Acórdão n.º 445/93, de 13 de Agosto de 1993

Acórdão n.° 445/93 - Processo n.° 199/92 Acordam no Tribunal Constitucional: I - A questão 1 - O Procurador-Geral da República, no uso da competência que o artigo 281.°, números 1, alínea a), e 2, alínea e), da Constituição lhe confere, veio requerer ao Tribunal Constitucional a apreciação e declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas constantes dos artigos 13.°, n.° 1, e 14.°, n.° 2, do Estatuto do Jornalista, aprovado pelo artigo 1.° da Lei n.° 62/79, de 20 de Setembro, bem como dos artigos 3.°, 6.°, 8.°, n.° 1, 9.°, 10.°, números 1 e 7, 14.°, 15.°, n.° 2, 16.°, n.° 2, 17.°, n.° 3, 18.°, 19.°, n.° 1, 20.°, n.° 3, 22.°, n.° 1, 25.°, 26.° e 28.° do Regulamento da Carteira Profissional do Jornalista, aprovado pelo artigo 1.° do Decreto-Lei n.° 513/79, de 24 de Dezembro, aduzindo para tanto, no essencial, a fundamentação seguinte: 1.° O Estatuto do Jornalista considera, nos seus artigos 1.° e 12.°, condição do exercício da profissão de jornalista a habilitação com a respectiva carteira profissional.

Nos termos do artigo 13.°, n.° 1, do referido Estatuto, a emissão da carteira profissional de jornalista é da competência da respectiva organização sindical, não podendo depender da qualidade de sindicalizado do requerente.

Por seu turno, conforme prescreve o n.° 2 do artigo 14.° do mesmo Estatuto, os equiparados a jornalistas estão obrigados a possuir cartão de identificação próprio, emitido também pela respectiva organização sindical.

  1. Esta matéria veio a ser regulamentada e desenvolvida pelo Regulamento da Carteira Profissional do Jornalista, em termos de incumbir à organização sindical dos jornalistas a emissão do título que condiciona o exercício legítimo da profissão, competindo-lhe igualmente, como corolário daquela atribuição fundamental, pronunciar-se e decidir sobre as várias possíveis vicissitudes que tal título de habilitação venha a sofrer, designadamente a sua renovação ou revalidação, a suspensão de validade, a determinação da sua perda e apreensão.

    Dentro da mesma lógica de fiscalização do exercício da profissão, detém ainda a organização sindical dos jornalistas um verdadeiro poder disciplinar, que lhe permite aplicar sanções no caso de ocorrerem infracções aos deveres deontológicos do jornalista.

  2. A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem reconhecido uniformemente que, face ao actual texto da Constituição, os sindicatos surgem - ao contrário das associações públicas, referidas no artigo 267.°, n.° 3, da lei fundamental, e dos antigos sindicatos nacionais do regime corporativo- como associações de direito privado, criadas por iniciativa espontânea dos interessados, tendo por finalidade a defesa dos respectivos interesses sócio-profissionais, não lhes cabendo o desempenho de funções públicas ou o exercício de poderes de autoridade.

  3. O princípio da liberdade sindical garante a cada trabalhador plena autonomia de decisão, seja para se inscrever em qualquer dos sindicatos existentes, seja para não se inscrever em nenhum deles, seja ainda para tomar a iniciativa de promover a criação de um novo sindicato.

    Este direito de livre sindicalização implica que ninguém possa ser directamente obrigado a filiar-se em sindicato determinado, tal como proíbe a existência de quaisquer mecanismos ou medidas de pressão que indirectamente possam contribuir para limitar o pleno gozo e fruição daquela liberdade, obstando a que, por qualquer forma, mesmo remota ou indirecta, os sindicatos possam funcionar como 'estruturas de coerção'.

  4. A atribuição aos sindicatos de competência para emitir o título que condiciona o exercício legítimo de certa profissão constitui necessariamente violação do aludido princípio da liberdade sindical; e isto não apenas na hipótese - mais ostensiva- em que se exigisse, como condição da passagem do referido título, a sindicalização do trabalhador, mas também nas hipóteses - como a que ora nos ocupa - em que a lei atribui tal função à organização sindical independentemente da qualidade de sindicalizado do trabalhador requerente.

    É que, por um lado, existe o perigo real de a competência para a emissão do título de habilitação profissional ser mal 'gerida', de os sindicatos se valerem dela para - recusando a sua passagem aos não filiados ou simplesmente levantando-lhes especiais obstáculos- forçarem ou 'sugerirem' a sindicalização aos profissionais que do título carecem para o exercício da sua actividade.

    Existe, deste modo, no sistema legal em causa uma certa restrição constitucionalmente ilegítima- à possibilidade de livre escolha no plano de filiação sindical, já que ele sempre comporta 'um certo potencial de coerção sobre os trabalhadores, potencial de coerção que já terá sido passado a acto em diversos casos' (cf. o Acórdão n.° 272/86, de 30 de Julho, do Tribunal Constitucional).

  5. Por outro lado, aquela solução legal - consistente em 'obrigar' o sindicato a emitir o título profissional, independentemente da qualidade de sindicalizado do trabalhador que o requeira- acaba por se traduzir na imposição ao sindicato do exercício de uma verdadeira actividade administrativa em favor de quem dele não é associado, violando-se, por esta forma, o princípio da liberdade de acção e da independência das associações sindicais, consagrado no n.° 4 do artigo 56.° da Constituição.

  6. Acresce que a atribuição à organização sindical dos jornalistas de um poder fiscalizador do exercício da profissão - traduzido na competência para determinar a suspensão, perda ou apreensão do título, com a consequente impossibilidade de exercer legitimamente a profissão -, bem como de um verdadeiro poder disciplinar, no que respeita às eventuais infracções aos deveres deontológicos dos jornalistas, implicam a atribuição e o exercício de verdadeiros poderes ou prerrogativas de autoridade, ultrapassando-se claramente a competência que o n.° 1 do artigo 56.° da Constituição atribui às associações sindicais.

  7. Ora, é constitucionalmente reconhecida aos trabalhadores a liberdade sindical (artigo 55.°, n.° 1), a qual envolve, designadamente, a liberdade de constituição de associações sindicais a todos os níveis e a liberdade de inscrição sindical [alíneas a) e b) do n.° 2 do artigo 55.°].

    Por sua vez, o n.° 4 do mesmo preceito constitucional vem afirmar o princípio da independência das associações sindicais, relativamente ao patronato, ao Estado, às confissões religiosas, aos partidos e às outras associações políticas.

    E o artigo 56.°, n.° 1, prescreve que a finalidade das associações sindicais consiste na defesa e promoção dos direitos e interesses dos trabalhadores que representam.

    O sistema atrás assinalado, instituído pelas normas legais questionadas, não é compatível com estes preceitos e princípios constitucionais, o que implica a sua inconstitucionalidade material; 2 - Em obediência ao disposto nos artigos 54.° e 55.°, n.° 3, da Lei n.° 28/82, de 15 de Novembro, foram notificados o Presidente da Assembleia da República e o Primeiro-Ministro a fim de, querendo, se pronunciarem sobre o pedido, respectivamente, quanto às normas do Estatuto do Jornalista e quanto ao Regulamento da Carteira Profissional do Jornalista.

    O Presidente da Assembleia da República veio ao processo oferecer o merecimento dos autos e fazer juntar os exemplares do Diário da Assembleia da República relativos à discussão e aprovação da Lei n.° 62/79, de 20 de Novembro.

    O Primeiro-Ministro não produziu qualquer resposta.

    Cabe agora apreciar e decidir.

    II - A fundamentação 1 - O Decreto-Lei n.° 85-C/75, de 26 de Fevereiro (Lei de Imprensa), ainda hoje em vigor, não obstante as alterações que lhe foram introduzidas pelos Decretos-Leis números 181/76, de 9 de Março, e 377/88, de 24 de Outubro, e pela Lei n.° 13/78, de 21 de Março, cometia ao Sindicato dos Jornalistas a elaboração, no prazo de 90 dias a contar da sua entrada em vigor, de um projecto de estatuto do jornalista, o qual, nos termos do artigo 10.°, n.° 4, visaria, fundamentalmente, 'garantir ao jornalista, perante a autoridade pública, o direito que implica o exercício da sua actividade e definir os deveres que dele decorrem'.

    Cerca de quatro anos volvidos sobre a publicação daquele diploma, e por não se achar ainda definida no ordenamento jurídico, de forma global e sistemática, a disciplina jurídico-estatutária daquela actividade profissional, foram apresentados na Assembleia da República os projectos de lei números 295/I e 296/I (UDP), relativos, respectivamente, ao Regulamento da Carteira Profissional de Jornalista e ao Estatuto do Jornalista, 309/I (PS), respeitante ao Estatuto do Jornalista, e 312/I (PCP), também referente ao Estatuto do Jornalista (cf. Diário da Assembleia da República, 2.' série, números 79 e 84, de 4 de Julho e 13 de Julho de 1979), cujos textos, depois do respectivo debate parlamentar (cf. Diário da Assembleia da República, 1.' série, números 88 e 99, de 21 e 28 de Julho de 1979), vieram dar origem ao Estatuto do Jornalista, aprovado pelo artigo 1.° da Lei n.° 62 /79, de 20 de Setembro.

    Neste diploma se comportam duas das normas que vêm questionadas no pedido e cujos dizeres a seguir se transcrevem: Artigo 13.° Emissão da carteira 1 - A emissão da carteira...

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