Acórdão nº 1367/10.8T2AVR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 04 de Outubro de 2011

Magistrado ResponsávelJAIME CARLOS FERREIRA
Data da Resolução04 de Outubro de 2011
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra: I Na Comarca do Baixo Vouga – Juízo de Média e Pequena Instância Cível de Aveiro, M…, residente na Rua …, e D…, residente na Rua …, intentaram a presente acção declarativa, com processo sumário, contra R… e marido H…, residentes na Rua …, pedindo a condenação destes a reconhecer o direito de propriedade e a posse das AA. sobre os prédios identificados nos pontos 1º e 2º da petição inicial e a procederem à entrega imediata desses prédios às AA, livres e devolutos de pessoas e de bens.

Para o efeito e muito em resumo, alegaram que são donas e legítimas possuidoras, em comum e sem determinação de parte, do prédio urbano, destinado exclusivamente a habitação, composto de casa de um pavimento e logradouro, sito na Rua …, inscrito na matriz respectiva da freguesia …, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Aveiro sob o nº…, e, ainda, do prédio rústico, sito na Rua …, inscrito na matriz respectiva da freguesia de …, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Aveiro sob o nº ...

Que o prédio urbano foi dado de arrendamento a A…, em 06/05/1976, pelo período de um ano, renovável por igual período.

Que este arrendatário faleceu a 22/07/2009 e não residia, na altura, no prédio arrendado, que era habitado pelos RR. e pelo seu agregado familiar.

Que o dito contrato de arrendamento caducou com a morte do referido arrendatário, não existindo nenhum título que legitime a fruição do imóvel pelos RR..

Que as AA solicitaram aos RR a entrega do imóvel, o que até ao presente ainda não sucedeu, continuando estes a habitarem o local referido, razão da presente demanda.

Que o marido da 1ª A. permitiu, por mero favor e gratuitamente, que o referido A… cultivasse o prédio identificado no ponto 2º da petição inicial.

Que os RR. cultivam o terreno sem qualquer título que legitime a sua fruição e que impedem as AA de utilizarem esse terreno, apesar das entregas do dito solicitadas pelas AA aos RR..

II Contestaram os RR., alegando, muito em resumo, que a Ré sempre viveu com o pai no local arrendado, desde à mais de 45 anos, pelo que, por morte deste, o direito ao arrendamento transmitiu-se à Ré, sua filha, conforme comunicação oportunamente feita à senhoria.

E excepcionam o abuso do direito por as AA. terem instaurado a presente acção de despejo apesar de terem emitido os recibos de renda dos meses de Março a Setembro de 2010, após lhes ter sido comunicado, em Fevereiro de 2010, o falecimento do primitivo arrendatário, o que significa que aceitaram a transmissão do arrendamento.

Que o prédio identificado em 2 mais não é do que o quintal da casa e faz parte integrante do arrendamento.

Terminaram pedindo a improcedência da acção e a absolvição os RR do pedido.

III Responderam as AA., alegando que os recibos referidos pelos RR foram emitidos em nome de A… e que o recebimentos dessas rendas não constitui uma aceitação da transmissão do arrendamento para os RR, mas apenas o recebimento de uma compensação pela ocupação do espaço.

Mantiveram o seu pedido inicial.

IV Terminados os articulados foi proferido despacho saneador-sentença, no qual foram verificados todos os necessários pressupostos à tramitação da presente acção, depois do que foi decidido julgar procedente a acção e condenar os RR a entregarem às AA. os prédios que ocupam, identificados em 1 e 2 dos factos provados, livres e devolutos, de pessoas e bens, no prazo de 15 dias após o trânsito em julgado da sentença.

V Dessa sentença interpuseram recurso os RR, recurso que foi admitido como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo.

Nas alegações que apresentaram os Apelantes concluíram do seguinte modo: ...

VI Contra-alegam as AA/Apeladas, defendendo a improcedência do recurso e a confirmação da sentença recorrida.

VII Nesta Relação foi aceite o recurso interposto, tal como foi admitido em 1ª instância, nada obstando ao conhecimento do seu objecto, o qual se pode resumir à apreciação da questão das seguintes questões: A – Determinação da lei substantiva aplicável à situação discutida na acção – a eventual transmissão por morte do direito ao arrendamento do prédio em causa aos RR..

B – Se ocorre ou não a caducidade desse arrendamento, por morte do primitivo arrendatário, o pai da Ré.

C – Se se verifica ou não abuso de direito por parte das AA ao proporem a presente acção, depois de terem emitido recibos de rendas entre Março e Setembro de 2010.

Para podermos apreciar tais questões importa, antes de mais, que enunciemos a matéria de facto a ter em conta, matéria essa que é a considerada na sentença recorrida, à qual nenhuma impugnação foi apresentada pelos Recorrentes e nem se alcançam razões para a sua alteração oficiosa.

É ela, pois, formada pelos seguintes pontos, tal como constam da sentença recorrida: … Com este conjunto de factos, a sentença recorrida condenou os RR a fazerem a entrega do locado e do terreno agrícola em causa às AA, com base na seguinte argumentação: ”O arrendamento foi celebrado a 6 de Maio de 1976. Portanto, ao que para aqui interessa, muito antes da entrada em vigor do RAU aprovado pelo art. 1.º do DL n.º 321-B/90, de 15/10, que entrou em vigor a 18/11/1990.

O arrendatário A… faleceu a 22 de Julho de 2009, ou seja, já na vigência do NRAU, que entrou em vigor, nos termos do n.º 2 do seu art. 65º, a 27 de Junho de 2006.

Nos termos do n.º 1 do art. 59º da Lei n.º 6/2006, de 27/02, que aprova (art. 1.º) o NRAU, este aplica-se aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor, “bem como às relações contratuais constituídas que subsistam nessa data, sem prejuízo do previsto nas normas transitórias”.

Uma destas normas aplicáveis é o art. 57º do NRAU que estabelece, em norma transitória de direito material, o regime específico da transmissão por morte nos arrendamentos para habitação celebrados antes da vigência do RAU (art.s 26º, n.º 2, 27º, 28º e 59º, n.º 1, parte final, todos do NRAU).

Cumpre-nos definir o sentido e alcance daquele art. 57º do NRAU.

A regra da caducidade, por morte do arrendatário, do arrendamento de prédios urbanos para habitação admite, desde há muito tempo, excepções a possibilitar a transmissão da posição contratual do arrendatário falecido para elementos do núcleo familiar deste.

Ao que importa agora, estabelece o art. 57º, n.º 1, alínea e) do NRAU: “o arrendamento para habitação não caduca por morte do primitivo arrendatário quando lhe sobreviva filho ou enteado maior de idade, que com ele convivesse há mais de um ano, portador de deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60%”.

Primitivo arrendatário é aquele que dá origem à cascata de devoluções”. Ou seja, no nosso caso, o pai da Ré.

Analisada a norma, verificamos que são requisitos da transmissão do arrendamento para efeitos da alínea e) do n.º 1 do art. 57º do NRAU: a) – ser o filho maior de idade (para usarmos as palavras da lei); b) – ter o filho convivido com o primitivo arrendatário por mais de um ano; c) – ser o filho portador de deficiência com grau de incapacidade superior a 60%.

Estes requisitos são de verificação cumulativa.

O regime do art. 57º do NRAU, como bem observa L.M. Teles de Menezes Leitão, facilita a transmissão, por morte do arrendatário, no arrendamento para habitação, em relação ao regime anterior, designadamente: a) – pelo que respeita ao requisito negativo de o arrendatário não ter outra habitação na localidade, antes previsto no art. 86º do RAU; b) – quanto à possibilidade de poder haver segunda transmissão, agora consentida pelo n.º 4 do art. 57º do NRAU. Mas, restringe-a na última parte da alínea e) do n.º 1.

O n.º 2 do art. 57º do NRAU nada mais faz que estabelecer a prioridade (hierarquia ou preferência)...

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