2004 denominado “ Contrato-Promessa de Arrendamento Habitacional com Duração Limitada com Opção de Compra” no que respeita à opção de compra.

- Que seja decretada a resolução do contrato de arrendamento dos autos e o imediato despejo dos réus do locado por falta de pagamento de rendas.

- Que sejam os réus condenados a pagar à autora a quantia das rendas devidas pela ocupação do locado que, em 30 de Outubro, somam 50.000€ bem como nas prestações futuras de 5.000€ por cada mês ou parcela de mês que ocupem o locado até à concretização do despejo com a sua entrega à autora.

- Que sejam condenados os réus a devolverem o locado nas exactas mesmas condições em que o receberam.

  1. De acordo com a petição, há a considerar o seguinte: - O contrato incide sobre fracção autónoma com arrecadação e lugares de estacionamento de edifício em construção à data da sua celebração.

    - O início do arrendamento coincidia com o dia em que fosse apresentado aos locatários licença de utilização do locado.

    - O contrato passou a vigorar a partir de 1 de Janeiro de 2006, mês seguinte ao da emissão da licença de utilização.

    - Os réus ocupam e habitam a referida casa de habitação, arrecadação e garagem desde 1-1-2006.

    - Os réus manifestaram em 24-10-2007 opção de compra.

    - No contrato estipularam-se os termos em que a proprietária se obrigava a vender a referida fracção pelo preço de 500.000€.

    - Os réus invocaram defeitos na habitação.

    - A A. notificou os réus para outorga da escritura de compra e venda em 13-4-2008 considerando que, se não quisessem outorgar a escritura, incorriam em incumprimento definitivo.

    - Os réus recusaram-se a outorgar a escritura, não existindo quaisquer defeitos no imóvel.

  2. Os réus contestaram e deduziram pedido reconvencional nestes termos: - Que seja declarado resolvido o contrato celebrado por incumprimento da A. e, em consequência, seja esta condenada a pagar aos réus a quantia de 216.014,06€, valor dobrado da quantia de 108.007,03€ entregue a título de sinal, acrescido de 6.990,93€ a título de devolução de benfeitorias, indemnização no valor total de 223.004,99€.

    - Que, a título subsidiário, caso assim não seja entendido, seja a A. condenada a indemnizar os réus em quantia igual a 108.000,00€, a título de sinal em dobro, devolvendo em singelo a quantia de 54.000€, acrescido do valor de benfeitorias de 6990,93€ num valor total de 168.990,03€.

    - Que, assim não se entendendo, a título subsidiário, seja a A. condenada a indemnizar os réus em quantia igual a 108.000,00€, sinal em dobro, acrescido do valor de benfeitorias num valor total de 114.990,93€.

    - Por fim, e por mero dever de patrocínio, se nenhum dos anteriores pedidos for atendido, que seja a A. condenada na devolução aos réus da quantia de 18.000€ (como previsto no contrato) acrescida da indemnização por benfeitorias no valor de 6.990,93€ num valor total de 24.990,93€.

    - Que seja condenada a A. em indemnização por litigância de má fé, multa e honorários do mandatários dos réus, a liquidar em execução de sentença.

    - Que seja condenado a A. no pagamento das indemnizações devidas, acrescidas dos juros legais à taxa em vigor desde a data do incumprimento da A.

    - Que seja declarada a compensação a operar entre créditos que venham a ser reconhecidos às partes.

  3. De acordo com a contestação, há a considerar o seguinte: - No dia da assinatura do contrato-promessa os réus entregaram à A. a quantia de 54.000€ prevista a título de sinal e antecipação do pagamento (cf. cláusula 10/2 do contrato-promessa doravante designado abreviadamente CP).

    - Mais entregaram nesse dia a quantia de 36.000€ que tinha a dupla função de antecipação do pagamento dos 18 primeiros meses de renda e de antecipação do pagamento do preço final da venda.

    - Mais tarde, no dia 3-8-2006, entregaram a quantia de 18.0009,07€ conforme 10/4 do CP com a dupla função de antecipação do pagamento de renda do 19.º ao 24.º mês e de antecipação do pagamento do preço final de venda.

    - A fracção apresentava vários defeitos e foi solicitada a intervenção da A. logo em 6-7-2007.

    - Em 24-10-2007 os RR exerceram opção de compra, reiterendo que os defeitos fossem reparados antes da escritura.

    - Nas cartas de 21-11-2007 e de 24-10-2007, os RR notificaram a A. de que não realizariam a escritura sem a resolução dos problemas atinentes à deficiente marcação do estacionamento, isolamento das janelas e caixilhos, sistema de exaustão e realização de benfeitorias em falta, propondo, em alternativa, que ao valor da aquisição fosse abatido o valor dos defeitos e obras já realizadas.

    - Que face à não reparação dos defeitos, os réus mudaram-se para um prédio de escritórios onde realizaram obras e, em 24-7-2008 (fls. 58), comunicaram a sua perda de interesse na outorga da escritura de compra e venda, reclamando 220.000€ de sinal dobrado, crédito a justificar invocado direito de retenção.

  4. Foi proferida sentença nestes termos: “ Em face de todo o exposto, decido:

    1. Julgar a acção parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, em consequência, 1- Condeno os RR a entregar à A. a fracção autónoma descrita na alínea A) do ponto 2.1. desta sentença, nas exactas condições em que a receberam, com excepção dos trabalhos referidos na alínea T) do ponto 2.1 e no n.º8 do ponto 2.2 2- Condeno os réus a pagar à A. a quantia mensal de 5.000€ desde 1-1-2008 e até à data da entrega referida em 1 3- Absolvo os RR do mais contra si peticionado.

    2. Julgar a reconvenção parcialmente procedente, por parcialmente provada e, em consequência, 1- condeno a A. a devolver aos réus a quantia de 72.009,07€ acrescida de juros de mora vencidos desde 12-2-2009 e até integral pagamento às taxas legais que vigorarem em vierem a vigorar.

      2- Absolvo o A. do mais contra si peticionado.

    3. Declarar compensáveis e determinar a compensação dos créditos referidos em A) e B) na parte correspondente D) Julgar improcedentes os pedidos de condenação da A. e dos RR em multa e indemnização por litigância de má fé.

  5. Interpuseram os réus recurso principal e a A. recurso subordinado.

  6. O Tribunal da Relação julgou procedente o recurso dos RR e improcedente o da A., julgando improcedente a acção proposta contra os réus que absolveu do pedido e julgando procedente a reconvenção, condenando a A. a pagar aos RR a quantia de 108.000€, confirmando, em tudo o mais, a decisão impugnada.

  7. Recorre, de revista, a A. para o Supremo Tribunal.

  8. Sustenta nas suas conclusões, em síntese, o seguinte: - Que foi celebrado um contrato de arrendamento que passou a vigorar no dia 1-1-2006.

    - Que o entendimento do Tribunal da Relação não tem um mínimo de correspondência no texto do contrato celebrado nem tão pouco corresponde à vontade real das partes.

    - Foi entendimento da Relação que houve uma promessa unilateral até ao segundo ano, destinando-se as quantias pagas ao pagamento da fracção; que houve um contrato de arrendamento, caso os réus não optassem pela compra e, após a opção da compra, um contrato-promessa bilateral.

    - Ora o contrato que as partes celebraram e que denominaram “ Contrato-Promessa de Arrendamento Habitacional com Duração Limitada com Opção de Compra” só poderá ser interpretado como um verdadeiro contrato de arrendamento com opção de compra, o que resulta do texto do contrato e sempre assim foi entendido pelas partes: cf. alíneas E), F ) e J) dos factos provados.

    - Aliás o contrato nos termos em que as partes o firmaram constitui uma solução interessante porque uma percentagem da renda mensal paga no âmbito destes contratos é deduzida ao valor da venda do imóvel, reduzindo, assim, a exigência de capitais próprios iniciais no momento da compra ( e afastando a ideia, generalizada nos ‘comuns’ arrendamentos, de que o particular está a investir numa casa que nunca será verdadeiramente sua).

    - Este tipo de arrendamento é uma alternativa a ponderar, tanto por aqueles que pretendam adquirir um imóvel mas antevêem dificuldades na obtenção de financiamento, como por aqueles que queiram comprar uma casa nova, mas necessitam, primeiro, de vender a antiga. Já na perspectiva dos promotores imobiliários, o arrendamento com opção de compra é uma solução que contraria a estagnação do mercado, aumentando o leque de potenciais compradores.

    - De facto, este modelo de contratualização tem a vantagem de permitir às partes contrariar as dificuldades geradas pela crise dos sectores financeiro e imobiliário, na medida em que contorna constrangimentos ao financiamento bancário ( a necessidade de recurso ao crédito fica adiada para momento posterior) mas garante, de imediato, o uso do imóvel por parte dos particulares, potenciais compradores.

    - Do exposto não se descortina como pode o contrato ora em análise ser considerado num primeiro momento, como de promessa de venda unilateral, para, caso não se opte pela compra, de arrendamento e que se converta, havendo a opção de compra, num típico contrato-promessa de compra e venda bilateral - Desde logo, se o acordado entre as partes a 8 de Julho de 2004 tivesse sido uma promessa de compra e venda da fracção, então quando esta, em 1-1-2006, foi entregue pela A. recorrente aos réus que a ocuparam e nela passaram a habitar desde essa data, ter-se-ia celebrado o contrato prometido, ou seja, a compra e venda do locado.

    - Para tal, contra a entrega do imóvel sempre teriam os réus que ter procedido ao pagamento do preço estipulado pelas partes para a venda, ou melhor, aquando da entrega da fracção a cargo do A. deveria ter sido integralmente satisfeito o preço da venda pelos réus, transmitindo-se desta forma a propriedade da coisa.

    - Não foi isso que se passou, pois o que houve foi um contrato de arrendamento com opção de compra; assim...

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