Acórdão nº 1653/05.9TJVNF.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 20 de Outubro de 2011

Magistrado ResponsávelALVES VELHO
Data da Resolução20 de Outubro de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. - “Construções ...., S.A.” intentou acção declarativa contra “Companhia de Seguros ...., S.A.” pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de 255.782,42€, assim como eventuais prejuízos que venham a ser-lhe reclamados por outros intervenientes da mesma cadeia contratual, reportada à execução dos trabalhos para a empreitada de execução do parque eólico identificado na p.i. e, ainda, os juros à taxa legal, a contar da citação.

Para tanto alegou que, tendo sido contratada como subempreiteira para a execução de 12 fundações para aerogeradores eólicos, encomendou a uma empresa idónea o fornecimento de betão com determinadas características e, já depois de executadas sete das fundações, seis foram rejeitadas pela dona da obra, após se ter comprovado que as características exigidas para o betão não se verificavam. Por isso, a A. teve de fazer novas fundações, desfazendo as executadas, com os prejuízos inerentes que estão cobertos por um contrato de seguro, celebrado entre a Ré e o dono da obra, do qual a A. é beneficiária.

A Ré contestou, para declinar o dever de indemnizar a Autora, contrapondo-lhe que o seguro contratado não abrange a situação descrita.

Discutida e julgada a causa, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu a Ré do pedido.

Na procedência do recurso de apelação, a sentença foi revogada e a Ré condenada no pagamento à Autora da quantia de 223.360,56€, acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação.

A Ré pede agora revista, visando a revogação do acórdão e a improcedência da acção, ou, assim não sendo entendido, o reconhecimento de que não estão cobertas pelo seguro as despesas indirectas, sempre com a dedução das franquias estipuladas.

Para o efeito, verteu nas conclusões da alegação: “1 - O contrato de seguro rege-se pelas cláusulas estabelecidas na apólice não proibidas por lei (arts. 426º e 427º do Cód. Com.); 2 - É típico de qualquer contrato de seguro um risco que se pretende transferir para a seguradora, quando decorrente de um sinistro tal como definido na apólice; 3 - Sinistro é, para o caso sub judice, qualquer evento de carácter fortuito, súbito e imprevisto, susceptível de fazer funcionar as garantias do contrato (ut pgs. 8 e 5, infra, das Condições Particulares anexas à contestação); Ou, como diz o diploma citado, o evento aleatório previsto no contrato; 4 - Não se enquadra nesses conceitos a má qualidade das sapatas ou fundações, que tiveram de ser substituídas, pela utilização na sua construção de material com defeito (betão sem as características contratadas); 5 - A apólice não garante a qualidade dos materiais fornecidos para a obra e da conjugação do estipulado nos arts. 13º e 15º das Condições Gerais 02 (Seguro de Obras e/ou Montagens), anexas à contestação como Doc. n°. 3, resulta inequivocamente que "A .... garante ao Segurado as indemnizações por quaisquer perdas ou danos materiais, súbitos e imprevistos, verificados nos bens objecto dos trabalhos (...) " (art. 13º), mas exclui expressamente "Os custos com substituições, reparações ou rectificações devidas a defeitos dos próprios materiais, de fundição ou da mão-de-obra" (art. 15º, n.º 4-a), exclusões essas limitadas às partes ou bens directamente afectados, não sendo extensivas às perdas ou danos em outros bens correctamente executados (mesmo artigo); 6 - Partes ou bens directamente afectados pela utilização (na sua execução) de material defeituoso - como é óbvio; no caso as sapatas ou fundações; 7 - Não é, assim, correcta a interpretação (mesmo gramatical, quanto mais lógica ou semântica) de que a exclusão diz apenas respeito ao material com defeito (no caso o betão), e não às partes ou bens em cuja execução ele foi utilizado; 8 - Quando seguros, a apólice cobre, em caso de sinistro, os danos à empreitada pelo custo real da reparação ou substituição dos bens ou trabalhos danificados ou destruídos (ut cláusula 9.1 das Condições Particulares, pgs. 5, infra), mas estando expressamente excluídas as despesas indirectas (art. 15º, nº 2 das Condições Gerais 02 – Doc. nº 3 anexo à contestação) como sejam as referidas no item 40, a fls. 502 infra, no valor de 63. 183,00€ (501 v., supra), 9 - Sem prejuízo da dedução das franquias estipuladas, como aliás se fez no douto acórdão recorrido.

10 - O douto acórdão recorrido fez errada interpretação e aplicação das cláusulas da apólice do seguro sub judice, assim como das citadas disposições legais (art.s 426° e 427° do Cod. Com.)”.

A Recorrida apresentou resposta defendendo a confirmação total do julgado.

  1. - A questão a resolver, como objecto do recurso, é a de, mediante interpretação das Condições Gerais e Particulares da Apólice de Seguro – riscos cobertos e exclusões -, averiguar se do respectivo âmbito de cobertura se deve ter por excluído, e em que medida, o direito à indemnização reclamada pela Autora pelos custos da execução de obras de novas fundações, com destruição das anteriores, em virtude da aplicação de betão que lhe foi fornecido com defeito.

  2. - É a seguinte a factualidade considerada no acórdão recorrido: 1) A Autora é uma sociedade comercial sob a forma anónima que desenvolve as actividades de construção civil e de obras públicas.

    2) A sociedade “...., S.A.” adjudicou à “....- International ...”, a empreitada de execução de fornecimento e montagem do Parque Eólico do Pinheiro, na Serra de Montemuro, que envolvia um total de 12 aerogeradores E66-18.70 1800 KW, com uma torre metálica de 63 m de altura e um diâmetro do rotor de 70 m.

    3) Por sua vez, a ... subempreitou à Autora a execução dos seguintes trabalhos de construção civil: - 12 fundações / sapatas para os 12 aerogeradores eólicos E66-18.70 1800 KW, com uma torre metálica de 63 m de altura e um diâmetro do rotor de 70 m que o Parque ia comportar; - Posto de seccionamento; - Edifício da subestação; - Via de acesso principal; - Ramificação de acesso e andaimes para todos os aerogeradores; - Abertura e fecho de valas para colocação de cabos eléctricos; - Nivelamento do terreno; - Instalações de estaleiro para Dono de Obra e fiscalização incluindo saneamento e electricidade.

    4) Para a execução das obras referidas no artigo precedente, a Autora, necessitava do fornecimento de: - betão C20/25 para as fundações dos 12 aerogeradores; - betão de enchimento (D200) para a regularização das 12 fundações dos aerogeradores; - betão C16/20 para execução da estrutura do edifício da subestação.

    5) A sociedade comercial “B...D... - B....P..., Lda.”, apresentou os respectivos preços.

    6) Na reunião feita entre a Autora e aquela B...D...., para contratualizar o fornecimento daqueles betões, a Autora alertou a B...D.... para a essencialidade do fornecimento do betão, designadamente o betão C20/25, com as especificações técnicas que o caracterizam, nomeadamente com a Norma Portuguesa N.P. E.N.V. 206:1993.

    7) A B...D.... afiançou que não tinha qualquer problema em fornecer o betão C20/25 que a Autora precisava, visto que era uma empresa idónea e com estudos dos betões, que fornecia, efectuados pela Associação Portuguesa das Empresas de Betão Pronto.

    8) Além disso, comprometeu-se a remeter o estudo/composição do betão C20/25 à Autora, o que fez.

    9) O estudo/composição do betão C 20/25 mostrava-se normal, e feito pelo laboratório daquela associação, Laboratório este acreditado no âmbito do Instituto Português da Qualidade (IPQ).

    10) Foi então acordado entre a Autora e aquela B...D.... o fornecimento de betão: - C20/25; - D200; - C16/20.

    11) O betão C20/25 (resistência mínima à compressão de 25 Mpa), é um betão caracterizado pela sua resistência à compressão e normalizado, ou seja, tem que ter, de acordo com a referida norma, um valor característico mínimo de tensão de rotura por compressão aos 28 dias de 25 Mpa para provetes cúbicos ou 20 Mpa para provetes cilíndricos.

    12) A Fiscalização da obra, que a Autora estava a executar, estava cometida à empresa “A..., Lda.”.

    13) Em finais de Maio de 2002, foi efectuada uma reunião em obra em que estiveram presentes, o Sr. AA e o Sr. BB, em representação da “...., S.A.”; Engº CC em representação da “A..., Lda.”.; Engº A. Campos de Carvalho, em representação da fiscalização da electricidade; Engª DD e Engª EE, em representação da fiscalização do Ambiente e Segurança; Engº FF em representação da “B...D....”; Engº GG, Engª HH e Engº II em representação da “...”; e, Engº JJ e Engº LL, em representação da Autora, para apreciar, entre outras, a questão relativa às betonagens das fundações das sapatas.

    14) E tal questão colocava-se porque tendo sido avaliados os resultados obtidos nos ensaios de betão C 20/25 através de provetes cúbicos quer no laboratório da Autora, quer no CICCOPN, verificou-se que os resultados ao 7.º dia podiam ser aceitáveis, mas que ao 28.º eram fracos, sendo o referente à sapata n.º 3, bastante fraco.

    15) A Fiscalização decidiu: - Não autorizar a montagem de torres e equipamentos na sapata nº 3, sem dados mais concretos da qualidade do betão C 20/25 aplicado; - Demandar o CICCOPN, no sentido deste proceder à retirada de provetes para carotagem no interior da sapata, para avaliação do betão C20/25. - Que se procedesse de imediato à avaliação do betão C20/25 através do esclerómetro; - Intimar a B...D.... a fornecer de imediato à ... todos os elementos referentes ao fabrico de betão C20/25 (composição e qualidade dos inertes e cimento), a fim de o Gabinete, autor do projecto das fundações, se pronunciar.

    16) A Autora mandou efectuar testes por carotes nas fundações 1, 2, 3, 4, 6, 5 e 12, no laboratório do CICCOPN-LGMC (Laboratório de Geotecnia e Materiais de Construção) – para verificar da conformidade do betão C20/25 aplicado nas sapatas.

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