Acórdão nº 0860/11 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 12 de Outubro de 2011

Magistrado ResponsávelFRANCISCO ROTHES
Data da Resolução12 de Outubro de 2011
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

1. RELATÓRIO 1.1 A sociedade denominada “A…, S.A.” (adiante Contribuinte, Impugnante ou Recorrente) deduziu impugnação judicial, pedindo no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga a anulação da autoliquidação de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) do ano de 2008 na parte respeitante à tributação autónoma das despesas de representação e de despesas com viaturas de passageiros, que considera não poder ser feita à taxa de 10% estabelecida na alínea a) do n.º 3 do art. 81.º do Código do IRC (CIRC), na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 64/2008, de 5 de Dezembro, por esta padecer de inconstitucionalidade por violação do princípio da irretroactividade da lei fiscal, mas à taxa de 5% que previa a mesma norma legal na anterior redacção.

1.2 A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, após ouvir a Impugnante sobre a questão, suscitada pela Fazenda Pública, julgou verificada a excepção inominada decorrente da falta da reclamação graciosa prévia prevista no n.º 1 do art. 131.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que considerou indispensável por não estarem verificados os requisitos enunciados no n.º 3 do mesmo artigo, motivo por que absolveu a Fazenda Pública da instância.

1.3 Inconformada com essa decisão, a Impugnante dela interpôs recurso para este Supremo Tribunal Administrativo, que foi admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

1.4 A Recorrente apresentou as alegações de recurso, que sintetizou em conclusões do seguinte teor: « 1. O vício que se imputa à autoliquidação impugnada nenhuma relação tem com a concreta situação contributiva da Impugnante, nem depende de forma alguma da sua apreciação pela administração tributária, vindo aqui a Impugnante pugnar pela inaplicabilidade por inconstitucionalidade de uma norma legal, a factos concretos assentes e indiscutidos; 2. Por outro lado, parece decorrer da sentença que previamente ao escrutínio judicial, se impõe sempre a pronúncia da administração fiscal sobre a inconstitucionalidade invocada pela Impugnante ora Recorrente, aventando-se mesmo a hipótese daquela decidir não aplicar a norma, o que se não concebe nos termos da lei; 3. Falha, pois, em toda a sua plenitude a sentença recorrida, discernindo-se da exposição apresentada um equívoco entendimento do papel e dos poderes da administração tributária e, bem assim, uma profundamente deficiente interpretação do artigo 131º do CPPT; 4. Desde logo, determinando o n.º 1 do artigo 131º do CPPT que, em caso de erro na autoliquidação, a impugnação judicial será necessariamente precedida de reclamação graciosa apresentada à administração tributária e tendo a liquidação efectuada pelo contribuinte sido feita com base em factos verdadeiros e que correspondem à realidade e mediante a aplicação das normas legais e regras administrativas em vigor, estamos perante uma situação de impugnação de autoliquidação que não se sustenta em erro do contribuinte, pelo que não cabe a presente impugnação na alçada do preceituado no n.º 1 do artigo 131º do CPPT, não se impondo a prévia reclamação graciosa do acto impugnado; 5. Mas sem prescindir, ainda que se entenda que o n.º 1 do artigo 131.º se aplica em qualquer caso de impugnação de autoliquidação, fundamentada ou não em erro do contribuinte, prevê o n.º 3 do mesmo artigo que poderá ser directamente apresentada aos Tribunais a impugnação que se fundamente exclusivamente em matéria de direito e tenha sido efectuada de acordo com instruções genéricas da administração tributária; 6. Sendo, no caso em apreço, inequívoco que a impugnação apresentada se fundamenta exclusivamente em matéria de direito, resta verificar se versa sobre questões em que existam orientações genéricas da administração tributária, pressuposto que tem como objectivo a necessidade de existência prévia de um litígio entre o contribuinte e a administração fiscal, sem o qual se não justifica a intervenção dos Tribunais; 7. Ora, numa situação em que se apresente uma correcção que verse exclusivamente matéria de direito e em que seja de antemão conhecido que a administração tributária discordará das pretensões do Impugnante, tal requisito de prévia reclamação redundaria num acto inútil e causador de atrasos desnecessários, razão pela qual, prevê a lei, no cumprimento dos princípios da economia e da celeridade processuais, que em tais casos, possa o contribuinte recorrer directamente às vias judiciais; 8. Assim sendo, temos que o fundamento da imposição de prévia reclamação graciosa não se estriba em nenhum dos argumentos aventados na sentença: destina-se este impositivo apenas a impor a confirmação da existência de um prévio desacordo ou litígio entre as posições adoptadas pelo contribuinte e pela administração fiscal, desacordo ou litígio este que as vias judiciais são chamadas a dirimir.

9. No caso em apreço, este desacordo ou litígio existe de antemão e não pode conceber-se que assim não seja, pois que, ao invés do que surpreendentemente propugna a sentença aqui posta em crise, a administração fiscal não pode sindicar a constitucionalidade de uma norma legal, nem pode em caso algum deixar de aplicar uma norma legal existente; 10.

A administração fiscal está, nos termos do artigo 55º da LGT e no seguimento do princípio vertido no n.º 2 do artigo 266º da CRP, vinculada ao princípio da legalidade, pelo que não pode deixar de dar integral cumprimento aos normativos que o legislador ordinário criou e que estejam em vigor no ordenamento jurídico; 11.

Assim, sendo a autoliquidação efectuada no cumprimento de preceitos legais cujo teor intrínseco não levanta quaisquer dúvidas ou questões, não cabe à administração fiscal pronunciar-se sobre a sua legitimidade, bastando-se com cumpri-las, pelo que se encontra a administração tributária exactamente na mesma situação em que se encontraria caso tivesse emitido orientações genéricas: vinculada a decidir de acordo com o previamente estipulado, ou seja, contra as pretensões do Contribuinte/Reclamante.

12.

Uma prévia reclamação graciosa, no caso em apreço, não podia ter outro objectivo que não fosse o de atrasar a justiça e de multiplicar trabalhos inúteis, pois que, estando apenas em causa a inconstitucionalidade da aplicação de uma norma legal, que só pode ser conhecida em sede judicial, a decisão de uma eventual prévia reclamação graciosa estaria definida à partida, tal como estaria se houvesse orientações genéricas da administração fiscal nesse mesmo sentido; 13.

Não pode, pois, deixar de se entender materialmente verificados os pressupostos para a directa impugnação judicial da autoliquidação em questão, previstos no n.º 3 do artigo 131º do CPPT, dispensando-se a reclamação prévia numa situação em que a sua decisão se encontra inequivocamente condicionada no sentido do seu indeferimento; 14.

Razão pela qual labora em erro a sentença aqui posta em crise, na medida em que julga procedente a excepção invocada pela Fazenda Pública, abstendo-se de apreciar o mérito da acção de impugnação apresentada e absolvendo a Fazenda Pública da instância, por não ter sido previamente apresentada reclamação graciosa; 15.

O que impõe a sua revogação, julgando-se improcedente por infundada a excepção invocada e ordenando-se a descida dos autos ao Tribunal a quo para apreciação do mérito da impugnação apresentada.

Termos em que deverá o presente Recurso ser julgado procedente, anulando-se a decisão Recorrida, pelos motivos acima expostos, e julgando-se improcedente a excepção invocada, ordenando-se em seguida a descida dos autos ao tribunal administrativo e fiscal de Braga para que se pronuncie sobre o mérito da acção intentada com o que se fará inteira e sã JUSTIÇA!» ( As partes entre aspas e com um tipo de letra diferente são transcrições, aqui como adiante.

).

1.5 A Fazenda Pública não contra alegou.

1.6 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso. Isto, em síntese, porque considerou que, contrariamente ao que sustenta a Recorrente, a reclamação prévia não pode ser dispensada, pois, apesar de verificado o primeiro dos requisitos enunciados no n.º 3 do art. 131.º do CPPT...

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