Acórdão nº 107/05.8 TATBU.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 19 de Outubro de 2011

Magistrado ResponsávelBRÍZIDA MARTINS
Data da Resolução19 de Outubro de 2011
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I – Relatório.

1.1. Para julgamento, sob a aludida forma de processo comum com intervenção do tribunal colectivo, o Ministério Público deduziu acusação pública contra os arguidos A...

e B...

, ambos já melhor identificados, imputando-lhes a prática de factos consubstanciadores da co-autoria material, sob a forma consumada, de dois crimes de insolvência dolosa, sendo um relativo à sociedade Faianças XX... Lda. – p.p.p. art.º 227.º, n.ºs 1, alíneas a), b), c); 2; 3 e 5, do Código Penal – e, outro, respeitante à Sociedade YY... – Cerâmicas Decorativas Lda. – p.p.p. mesmo art.º 227.º, n.ºs 1, alínea a); 2 e 5 –.

Petróleos de Portugal – PG..., S.A., entretanto admitida a intervir nos autos na qualidade de assistente, após adesão à acusação pública deduzida, apresentou igualmente tempestivo pedido de indemnização civil contra os dois mencionados arguidos, visando obter a respectiva condenação solidária a solverem-lhe, a título ressarcitório, a quantia de € 10.167,94 [correspondente a Esc. 2.038.488$00], acrescida de juros de mora contabilizados desde a data da notificação aos demandados do pedido de indemnização formulado, até efectivo e integral pagamento da quantia assim em dívida.

1.2. Remetidos os autos a juízo, no momento processual a que alude o art.º 311.º, do Código de Processo Penal, a M.ma Juiz do tribunal a quo despachou consignando, nomeadamente: “ * Do Pedido de Indemnização Civil.

Petróleos Portugal – PG..., S.A. veio deduzir pedido de indemnização civil (fls. 1188 e ss.) alegando, em breve súmula, que os arguidos deverão ser condenados a pagar uma indemnização civil no valor de € 10.167,94 atento o facto de a mesma ter feito fornecimentos de mercadoria em tal montante, montante esse que nunca foi pago atendendo à conduta dos arguidos (juntando facturas alusivas aos referidos fornecimentos) e que ora peticionam.

Contudo, como vem sublinhando bastamente a jurisprudência, apenas é admissível como causa de pedir da responsabilidade civil por adesão ao processo penal, os factos consubstanciadores de responsabilidade civil extracontratual (art.º 483.º do Código Civil) e não já a responsabilidade civil contratual.

De facto, o legislador ao permitir a dedução do pedido de indemnização cível no processo penal parece ter restringido o mesmo apenas à verificação de responsabilidade por factos ilícitos, deixando de fora a responsabilidade contratual.

De facto, o artigo 129.º do Código Penal, remete somente para o artigo 483.º do Código Civil, artigo este que estabelece os pressupostos gerais da responsabilidade civil por factos ilícitos, responsabilidade que emerge da violação do direito de outrem ou de qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, com dolo ou mera culpa e da qual resultem danos.

Ademais, não obstante o artigo 377.º, n.º 1, do C.P.P., estabelecer um princípio de autonomia entre a responsabilidade civil e a responsabilidade criminal, não impedindo que o Tribunal, em caso de absolvição da responsabilidade criminal, conheça da responsabilidade civil, o certo é que esta última tem de ter a mesma causa de pedir, ou seja, os mesmos factos que são também pressuposto da responsabilidade criminal[1].

Assim sendo parece-nos estar afastada a responsabilidade contratual.

Neste sentido vejam-se, v.g., os dizeres lapidares do recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Ac. de 12.11.2009 (Proc. 448/06.7 TCLSB.5.ª) no qual se refere “I – De acordo com o princípio da adesão que vigora no nosso sistema de processo penal, o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei (art.º 71.º do CPP). II – Por força desta norma legal e da que se lhe segue, a causa de pedir na acção cível conexa com a criminal é sempre a responsabilidade civil extracontratual [pois que fundada na prática de um crime e não no incumprimento contratual] e não qualquer outra fonte de obrigações, como a responsabilidade civil contratual ou o enriquecimento sem causa.

III – Do mesmo modo, uma vez deduzido o pedido cível conexo com o criminal, se o arguido vier a ser absolvido da prática do crime imputado, a sentença condena o arguido em indemnização civil, nos termos do art.º 377.º, n.º 1, do CPP, sempre que o pedido respectivo vier a revelar-se fundado (sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 82.º, isto é, do juiz remeter as partes para os meios comuns). IV – Como se vê, mesmo no caso de absolvição penal, a lei delimita o âmbito da condenação no pedido cível à indemnização civil, confirmando e até reforçando a norma respeitante à propositura da acção. V – Nem podia ser de outro modo: se a causa de pedir é [necessariamente] a responsabilidade civil extracontratual, a decisão final não pode deixar de nela se fundar, tanto mais que no domínio do processo civil, aplicável subsidiariamente ao processo penal, rege o princípio de que a sentença não pode ultrapassar o âmbito do pedido (“A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir” - art.º 661.º do CPC). (...) No mesmo sentido, veja-se, v.g.

o Acórdão da Relação de Évora, de 04.05.2004, Proc. 305/04.1, disponível em www.dgsi.pt quando afirma “Esta responsabilidade civil, que poderá exclusivamente ser apreciada em processo penal (se o pedido for aí deduzido), refere-se tão-somente àquela que emerge da violação do direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, com dolo ou mera culpa e da qual resultem danos, ficando, portanto, excluída a responsabilidade contratual (artigo 483.º do Código Civil).

” Ora, a sociedade lesada peticiona precisamente os montantes que decorrem das facturas, aludindo aos fornecimentos feitos e não pagos. Vale isto por dizer que alega factos consubstanciadores de responsabilidade civil contratual que, como vimos, e salvo melhor opinião, não é admissível.

Assim, a sede própria para que a lesada tente a satisfação dos seus créditos é a reclamação de créditos no processo de insolvência (e posterior graduação e eventual pagamento) e não um pedido por adesão ao processo penal.

Face ao exposto, por inadmissibilidade legal, não admito o pedido de indemnização civil deduzido.” (fls. 1.223 e segs.) Discordando desta decisão, a demandante interpôs recurso (fls. 1.237 e segs.), o qual foi admitido por intermédio do despacho que é fls. 1.609 dos autos, como tendo efeito devolutivo e subida deferida, concretamente com o recurso que viesse a ser interposto da decisão final.

1.3. Na subsequente tramitação processual, realizado o contraditório, mostra-se proferido aresto através do qual e ao que ora releva, se decidiu: - Condenar cada um dos arguidos[2] pela co-autoria material, mediante a forma consumada, dos dois ilícitos assacados, nas penas parcelares também individuais de dois anos de prisão e a que, em cúmulo jurídico de imediato operado se fez corresponder a pena única para cada um deles, de 3 (três) anos de prisão.

- Mais os condenar a pagarem à demandante a reclamada quantia de € 10.167,94, acrescida de juros de mora contabilizados desde a data da sua notificação para contestarem o pedido cível, até seu efectivo e integral pagamento.

- Determinar a suspensão de execução da pena assim aplicada a cada um dos arguidos, pelo correspondente período de 3 (três) anos, mediante sujeição à obrigação de, durante tal prazo, procederem ao pagamento à demandante do montante arbitrado a título de indemnização cível.

1.4. Desavindos tão somente com o segmento da decisão que os instituiu na obrigatoriedade de solverem a indemnização reclamada como condição a que ficou subordinada a decretada suspensão de execução da pena de prisão aplicada a cada um deles, interpuseram recurso os dois arguidos, extraindo do requerimento com que minutaram a discordância, a seguinte ordem de conclusões: 1. Relativamente ao pedido de indemnização civil formulado nos autos pela assistente, realça-se que o mesmo teve como causa de pedir uma relação comercial, de cariz contratual, de que resultaria, apenas e só, uma obrigação de indemnizar pela via da responsabilidade civil contratual.

  1. Através do despacho de fls. 1.223 e segs., tal pedido de indemnização civil foi rejeitado, por inadmissibilidade legal.

  2. Esse despacho não foi tido em conta aquando da prolação do acórdão ora sob censura.

  3. Determinando uma contradição insanável da sua fundamentação: por um lado, refere-se aí que “A assistente PG..., S.A. deduziu o pedido de indemnização civil contra ambos os arguidos, requerendo a condenação de ambos no pagamento no valor de 2.308,488$00, correspondente a € 10.167,94, acrescido de juros de mora desde a data da notificação do pedido de indemnização civil até efectivo e integral pagamento, alegando para o efeito que tal valor corresponde ao crédito comercial que detinha sobre a sociedade Faianças XX..., Lda. devido a fornecimentos efectuados a tal sociedade”, e, por outro lado, condena os demandados no pagamento do valor peticionado no pedido de indemnização civil, lançando mão dos requisitos da responsabilidade civil extracontratual: “No que se refere aos demandados, importa determinar se com as suas condutas se constituíram na obrigação de indemnizar a demandante, com base nas regras da responsabilidade civil extracontratual.” 5. O artigo 129.º, do Código Penal, que remete para o artigo 483.º do Código Civil, apenas se aplica à indemnização por perdas e danos emergentes de crime.

  4. O caso dos autos não se subsume a uma situação de responsabilidade extracontratual, falecendo todos os requisitos legalmente exigidos para que o pedido de indemnização civil (cuja causa de pedir é o fornecimento de gás) pudesse ser julgado procedente.

  5. Sem conceder, cumpre referir que o tribunal recorrido fez uma apreciação incorrecta dos factos provados relativamente à condição económica dos arguidos.

  6. Na verdade, a fixação do prazo de três anos de suspensão da execução da pena não...

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