Acórdão nº 6/05.3PTVIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 21 de Novembro de 2007
Magistrado Responsável | GABRIEL CATARINO |
Data da Resolução | 21 de Novembro de 2007 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam, na secção criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.
-
– Relatório.
Em dissensão com a decisão prolatada no processo supra epigrafado em que, na procedência da pronúncia constante de fls. 75 a 83, se decidiu condenar o arguido A...
, solteiro, filho de B... e de C..., natural da freguesia de Santa Maria, concelho de Viseu, nascido a 14 de Novembro de 1972, residente na Rua do Caixa, n.º 18, Santiago, Viseu, portador do Bilhete de Identidade n.º 9816363, emitido em 2002/09/17, pelo Arquivo de Identificação de Viseu, como autor de um crime de condução em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º/1 do Código Penal, na pena de sete (7) meses de prisão, cuja execução lhe viria a ser suspensa pelo período de 3 (três) anos e ainda, ao amparo do disposto no artigo 69.º/1, a) do Código Penal aplicar ao arguido a pena acessória de proibição de condução de quaisquer veículos motorizados pelo período de um (1) ano e seis (6) meses, recorre o apenado tendo rematado o veio recursivo com a síntese conclusiva que se deixa extractada a seguir.
“1 – A decisão recorrida, não pode deixar de ser revogada.
2 – E o Recorrente deve ser absolvido. Na verdade.
3 – Salvo melhor opinião, o Tribunal a quo, não valorou devidamente a prova carreada e produzida em Audiência de Julgamento.
4 – Pela análise crítica da prova documental, há um manifesto erro da interpretação da prova produzida que levou o Tribunal a quo a extrair conclusões que não podem considerar-se como provadas, designadamente nos pontos 1, 6, 8 e 13.
5 – De facto, a prova obtida mediante recolha de sangue, é nula uma vez que o Recorrente não deu o seu consentimento à realização de tal exame.
6 – O seu estado de Saúde diagnosticado “Traumatismo Crânio Encefálico com perda de conhecimento, não lhe permitiu dar discernimento, que não deu, o respectivo consentimento.
7 – Aliás a prova obtida é nula, porque obtida em contravenção ~~$)!B a Lei. Ordinária (Artigo 122º C.P.P.) e princípios fundamentais (Artigos 1, 2 e 25, 32 da Constituição da República Portuguesa).
8 – Não foi valorado o princípio “In dúbio pró reo” 9 – Sempre e em qualquer caso a Pena Principal aplicada – 7 meses de prisão ainda que suspensa na sua execução por 3 anos – é desproporcionada e exageradíssima.
10 – O mesmo ocorrendo, quanto à pena acessória de inibição aplicada de 15 meses de proibição de condução.
11 – Porque na eventualidade de não se considerar a existência da invocada nulidade por ilegal e inconstitucional, o que só por mera hipótese académica se admite, em caso algum e segundo um critério de razoabilidade, deveria ser escolhida uma pena principal não privativa da liberdade – A Pena de Multa, determinada com as condicionantes sócio-económicas do Recorrente.
12 – De igual modo a Pena Acessória de proibição de condução, segundo um critério de razoabilidade, deveria ser determinada entre 6 – 8 meses.
· 13 – Ambas as penas – prisão e acessória – aplicadas, vão para além da culpa do Recorrente.
14 – De todo o exposto e sobretudo, julgando procedente a invocada Nulidade da obtenção de prova, por ilegal e inconstitucional, deve ser o Recorrente absolvido do crime de que vem acusado.
Normas Violadas: Artigo 40º, 50º, 69º, 70º, 71º e 292º do C.P.; Artigo 12r do C.P.P.; Artigos 1º, 2º, 25º e 32º da C.R.P”.
Desprovido de conclusões a resposta do Ministério Público, junto da comarca, pugna pela improcedência do recurso no que tange á reapreciação da matéria de facto “visto o disposto no artigo 431º, al. b) do Código de Processo Penal (…)”; não deve ser atendida a esgrimida nulidade e/ou inconstitucionalidade; não foi violado o princípio in dubio pro reo; e as penas (principal e acessória) impostas ao arguido mostram-se adequadas, pelo que conclui que “A não ser rejeitado por manifesta improcedência de acordo com o previsto no artigo 420º do Código de Processo Penal, como nos parece que deve ser, o recurso do arguido também não poderá merecer provimento”.
Nesta instância, o distinto Procurador-geral Adjunto, em sagaz parecer, opina pela improcedência do recursivo, para o que desenvolve o argumentário que a seguir se extracta.
“[…] O arguido põe em causa, em bloco, toda a matéria de facto julgada provada e que consubstancia o tipo legal de crime acima referido.
Desde logo convém lembrar que os recursos são, como se sabe, meros remédios jurídicos e, o denominado duplo grau de jurisdição não se confunde nem se traduz, de modo algum, num novo julgamento de toda a matéria de facto nesta instância, como parecem crer os arguidos. (Cfr. Simas Santos e Leal Henriques, “Recursos em Processo Penal”, 5ª ed., 2002, pag. 25 e Cunha Rodrigues in “ Lugares do Direito “, pago 498, Coimbra Editora, 1999, bem assim entre outros, o Ac. ReI. Porto de 21-04-04 in www.dge.dsi.pt.; o Ac. Do Supremo Tribunal de Justiça de 30-06-99, Boletim do Ministério da Justiça 488, 22 e Germanos M. Silva, in “ Aplicação das Alterações ao Código de Processo Penal” revista Fórum & Iustitiae, Direito & Sociedade, Ano I, nº O, pag. 22) O recorrente pretende, segundo parece, que o Tribunal julgue a causa de acordo com a sua própria convicção, fazendo tábua rasa da regra quase intangível do processo penal hodierno consagrada no artigo 127º citado, para se usar a expressão de Paulo Saragoça da Matta in “A Livre Apreciação da Prova e o Dever de Fundamentação da Sentença”, in Jornadas de DPP e Direitos Fundamentais, pag. 239, Almedina.
Contudo, a simples leitura da cuidada e extensa fundamentação da decisão (fls. 122 v.) permite concluir que o Tribunal recorrido não teve dúvidas sobre os pontos de facto que deu como não provados e como assentes.
Analisando, por outro lado, a motivação de recurso e suas conclusões, terá de se reconhecer que o impugnante não deu satisfação aos comandos fixados no artigo 412º do Código de Processo Penal para que pudesse este Tribunal modificar a decisão relativa aos factos. Nada se diz, designadamente, quanto á prova que impõe decisão diversa nem quanto á prova a renovar, bem ainda se não indica qualquer suporte técnico a que se refere o nº 4 daquele preceito.
Dando-se como fixada a matéria de facto tendo em conta a globalidade da prova produzida, o recurso interposto só poderá ter por objecto matéria de facto no âmbito da revista alargada, e oficiosa, a que se reporta o nº 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal. O mesmo é dizer que a este Tribunal resta apreciar a decisão de facto apenas na medida em que «do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum» resulte a existência de algum dos vícios elencados naquele nº 2 do citado arte 410º do Código de Processo Penal.
Ora, analisada a esta luz a referida peça processual, não se vislumbra, manifestamente, a existência de nenhum dos enunciados vícios: a matéria considerada provada permite fundamentar a decisão jurídica, não existe contradição na fundamentação ou entre esta e a decisão, nem se vislumbra qualquer erro notório na apreciação da prova.
Nada a referir quanto á qualificação jurídica da conduta do arguido e quanto às penas impostas, remetendo para as judiciosas considerações a este propósito expendidas na resposta da nossa Ema. colega em 1ª instância.
Nestes termos se conclui, como já o M.º P.º concluiu, pela improcedência do recurso”.
O quadro conclusivo extractado supra permite escandir para conhecimento deste tribunal as seguintes questões: - Rejeição do recurso no concernente à impugnação da matéria de facto adquirida para a decisão; - Nulidade da obtenção de prova por violação dos artigos 162º do Código da Estrada e 32º da Constituição da República Portuguesa; - Violação do Principio in dubio pro reo; - Individualização Judicial da pena.
-
– Fundamentação.
II.A. – De facto.
Para justificar a decisão que prolatou o tribunal a quo considerou adquirida a sequente factualidade: “1. Da instrução e discussão da causa resultaram provados os seguintes factos: 1) No dia 17 de Dezembro de 2004, cerca das 01:50 horas, na Estrada de Santo Estêvão, Viseu, via aberta à circulação pública de trânsito rodoviário, neste concelho e comarca de Viseu, o arguido conduzia o veículo automóvel, ligeiro de passageiros, serviço particular, de matrícula 30-43-GP, propriedade do arguido, aí tendo sido interveniente em acidente de viação – despiste – sozinho, tendo “caído” na antiga linha de comboio; 2) Chamada a P.S.P. e o LN.E.M., foi o arguido transportado, por este último, para o Hospital de São Teotónio de Viseu, uma vez que o seu estado de saúde o exigia; 3) Tendo sido fiscalizado por elemento policial da P.S.P.-D.T. de Viseu, a testemunha D..., já no Hospital de São Teotónio de Viseu, pelas 03:45 horas, sido submetida ao teste de pesquisa de álcool no sangue – teste do “balão” (“SD-2”) – que revelou a presença de álcool no sangue em valor superior ao legalmente permitido – de 2.55 g/I; 4) Após o que o referido agente lhe disse que teria de ser submetido a analisador quantitativo, face à taxa de álcool que apresentava, o arguido – após ter procurado evitar que o agente o sujeitasse a tal exame, após lhe ter “apelado ao coração” e não ter tratado bem tal agente -, solicitou que fosse então submetido a exame sanguíneo, pelo que, seguidamente, pelas 04:40 horas, foi-lhe extraída a quantidade necessária de sangue para exame; 5) Tal amostra de sangue foi remetida ao LN.M.L., Delegação de Coimbra, e aí efectua das as legais análises toxicológicas, veio a revelar uma concentração de álcool etílico (TAS.) de 2,33 gramas por litro; 6) O arguido sabia que a quantidade de bebidas alcoólicas que havia ingerido nesse dia. Até momentos antes do exercício da condução do referido veículo, lhe determinava necessariamente uma taxa de álcool no sangue superior a 1,20 g/l e, não obstante, não se absteve de conduzir o referido veículo naquele estado; 7) Havia ingerido bebidas alcoólicas antes de iniciar o exercício da condução; 8) O arguido agiu de forma voluntária, livre e consciente, bem sabendo que não lhe era...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO