Acórdão nº 278/2001.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 29 de Setembro de 2011

Magistrado ResponsávelFREITAS VIEIRA
Data da Resolução29 de Setembro de 2011
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

APELAÇÃO Nº 278/2001.P1 Tribunal Judicial de São João da Pesqueira Secção Única+ACORDAM NA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO B…, viúva, por si e na qualidade das suas filhas, menores, C…, D… e E…, intentou a presente ação declarativa, contra F… e marido, G…, pedindo que:

  1. Se decrete a resolução do contrato de arrendamento entre a A. e os RR., ordenando-se o despejo imediato do locado, com fundamento não pagamento da renda na forma e nos termos que haviam sido convencionados, e pagamento tardio da mesma renda relativamente aos meses que refere – artº 64º-1/a, do RAU – realização de obras não autorizadas no locado – artº 64º-1/d) do RAU – cedência indevida do locado a terceiros – artº 64º-1/f) do RAU – e uso do locado para atividades não previstas na finalidade do contrato – artº 64º-1/b) e) do RAU.

  2. Pediu ainda a condenação dos RR. a pagar à A. o valor de Esc. 1.100.000$00 (€ 5.486,78) – correspondendo a Esc. 25.000$00 (€124,70)/mês x 55 meses, do montante da renda que os RR. deixaram de pagar a partir de 09/04/97 -, acrescido da mesma diferença mensal vincenda, até à entrega efetiva das instalações e de juros à taxa legal, desde a citação.

    Os Réus contestaram impugnando os factos alegados pela Autora, e em reconvenção, pediram por sua vez a condenação daquela a pagar € 50.099,47 euros a título de indemnização por benfeitorias necessárias realizadas no prédio arrendado, e o pagamento de €60.367,15 euros a título de indemnização por benfeitorias úteis, cujo levantamento alegam ser impossível sem deterioração do locado.

    A A./reconvinda replicou, impugnando os factos alegados pelos RR./reconvintes, designadamente, para fundamentar a reconvenção.

    +A 04-10-2002, a Sra. Juíza a quo proferiu o seguinte despacho: … “Não obstante a arguição tardia, o tribunal não pode deixar de ter em conta a posição assumida pela Autora quanto à visível diferença entre o documento junto por esta e o documento agora junto pelos réus. Com efeito, constata-se que no primeiro, parte do texto de cláusula Sexta está coberto por uma tira preta, que impede a sua leitura. Contrariamente, o texto do documento agora junto não apresenta qualquer mancha, sendo legível na sua totalidade.

    Esclarece a autora que se limitou a sublinhar os dizeres que não podem ser atendidos.

    O documento junto pela autora está certificado pelo ilustre mandatário que a representa, que nele inscreveu, “está conforme o original”. Porém, constata-se agora que o documento não está conforme o original, uma vez que apresenta um sublinhado que não consta daquele.

    Tratando-se da reprodução de um documento autêntico a parte que o apresenta e dele pretende retirar as utilidades probatórias que lhe são próprias, terá de o juntar aos autos abstendo-se de o rasurar, emendar ou sublinhar, especialmente quando esse sublinhado se destina a. Esconder texto do mesmo.

    ….

    No caso em apreço não estamos perante uma falsidade intrínseca do documento pois nele não se atestam como tendo sido objeto de perceção da autoridade ou oficial público factos que não o foram, ou que tenham sido praticado por aquela autoridade actos que não o foram. O que se verifica é uma alteração externa do documento, por acto de terceiro. Uma viciação mecânica que torna o documento junto pela parte desconforme com o original.

    … Ao agir do modo descrito a autora alterou a verdade dos factos, dando ao contrato, por, omissão do texto, um conteúdo diverso do original.

    Ademais, resulta do requerimento junto a fis. 151, dos presentes autos, que a autora actuou com conhecimento e vontade da viciação que levou a efeito, pois, como ela própria referiu, “sublinhou os dizeres que não podem ser atendidos”.

    Concluímos assim que a autora litigou de má fé.

    Nos termos do disposto no art. 456°, n.º 1, do C.P.C. “Tendo litigado de má-fé, a parte _ será condenada em multa e numa indemnização à parte contraria, se esta a pedir”, Nos termos legais e factuais expostos condeno a autora como litigante de má fé, na multa de 3 Ucs” I - Inconformada como assim decidido a Autora interpôs recurso de AGRAVO, alegando e formulando em síntese as seguintes conclusões: Cotejando a fotocópia que acompanha o requerimento inicial da providência cautelar apensa com· a certidão junta pelos RR, vemos que a· primeira contém, de facto um traço preto sobre todo o texto compreendido entre a palavra ineditamente seguinte à ressalva “digo” e a que fica imediatamente antes desse traço, sendo apenas essa a única discrepância formal entre ambas.

    Mas daí a afirmar-se que ao agir do modo descrito, a autora alterou a verdade dos factos, dando ao contrato um conteúdo diverso do originar, vai uma enorme e intransponível distância. Um aspeto formal diverso, sim, mas não, seguramente, um conteúdo diverso do original.

    O conteúdo e o sentido da fotocópia em causa é rigorosamente o mesmo da certidão, por ser apodíctico que a referida alteração formal não lhe altera minimamente o seu significado jurídico nem o seu valor intrínseco.

    Na prática forense, notarial e em todas as repartições públicas sempre se usou o termo “digo“ como forma de eliminar do texto todas as palavras que o antecedem até à que lhe fica imediatamente a seguir, considerando-se as mesmas como não escritas, sendo da praxis notarial que um documento público não pode conter cortes nem rasuras manchadas, admitindo-se apenas, nas intercaladas, o uso do termo “digo”, e “ressalvo”, “rasurei” ou “entrelinhei”, ao final dos textos.

    A Sra. Notária, para evitar rasuras manchadas ou cortes inestéticos no corpo da escritura, usou “digo” e, logo a seguir, “mesmo”, que sublinhou, extirpando, assim, a cláusula indesejada, de modo a que a cláusula sétima correspondesse à vontade das partes aí declarada, ou seja. Que: “Ficarão a fazer parte integrante do ‘local arrendado todas as obras e benfeitorias efetuadas pelo locatário que não. Possam ser levantadas sem detrimento do mesmo.” Quando a recorrente solicitou os serviços do signatário para instauração da referida providência cautelar, exibiu-lhe uma certidão original daquela escritura, passada diretamente no Cartório Notarial de S. João da Pesqueira, onde havia sido outorgada.

    Alguém, que não o signatário, já havia riscado com uma faixa preta a palavras que considerara estarem a mais, seguramente na convicção e que a referida cláusula 78 terminava em “mesmo”, Por isso, ao certificar que a fotocópia junta ao requerimento inicial da providência cautelar correspondia à daquela certidão, fê-lo porque efetivamente essa fotocópia fora tirada dali já com o traço do corte reconhecendo que do termo de autenticação, deveria tê-lo feita constar.

    Mas ninguém atuou de má-fé, uma vez que a falta cometida não poderia influenciar, de modo algum a adulteração da verdade dos factos, nem a valor probatório desse documento e, muito menos, o mérito do pedido, por o resultado ser exatamente o mesmo.

    Além disso, se esse facto imputado à agravante não ocorreu na presente ação, que é a declarativa na qual entroncou a providência cautelar, sendo nesta e não naquela onde o referido documento foi junto aos autos, também o douto despacho recorrido não pode manter-se.

    Resta acrescentar que a ausência de dolo exsurge da própria natureza do facto imputado, tratando-se de um ato tão grosseiro e percetível que nem sequer foi objeto de qualquer ressalva final, através das expressões “cortei” ou “risquei” as duas últimas linhas da cláusula sétima.

    Tudo para referir que não se verificam nenhum dos requisitos consignados no art. 456°-2 do C. P. Civil, dispositivo este que foi deficientemente interpretado e aplicado no despacho recorrido, com violação do disposto artº 668°-1 aI. d) do C. P. Civil .

    +Não houve contra-alegações, tendo a Sra. juíza a quo sustentado tabelarmente o despacho recorrido.

    +Prosseguindo os autos, veio a Autora, em requerimento datado de 10-10-2007 (fls. 417) requer o despejo imediato dos RR alegando que o depósito efetuado pelos mesmos, alegadamente para pagamento de 50% das rendas em atraso, só seria liberatório se abrangesse os 8 meses que são objeto do pedido e não apenas 6 como pretendem os RR, e ainda porque os RR nunca mais depositaram a quantia de €500,00, nem fizeram prova no processo de terem cumprido essa obrigação Os RR responderam pugnando pelo indeferimento do peticionado, juntando documentos comprovativos de terem pago as rendas vencidas após a apresentação da contestação em 07-01-2002.

    Com data de 19-12-2007 foi então proferido despacho (fls. 560), no qual, considerando-se não ser o incidente de despejo imediato o meio adequado para reagir relativamente ao efeito liberatório dos depósitos efetuados aquando da contestação, relativamente às rendas anteriormente vencidas, quanto às demais rendas, vencidas posteriormente, considerou terem os RR logrado fazer prova de ter procedido ao seu pagamento, concluindo assim não estarem preenchidos os requisitos da procedência do incidente, julgando o mesmo improcedente.

    II - A Autora interpôs recurso de AGRAVO também desta decisão, alegando e concluindo: 1. Os RR não provaram o pagamento tempestivo das rendas em falta e das liquidadas com atraso, nem que procederam ao seu depósito liberatório, em termos que pudessem eximi-los da respetiva cominação, o que só sucederia se o tivessem feito até à contestação, em relação àquelas e, em relação às vincendas, a partir daí, todos os meses, durante a tramitação do processo.

    1. Após a notificação do requerimento da autora, para o seu despejo provisório, deveriam provar os RR, dentro do prazo legal, que o depósito das rendas ali referidas fora, nuns casos, tempestivo e, noutros, que os respetivos depósitos tinham carácter liberatório.

    2. Para além de que o requerimento dos RR só teria cabimento se, concomitantemente à sua apresentação tardia - em relação à notificação que lhes fora feita por e-mail - tivessem arguido, de forma adequada, a nulidade decorrente de uma eventual omissão de formalidade essencial, ou alegassem no prazo legalmente previsto para esse efeito...

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