Acórdão nº 2634/06.0TBPTM.E1.SI de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Setembro de 2011

Magistrado ResponsávelSÉRGIO POÇAS
Data da Resolução15 de Setembro de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1.

Relatório AA, intentou contra BB., SA., detentora do Jornal de Notícias, e CC, SA., acção declarativa com processo ordinário, pedindo a condenação solidária destas no pagamento da quantia de € 550.000,00, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais.

Como fundamento alegou ser médica, tendo exercido funções, para além do mais, no Instituto de Medicina Legal de Portimão. A Ré CC transmitiu, no noticiário das 20 horas do dia 1.02.2006, uma entrevista que a Autora, alheia às suas intenções, lhe concedera no mesmo dia, sobre a subscrição de certificados de óbito em branco, com comentários em que a Autora era associada a uma rede de agenciamento de inumação de cadáveres por parte de agentes funerários, com corrupção dos serviços do Instituto de Medicina Legal.

Na edição do Jornal de Notícias do dia seguinte, 2.02.2006 e em dias subsequentes, a Ré BB.

publicou uma notícia intitulada "cheques em branco para agentes funerários", onde transcrevia uma entrevista a que a Autora havia respondido ingenuamente, insinuando que participaria num "negócio de morte" assinando certificados de óbito em branco para serem utilizados por agentes funerários para conseguirem contratos para a inumação de cadáveres. Tais notícias, caluniosas, pelo alarde e escândalo que causaram, originaram processos disciplinares movidos à Autora pela Ordem dos Médicos e pelo Instituto Nacional de Medicina Legal, denegriram-lhe a imagem e causaram prejuízos à sua personalidade moral e profissional. Em consequência das referidas notícias, o INML revogou o contrato de avença que com ela mantinha no Gabinete Médico-Legal de Portimão, no montante de cerca de € 2.500,00 mensais e que, seguramente, duraria mais 15 anos, causando-lhe, assim, um prejuízo de € 250.000,00. Tais notícias, denegrindo-lhe a imagem, prejudicaram o exercício da sua carreira profissional, causando-lhe um prejuízo de perdas de clientela, superior a € 20.000,00 por ano, pelo que, considerando que poderá exercer a sua profissão em regime livre para além dos 65 anos, o prejuízo ascende a, pelo menos, € 250.000,00. A sua personalidade moral e profissional foi vilipendiada e ultrajada, causando-lhe danos não patrimoniais que avaliou em € 50.000,00.

A Ré BB.

contestou, pugnando pela sua absolvição e pela condenação da A. como litigante de má-fé, alegando ser alheia ao contrato da Autora com o INML, que não tem legitimidade para peticionar perda de clientes, que não alegou factos que permitam concluir pela existência de danos, até porque os que noticiou eram já do conhecimento público por terem sido divulgados antes da chegada do Jornal de Notícias às bancas. A notícia em causa refere, exclusivamente, uma investigação contra a Autora e outro médico, acusando os mesmos de terem assinado certidões de óbito em que constava a causa da morte, sem mais elementos, designadamente, os respeitantes à identificação do falecido. A publicação em causa não pretendeu pôr em causa o bom nome e reputação da Autora, enquando-se a notícia nos limites do exercício efectivo do direito à informação e liberdade de imprensa, inexistindo fundamento para a indemnização peticionada, muito menos nos valores peticionados. Os factos publicados são verdadeiros e, por isso, a sua divulgação é lícita e já tinham sido noticiados pela CC em data anterior.

Também a Ré CC contestou, tendo invocado a inconstitucionalidade da forma processual usada pela Autora, por ser o processo penal o adequado, nos termos do art. 36° da Lei de Imprensa e a incompetência absoluta dos tribunais cíveis. Alegou ainda que a notícia em causa apenas dá conta, de forma objectiva e precisa, dos factos denunciados às autoridades judiciais competentes e sob investigação. O esquema era entre funcionários administrativos do hospital de Portimão, os serviços de bombeiros e as agências funerárias, de forma a possibilitar a angariação, por estas, de clientes através de informação privilegiada que lhes era cedida a troco de compensação monetária. Nem a A nem qualquer outro médico foram associados a este esquema de corrupção ou a qualquer outra actividade não lícita, sendo o único objectivo da notícia informar o público sobre factos relacionados com os meandros do dito esquema e porque a este teriam sido associadas certidões de óbito emitidas pelo Gabinete Médico-Legal de Portimão, tendo pelo menos uma delas sido assinada pela Autora, tal facto motivou a entrevista à Autora para explicar como tal seria possível, mas sem nunca lhe imputar qualquer comportamento suspeito ou ilícito, constituindo a notícia apenas um esclarecimento da que já circulava em diferentes meios de comunicação. Os jornalistas envolvidos tinham plena confiança na veracidade de todos os factos que noticiaram e com a notícia apenas se deu conta, de forma objectiva e precisa, dos factos sob investigação, não se tecendo qualquer consideração nem se imputando à Autora qualquer acto ou suspeita de acto ilícito. Sendo a matéria em causa de inegável interesse público e jornalístico, insere-se no direito, constitucionalmente garantido, de liberdade de imprensa, não tendo daí resultado qualquer desprestígio para a personalidade ou actividade profissional da Autora.

Saneado o processo, foram as invocadas excepções julgadas improcedentes e, seleccionados os factos assentes e organizada a base instrutória, procedeu-se a julgamento, vindo a ser proferida sentença na qual se julgou a acção parcialmente procedente, sendo as Rés condenadas a pagarem, solidariamente, à A. a quantia de 77.000,00 € (setenta e sete mil euros), sendo 27.000,00 € (vinte e sete mil euros) a título de danos patrimoniais e 50.000,00 € (cinquenta mil euros) a título de danos não patrimoniais.

Inconformadas com esta decisão, interpuseram as Rés recursos para o Tribunal da Relação que concedeu parcial provimento aos recursos.

Ainda inconformadas, recorrem as rés para o STJ Conclui a ré BB.: A. A responsabilidade assacada à Recorrente pelo acórdão recorrido, enquanto responsabilidade civil, pressupõe a verificação de todos os requisitos legais gerais ínsitos no regime do art. 483º do CC: o facto voluntário do agente, a ilicitude, a culpa (dolo ou negligência), o dano e o nexo de causalidade.

  1. A matéria de facto provada mostra ao Tribunal que os factos narrados na notícia são totalmente verdadeiros, na dupla vertente em que foram noticiados pela Recorrente: a de que a médica do Gabinete Médico-Legal elaborou mesmo certificados de óbito "em branco" (pelo menos os três referenciados) e que estava indiciada uma participação da A. na participação de um conjunto de médicos em esquema de favorecimento/corrupção desmantelado em Agosto pelo Departamento de Investigação Criminal de Portimão da PJ relativo a agências funerárias.

  2. Tratam-se de factos relevantes do ponto de vista do interesse público na sua exposição pública, tanto mais que dizem respeito ao modo de desempenho de uma função pública (a de médica legista do Gabinete Médico-Legal), paga com dinheiro dos contribuintes.

  3. Estando provada esta factualidade, não se entende, nem se aceita, que a sentença recorrida afirme, naquilo que pode relevar para efeitos de exceptio veritatis, que a verdade dos factos apenas ocorreu no que diz respeito à existência de três certificados de óbito "naquelas condições", sendo tudo o mais meros "palpites da jornalista" ou "mescla" de palpites com factos.

  4. A jornalista nada mesclou. Nem narrou meras suspeitas, palpites e impressões como se de factos se tratasse. Para que a sentença recorrida pudesse legitimamente afirmar a ocorrência deste tipo de jornalismo (menor), teria que não ter considerado provado o que se provou e consta da matéria de facto.

  5. É que os autos demonstram que ao tempo em que a notícia foi publicada a) existia mesmo uma investigação criminal em curso às agências funerárias, bombeiros e médicos envolvidos, b) por alegados actos de corrupção e favorecimento c) onde a autora estava a ser investigada, d) por suspeita de "ter assinado certidões de óbito sem examinar os cadáveres" e) e de "favorecimento de algumas agências [funerárias]" f) e que "a jornalista envolvida (...) confirmou que existia uma investigação criminal em curso que associava a existência dos certificados de óbito a um esquema de corrupção" G. A narrada investigação criminal, a sindicância nesse processo crime dos actos da autora, à luz de suspeita de favorecimento de agências funerárias e como suspeita de passar certificados de óbito sem examinar os cadáveres não eram virtuais, nem são, como afirma o tribunal recorrido, meras "convicções, suspeitas, impressões, palpites, conclusões de jornalista", narrados "como se de factos se tratasse".

  6. Por outro lado, é evidentemente lícita e jornalisticamente adequada a revelação noticiosa de que os actos da autora se encontram em investigação sob a perspectiva de investigação criminal às certidões de óbito "em branco" no contexto das relações em investigação das redes das agências funerárias, onde estes actos da autora se encontravam em investigação.

    I. Ademais, a sentença recorrida faz um juízo de mérito sobre o interesse público da revelação dos factos que é absolutamente erróneo, pois que é falso que "o interesse jornalístico apenas existe ao fazer-se a amalgama. (...) A notícia, o chamariz, é precisamente a inclusão do facto como mais uma peça do esquema de corrupção desmantelado..." J. Surgindo a acção estruturada com base na responsabilidade civil dos RR., por acto ilícito, por lesão de bens da personalidade da A, como a sua honra, bom nome, alegando a A. danos não patrimoniais decorrentes de tal lesão, a sentença recorrida afirma verificar-se o primeiro dos pressupostos da responsabilidade civil aquilíana - o acto ilícito - descurando os supra referidos aspectos relativos à sua concreta justificação e licitude, portanto, à sua não verificação.

    L. Uma vez que ficou demonstrado nos autos a justificação da ilicitude da ofensa, fica prejudicada a consideração da...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT