Acórdão nº 1320/08.1YXLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 25 de Outubro de 2011

Magistrado ResponsávelALVES VELHO
Data da Resolução25 de Outubro de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. - O Ministério Público intentou contra “Banque AA (Sucursal em Portugal)” acção declarativa inibitória para condenação na abstenção do uso de cláusulas contratuais gerais constantes do “CONTRATO DE ALUGUER” que a Ré apresenta aos interessados que com ela pretendam contratar, pedindo que se declarassem nulas as cláusulas 3ª-2, na parte em que determina a perda da caução para o locador em caso de incumprimento por parte do locatário, 4ª, 12ª, 16ª, 17ª-2, 2ª parte, 18º-2 e 22ª, condenando-se a Ré a abster-se de as utilizarem contratos que venha a celebrar, bem como a dar publicidade a tal proibição.

Fundamentando os pedidos, o Autor alegou resumidamente: - a Cláusula 3ª-2 - “Condições de pagamento” revela-se manifestamente excessiva, sobretudo quando cumulada com a prevista na Cláusula 17.ª, sendo nula, nos termos do art. 19º, alínea c) do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25/10 (LCCG); - a Cláusula 4ª - “Impostos” viola a imperativa prevista no art. 36º-2, da Lei Geral Tributária (Decreto-Lei n.º 398/98, de 17-12) e o princípio da boa fé, sendo nula, por violação dos arts. 16º e 17º, do mesmo Decreto-Lei n.º 446/85; - a Cláusula 12ª - "Imobilização temporária" é nula nos termos do art. 18º, por afastar a responsabilidade do locador prevista no art. 1032º do Código Civil e vedar ao locatário a possibilidade de resolver o contrato com fundamento no incumprimento defeituoso; - a Cláusula 16ª - "Efeitos da caducidade do contrato (por perda total do veículo locado)" é absolutamente proibida nos termos do art. 21º- f) da LCCG, que proíbe a alteração das regras da distribuição do risco, sendo por isso, nula por via do seu art. 19º-c); - a Cláusula 17ª - "Rescisão por incumprimento", ao estabelecer uma cláusula penal que fixa antecipadamente o montante da indemnização devida em caso de incumprimento é nula de acordo com a mesma al. c) do art. 19º; - a Cláusula 18ª - "restituição do veículo" é ofensiva dos valores fundamentais defendidos pelo princípio da boa fé, por isso, nula; - a Cláusula 22ª - "Foro competente" é uma cláusula nula nos termos do disposto no artigo 19º- g) da mesma LCCG.

A Ré apresentou contestação.

Aceitou a procedência da pretensão do A. quanto à cláusula 3ª-2, bem como a nulidade do n.º 2 da cláusula 18º.

No mais, defende que o contrato denominado de "contrato de aluguer" não é um aluguer puro e simples de um veículo automóvel, pois que é estabelecido um valor residual, que corresponde ao valor a pagar a final para aquisição do veículo, correspondendo os contratos celebrados a um financiamento da aquisição de uma viatura. Assim, acrescenta, aquando da celebração do contrato de aluguer as partes acordam ainda numa promessa de compra e venda da viatura no final do prazo acordado. O contrato celebrado pela Ré tem fins económicos idênticos aos da locação financeira, sendo a tal equiparado para efeitos legais, contabilísticos e fiscais, pelo que deve o locatário suportar os encargos, nos quais se incluem contribuições, impostos, taxas, prémios de seguro, não lhe sendo aplicável o disposto no artigo 1032.º do Código Civil.

Consequentemente, as restantes cláusulas não violam quaisquer normas ou princípios de natureza imperativa.

Julgada a causa, a sentença declarou “proibidas as seguintes cláusulas constantes do formulário do contrato de aluguer elaborado pela Ré Banque AA, S. A.:

  1. Cláusula 3.ª Condições de pagamento “2. Simultaneamente com o pagamento da primeira renda, o Locatário entrega ao Locador uma caução no valor indicado nas Condições Particulares, que este poderá, sem prejuízo dos direitos que para ele decorrem da lei e do presente contrato, fazer sua ocorrendo incumprimento por parte do Locatário, e que lhe será devolvida no termo do contrato no caso de este ter sido pontualmente cumprido e de não ser devida qualquer quantia ao Locatário, nos termos, nomeadamente, do disposto na cláusula 17.ª das condições gerais”.

    b) Cláusula 12.ª Imobilização temporária “A imobilização do veículo locado, por avaria mecânica, acidente ou outra causa, não obriga o Locador à sua substituição nem exime o Locatário à obrigação de pagar pontualmente as rendas de aluguer, com excepção de imobilização que decorra de acidentes de que resulte perda total do veículo, situação em que está aplicável, nomeadamente, o disposto na cláusula 14.ª e 15.ª”.

    c) Cláusula 16.ª Efeitos da caducidade “No caso de extinção por caducidade do presente contrato nos termos da alínea a) do artigo anterior, é devida pelo Locatário ao Locador uma indemnização igual a 80% da diferença entre o valor indemnizatório recebido da seguradora do veículo e o valor das rendas vincendas no momento da caducidade do contrato.” d) Cláusula 17.ª Rescisão por incumprimento - n.º 2, 2ª parte: “No caso de rescisão por incumprimento, deverá o Locatário pagar ao Locador uma indemnização igual a 80% do valor das rendas vincendas e as rendas vencidas e não pagas, acrescidas de juros de mora à taxa legal, devendo ainda suportar integralmente o custo da reparação de qualquer avaria ou dano que o veículo locado apresente”.

    e) Cláusula 18.ª Restituição do veículo “1- Findo o contrato, por qualquer causa, incluindo a rescisão por incumprimento do Locatário, e com excepção da perda ou destruição total, o veículo locado deverá ser restituído no local e perante a entidade identificada na Cláusula 4ª das Condições Particulares” 2- A não restituição do veículo locado no prazo de 24 horas a contar da data do final do contrato ou da data em que produzir efeito a rescisão por incumprimento fará incorrer o locatário na prática do crime de “Furto de Uso de Veículo” ou outro que por lei venha a ser tipificado, presumindo-se que a detenção do veículo para além daquela se processa contra a vontade do Locador.” f) Cláusula 22.ª Foro “Qualquer litígio emergente do presente contrato será definitivamente dirimido pelo Foro da Comarca de Lisboa, com expressa exclusão de qualquer outro.”; e, - condenou a Ré “a abster-se do uso, em qualquer contrato, das cláusulas supra mencionadas”, bem como “a dar publicidade à parte decisória da presente sentença, no prazo de 20 dias, desde o trânsito em julgado, através de anúncio de dimensão não inferior a ¼ de página, a publicar em dois jornais diários de maior tiragem, que sejam editados em Lisboa e Porto, em 3 (três) dias consecutivos, comprovando o acto nos presentes autos, até 10 (dez) dias após a última publicação”.

    A Relação confirmou o sentenciado.

    Confrontada com a situação de “dupla conforme”, Ré interpôs, então, recurso de revista excepcional, que como tal lhe foi admitido pela Formação a que se refere o n.º 3 do art. 721º CPC, que teve como verificado o requisito previsto na al. a) do n.º1 do mesmo preceito quanto à questão de “apurar a natureza jurídica, regulamentação legal, e admissibilidade de inclusão, nele, de diversas cláusulas determinadas, nomeadamente em atenção ao princípio da autonomia contratual, do contrato atípico denominado de aluguer de longa duração (de veículo automóvel sem condutor)”.

    Insistindo na tese da errada qualificação e inerente regime jurídico do contrato, bem como na validade das cláusulas 12ª, 16ª, 17 e 22º, a Recorrente pede a revogação do acórdão, para o que argumenta no texto que submete à epígrafe “Conclusões”:

  2. O presente recurso vem interposto do douto Acórdão (…) que negou provimento ao recurso e confirmou a decisão da 1 a instância de considerar nulas as cláusulas 12ª, 16ª, 17ª e 22ª constante do clausulado usado pela recorrente nos contratos de aluguer que celebra.

  3. A recorrente considera e com todo o respeito devido pelas instâncias que já se pronunciaram sobre esta matéria que há uma errada determinação das normas legais a aplicar ao caso concreto a decidir, o que prejudica a boa aplicação do direito, c) Com efeito, a maioria da doutrina que se pronunciou sobre a questão dos contratos de aluguer celebrados por instituições financeira, considera que a sua natureza e efeito prático estão fora do regime da locação civil constante do nosso código civil.

  4. A jurisprudência tem considerado que apesar de se tratar de um contrato atípico o regime aplicável é a locação civil.

  5. A recorrente considera que dos argumentos apresentados pelas instâncias resulta que é desvalorizada a componente financeira do contrato celebrado pela ré e consequentemente se erra na aplicação das normas da locação civil para apreciação de validade das cláusulas contratuais, violando o disposto nos art° 9°, 10°, 236° e 238° do C.C.

  6. Com efeito, interpretar e aplicar ao contrato de aluguer celebrado pela recorrente as normas do Código Civil para a locação é absolutamente redutor e desajustado quer às circunstâncias em que é celebrado o contrato e à vontade real e concordante das partes.

  7. De facto, estamos perante um contrato em que as cláusulas se encontram pré-estabelecidas pela recorrente enquanto locadora, duma forma geral e abstracta, com redução a escrito em impressos disponíveis aos aderentes locatários, concluindo-se o contrato em concreto com o ajuste e preenchimento das cláusulas particulares, respeitantes à identificação do locatário, à identificação do veículo, duração, ao montante das rendas, ao tempo dos pagamentos, às garantias a prestar pelo locatário, estas condições supra referidas, indicadas nas condições particulares, resultam sempre da prévia negociação com os aderentes, pois dependem do veículo que escolhem e da disponibilidade financeira mensal de cada um.

  8. O artigo 10° do Decreto-Lei n. ° 446/85, de 25 de Outubro, consagra como princípio geral de interpretação quê: "As cláusulas contratuais gerais são interpretadas e integradas de harmonia com as regras relativas à interpretação e integração dos negócios jurídicos, mas sempre dentro do contexto de cada contrato singular em que se incluam." i) Ou seja, a natureza e o fim do contrato assumem relevância na interpretação das cláusulas gerais inseridas no mesmo.

  9. Várias têm sido as teses doutrinais...

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