Acórdão nº 429/07.3TTPRT.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Setembro de 2011
Magistrado Responsável | FERNANDES DA SILVA |
Data da Resolução | 22 de Setembro de 2011 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça I – 1.
AA, residente na Rua ..., n.º …, …, …, intentou no Tribunal do Trabalho do Porto, em Setembro de 2007, a presente acção declarativa com processo comum contra “BB – Companhia Portuguesa de Seguros, S.A.”, com sede na Av. ..., n.º …, em Lisboa, pedindo que: a) seja declarada a ilicitude do seu despedimento; b) seja a ré condenada a reintegrá-lo ao seu serviço ou a pagar-lhe uma indemnização pelo despedimento, no caso de pela mesma vir a optar; c) seja a ré condenada a pagar-lhe as retribuições vencidas e vincendas desde o despedimento até à sentença; d) seja a ré condenada a pagar-lhe a quantia de 250.000,00 euros, a título de indemnização por todos os danos de natureza não patrimonial causados em virtude do despedimento e dos termos em que foi promovido; e) seja a ré condenada a pagar-lhe a quantia 160,125,00 euros, a título de indemnização por danos de natureza patrimonial já sofridos em virtude do despedimento; f) seja a ré condenada a pagar-lhe, a título de indemnização por danos de natureza patrimonial, o montante que vier a apurar-se em liquidação de sentença, depois de efectivamente computados os danos que nesse âmbito o autor venha a sofrer até à data da sentença em consequência da não utilização do veículo, do não recebimento das despesas de combustíveis e de manutenção do veículo e em virtude da perda do seguro de saúde; g) seja a ré condenada a pagar-lhe a quantia de 77.370,00 euros, a título de diferenças relativas à retribuição especial pela isenção do horário de trabalho; h) seja a ré condenada a pagar-lhe a importância de € 970,57, a título de diferenças salariais; i) seja a ré condenada a pagar-lhe a importância de € 975,95, a título de diferenças salariais no que concerne aos proporcionais de férias e subsídios proporcionais vencidos na data da cessação do contrato; j) seja a ré condenada a pagar-lhe os juros de mora sobre todas as quantias reclamadas já vencidas, ou venham a vencer-se, desde as datas dos respectivos vencimentos.
Para fundamentar a sua pretensão, alegou, em resumo, que foi admitido pela ré em 1 de Julho de 1987, e em Dezembro de 2005 tinha a categoria de Director de Serviços; a partir de Janeiro de 1991 passou a estar sob o regime de isenção de horário; a ré, abusivamente, qualificava como retribuição base apenas uma parcela da mesma, qualificando como “suplementos diversos” o restante; em 2 de Janeiro de 2006, a ré instaurou-lhe um processo disciplinar, que culminou com o seu despedimento; inexistiu a justa causa invocada pela ré, pelo que o despedimento é ilícito; o processo disciplinar foi instaurado quase um ano depois de os factos terem chegado ao conhecimento da ré, pelo que estava já prescrito o exercício da acção disciplinar; quando o processo disciplinar foi instaurado havia ocorrido mais de um ano desde a data em que terão ocorrido os factos, pelo que a infracção sempre estaria prescrita; em consequência do despedimento sofreu danos de natureza não patrimonial; sofreu prejuízos por ter a regalia de atribuição de viatura; o quantitativo relativo aos “suplementos diversos” deveria ter sido considerado para cálculo da retribuição especial pela isenção de horário; no momento da cessação do contrato a ré ficou devedora de importâncias a título de proporcionais de férias e de subsídios de férias e de Natal.
-
A ré apresentou contestação, impugnando parcialmente a factualidade alegada pelo autor, alegando os factos constantes da decisão disciplinar que conduziu ao despedimento e ainda, em síntese, que: - Os “suplementos diversos” eram pagos a título de incentivo e compensação pela produtividade e assiduidade; - Os comportamentos do autor, convencendo terceiros a entregarem-lhe dinheiro a fim de ser aplicado em fundos fechados da ré, são altamente censuráveis, pondo em causa a reputação e bom-nome da entidade patronal; - Os factos imputados ao autor constituem infracção continuada; - O autor estava autorizado a utilizar a viatura em todas as deslocações que necessitasse de efectuar ao serviço da ré; - A ré apenas suportava o combustível gasto em deslocações ao serviço da empresa; - O valor do seguro de saúde era suportado integralmente pelo autor; - Sempre pagou a compensação pela isenção de horário correspondente a 25% do ordenado base da categoria do autor.
Conclui que a acção deverá ser julgada improcedente e que o autor deverá ser condenado como litigante de má-fé no pagamento de multa e indemnização de montante não inferior a 100 UC.
O autor respondeu, concluindo que deverá improceder o pedido de condenação como litigante de má-fé, no pagamento de multa e indemnização de montante não inferior a 100 UC.
-
Realizou-se audiência preliminar, na qual foi proferido despacho de selecção da matéria de facto assente e controvertida, com fixação de Base Instrutória; Procedeu-se a audiência de discussão e julgamento.
Discutida a causa, proferiu-se sentença a julgar a acção parcialmente procedente, com condenação da R. no pagamento ao A. das importâncias de € 970,57, a título de diferenças salariais, e de € 558,38, a título de diferenças concernentes a proporcionais de férias e de subsídios de férias e de Natal.
No mais, foi a R. absolvida, sendo-o ambas as partes quanto ao pedido de condenação por litigância de má-fé.
-
Inconformada, a R. interpôs recurso de Apelação, o mesmo tendo feito o A.
O Tribunal da Relação do Porto, pelo Acórdão prolatado a fls. 923-982, concedeu parcial provimento ao recurso do A. e negou-o integralmente ao recurso da R.
-
Ambas as partes se rebelaram contra o assim ajuizado.
É o A. que primeiramente se insurge, mediante o presente recurso de Revista, cuja motivação fecha com este quadro conclusivo: a) Os comportamentos imputados ao A. não consubstanciam justa causa de despedimento, mesmo admitindo que os mesmos tivessem ocorrido nos termos em que foram dados como provados na decisão recorrida.
-
A simples referência ao facto de se tratar de um fundo fechado da Ré, numa conversa efectuada pelo A. no consultório médico do Dr. CC, e sem que daí tenham emergido quaisquer prejuízos efectivos ou riscos potenciais para a Ré, não pode implicar uma consequência tão grave como a ruptura do vínculo laboral.
c) Para considerar o comportamento do A. tão grave, a ponto de implicar imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, imprescindível seria que o comportamento assumido pelo A. houvesse revelado alguma conexão directa com a sua actividade desenvolvida ao serviço da Ré.
-
O que não foi manifestamente o caso, uma vez que a Ré não só jamais foi envolvida pelo A. nos factos, como não sofreu prejuízo algum em resultado dos mesmos.
e) Pelo que a conduta do A. não integrou a violação do dever de lealdade perante a Ré.
f) Assim sendo, não se verificaram os pressupostos necessários para a verificação da justa causa de despedimento, devendo este ser declarado ilícito com todas as consequências daí resultantes previstas na lei.
-
Aquando da instauração do processo, havia decorrido já mais de um ano desde a data em que terão ocorrido os factos imputados ao A., pelo que a infracção sempre estaria prescrita, salvo no caso de os factos constituírem igualmente uma conduta criminosa.
-
Jamais poderia um Tribunal do Trabalho extrair a conclusão jurídica de que o A. incorreu na prática de um crime de burla, por manifesta questão de incompetência.
-
Mesmo que fosse verdadeira a tese da burla, óbvio é que esta se teria consumado no momento em que o A. recebera da parte do Dr. CC os cheques já atrás referidos, ou seja em Junho e Setembro de 2004.
-
A ter incorrido o A. num eventual crime de burla, os lesados teriam sido apenas o Dr. CC e a Dra. DD.
-
Não tendo sido a Ré ofendida criminalmente pelo A., nesse âmbito, não pode pois a mesma alegar que os factos em que alicerçou o processo disciplinar constituem crime de burla contra si.
-
Acresce que, tal como resulta claramente da simples leitura da nota de culpa e do relatório e conclusões – únicas peças susceptíveis de serem consideradas pelo Tribunal na apreciação da justa causa de despedimento –, relativamente a si, a Ré alegou apenas para fundamentar o despedimento que "... (o) tipo de comportamentos adoptados pelo Arguido nos episódios descritos é revelador da total desconsideração pela sua entidade empregadora, aqui Arguente, pondo em causa a sua reputação e o seu bom-nome, com todas as consequências e prejuízos daí inerentes para a mesma;".
-
Sendo certo que nenhuma dessas condutas integra qualquer espécie de crime, é concomitantemente certo que perante a Ré não houve, mesmo na versão dela, qualquer crime de burla praticado pelo A.
-
A existência ou não de um crime não foi objectivamente determinante, no entendimento da Ré, para sustentar que houvera uma quebra na relação de confiança indispensável para a manutenção do contrato de trabalho.
-
Assim, sendo certo que a alegada prática do crime perante terceiros não foi nem poderia ser o fundamento do despedimento, óbvio é que não podia nem pode a Ré invocar em sua defesa o disposto na parte final do n.º 2 do art. 372.º do Código do Trabalho para obviar à prescrição da infracção disciplinar.
-
Não tendo havido crime de burla, jamais poderia a Ré invocar a seu favor qualquer alargamento do prazo prescricional aqui em causa.
-
Também pela procedência da excepção de prescrição, deve o despedimento ser declarado ilícito.
-
A sentença recorrida violou, pois, o disposto, nomeadamente, nos artigos 121.º, 372.º e 396.º do Código do Trabalho e do artigo 217.º do Código Penal.
Nestes termos e nos melhores de direito, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, declarando-se ilícito o despedimento e, em consequência, condenando-se a ré a reintegrar o autor ou a pagar-lhe uma indemnização pelo despedimento, bem como a pagar-lhe todas as retribuições vencidas e vincendas desde 30 dias antes do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão.
-
-
A R. interpôs também recurso de...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO-
Acórdão nº 00309/12.0BEAVR de Tribunal Central Administrativo Norte, 19 de Fevereiro de 2021
...Acórdãos: Acórdão do STJ, de 13.1.2010, Proc. 1321/06.4TTLSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt; Acórdão do STJ, de 22.9.2011, Proc. 429/07.3TTPRT.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt; Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 7.1.2016, Proc. 36/14.4T8VRL.G1, disponível em www.dgsi.pt,; Acó......
-
Acórdão nº 00309/12.0BEAVR de Tribunal Central Administrativo Norte, 19 de Fevereiro de 2021
...Acórdãos: Acórdão do STJ, de 13.1.2010, Proc. 1321/06.4TTLSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt; Acórdão do STJ, de 22.9.2011, Proc. 429/07.3TTPRT.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt; Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 7.1.2016, Proc. 36/14.4T8VRL.G1, disponível em www.dgsi.pt,; Acó......