Acórdão nº 263/1999.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 27 de Setembro de 2011

Magistrado ResponsávelRAMOS LOPES
Data da Resolução27 de Setembro de 2011
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Apelação nº 263/1999.P1 Relator: João Ramos Lopes Adjuntos: Desembargador Henrique Araújo Desembargador Fernando Samões Acordam no Tribunal da Relação do Porto.

RELATÓRIO*Recorrentes: B… e mulher, C…; e D… e mulher, E….

Recorrido: F….

Tribunal Judicial de Lamego (2º Juízo) – Círculo Judicial de Lamego.

*Intentaram os recorrentes a presente acção ordinária contra o recorrido pedindo se declare que a servidão de passagem que onera prédio de sua propriedade em favor de prédio do réu (prédios que identificam) é desnecessária e, por via disso, se decrete, por desnecessidade, a sua extinção ou cessação, para todos os legais efeitos, mandando-se cancelar qualquer registo da mesma na C.R.P. de Lamego.

Como fundamento de tal pretensão alegam os autores (agora recorrentes) ser donos, em comum e partes iguais, de prédio que identificam, o qual está onerado com servidão de passagem a favor de prédio do réu, que também identificam, constituída por usucapião, reconhecida judicialmente por decisão proferida em 20/09/94, transitada em julgado. Mais alegam que os referidos imóveis foram atravessados por via de comunicação (aberta posteriormente quer à constituição da servidão, quer ao seu reconhecimento judicial) que demandou a rectificação do traçado, direcção e dimensão de um caminho público, donde resultou que o prédio do réu (agora recorrido) deixou de confrontar, a poente, com outros prédios rústicos, passando a confrontar com o caminho entretanto aberto, por onde podem circular todos os que pretendam fazê-lo, quer a pé, com animais soltos ou veículos de tracção animal ou motorizados, além de que foi aberto um novo caminho, que com o prédio do réu confronta, deixando assim a utilização do prédio serviente de ter qualquer utilidade para o prédio dominante, já que os novos caminhos permitem acesso mais cómodo, mais curto e menos dispendioso ao referido prédio do réu.

Contestou o réu alegando que as razões que originaram a constituição da servidão se mantêm inalteradas, pois o caminho público anteriormente existente, apesar de ter sido melhorado e alcatroado, apresenta forte inclinação, tem percurso sinuoso, com curvas e contra-curvas apertadas (duas com amplitude pouco superior a 45º, em U), constituindo um trajecto difícil para os transeuntes e para os veículos (motorizados ou de tracção animal), quer quando carregados, quer em dias de chuva e sobretudo quando há geadas ou nevadas, sendo que nestas últimas circunstâncias o trânsito de pessoas e veículos pelo caminho público é impossível. Conclui pela improcedência da acção e pela sua absolvição do pedido.

Saneado o processo e organizada a base instrutória, realizou-se julgamento e, proferida decisão sobre a matéria de facto controvertida, foi lavrada sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo o réu do pedido.

Inconformados com o decidido, apresentaram-se os autores a apelar, pugnando pela revogação da sentença recorrida e sua substituição por decisão que declare extinta por desnecessidade a servidão constituída por usucapião que onera o seu (recorrentes) prédio a favor do prédio do recorrido, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: 1ª- O recurso respeita à decisão proferida sobre a matéria de facto relativa aos quesitos 1º, 9º, 12º, 13º (quanto à largura do caminho), 14º, 17º, 18º e 20º, que se têm por incorrectamente julgados, devendo ser alteradas as respostas aos mesmos com base nos fundamentos seguintes: - relatórios periciais, - depoimento das 5 testemunhas dos autores, respectivamente: a) G… que respondeu a todos os factos da Base Instrutória e cujo depoimento se encontra gravado na Cassete 1 – lado A; início -001-fim 173,7, b) H… – depôs a todos os quesitos, estando o depoimento registado na Cassete nº 2, com início 001 do lado A e fim 2285 do lado A, c) I…, que respondeu a todos os quesitos; o depoimento está registado na Cassete nº 2, com início a 2286 a final do lado A e Fim - 001 ao nº 1432 do lado B, d) J…, respondeu a todos os quesitos; o depoimento está registado nas Cassetes n 2 e 3, sendo o Início a 1448, a final do lado B (cassete 2), fim e 001 ao nº 1450 do lado A, cassete n.º 3, e) K… – respondeu a todos os quesitos. O registo do depoimento está na cassete nº 3, com Início a 1451 do lado A e Fim em 001 ao nº 900 do lado B, - documentos – fotografias e CD juntos na parte final da audiência de julgamento e sugestão da Senhora Magistrada.

  1. - O 1º relatório pericial parece-nos mais bem fundamentado e merecedor de melhor atenção por parte de quem decide, parecendo-nos o segundo incoerente e, em alguns pontos, contraditório como se verifica na resposta dada ao perguntado a n. 4º onde afirmam ter o novo caminho a largura média de 3,80 m e na resposta ao perguntado a n. 6º responderam “que o caminho público não se pode considerar mais largo”.

  2. - De nenhuma das respostas periciais e testemunhais se pode deduzir que o caminho público impossibilita a passagem para o prédio dominante do réu, mencionando-se apenas dificultar… mas só quem ignora a morfologia do Douro é que pode ter por anormal a circunstância de algumas curvas dos caminhos serem mais ou menos fechadas e de inclinação irregular.

  3. - O quesito 1º merecia resposta de provado, sem mais, o perguntado a quesito 12 deveria ver eliminada a expressão “em determinadas condições” e a parte final “com o esclarecimento que tal se verifica no caso… sem grandes cargas”. A resposta ao quesito 13 parece-nos excessivamente restritiva e uma carga demasiado subjectiva, porquanto nada dizendo o 2º relatório pericial quanto à 2ª parte, não se valorizou o que no 1º relatório pericial se respondeu ao perguntado a n.º 9.

  4. - O quesitado a n. 17 dá-se como não provado quando, na realidade, não passa da repetição do quesitado a n. 13; por sua vez, o quesito n. 14 e a sua duplicação a n.º 18 mereciam resposta de “provado”atentos os fundamentos atrás invocados.

  5. - Há cerca de seis a sete anos para cá, o réu não utiliza o caminho de servidão, passando e transitando apenas e só pelo caminho mencionado em N), O) e Q) dos factos assentes da Base Instrutória, até porque trata-se de um caminho público sito a pouca altitude, exposto a nascente, junto à albufeira do rio … bem perto do rio ….

  6. - A manter-se inalterável a matéria de facto, o que tem de aceitar-se como hipótese de trabalho, mesmo assim, o Tribunal deveria dar por extinta a servidão de passagem constituída por usucapião, por desnecessidade, havendo errada aplicação do disposto no n.º 2 do art. 1569 do C.C.

  7. - O direito de propriedade dos recorrentes, como absoluto que é, nos termos do disposto a art.º 1305 do CC, conflitua com o direito de servidão de passagem constituído por usucapião a favor do prédio dominante do réu.

  8. - Tal limitação do direito do prédio serviente só se justifica na estrita medida das exigências impostas pelo proveito que o prédio dominante possa facultar ao réu e desde que a sua subsistência se revele compatível com a função social e económica daquele direito, o que não é o caso dos autos.

  9. - Apurou-se que o prédio dominante do réu tem agora acesso directo para e da via pública, por onde se pode entrar, sair e transitar com uma largura média superior ao da servidão, melhor piso e uma extensão de trajecto entre os 400 a 435 metros, sendo o da servidão 800 metros.

  10. - Mais se apurou que esse caminho público é mais vocacionado para o trânsito de veículos em determinadas condições, como a não formação de geadas e gelo, o que a existir, se verifica igualmente no caminho de servidão.

  11. - De acordo com as regras de experiência comum e a normalidade das coisas, apurado que o prédio dominante tem acesso à via pública, ter-se-á de considerar que o mesmo possibilita o trânsito e as facilidades permitidas pelo caminho de servidão.

  12. - Esta situação factual configura uma alteração objectiva, típica e exclusiva da servidão em causa, ou seja, na situação do prédio dominante por virtude das alterações a ele sobrevindas.

  13. - Asseguradas as normais e previsíveis necessidades e utilidades do prédio dominante através do caminho público, o conflito de interesses entre ambos os prédios sempre deverá ser resolvido a favor do prédio serviente.

  14. - Houve manifesta violação do disposto nos art. 1305º, 1543º, 342º, 2 e 1569º, 2, todos do C.C.

Não foram apresentadas contra-alegações.

*Apreciando a apelação, foi proferido, em 22/06/2010, acórdão que concluiu não poder a Relação apreciar o recurso na vertente da impugnação da matéria de facto, por se ter considerado não terem os apelantes cumprido os ónus impostos pelo art. 690º-A, nº 1, a) e nº 2 do C.P.C., negando provimento ao recurso por se entender não estarem provados os necessários factos para que se conclua pela desnecessidade da servidão de passagem que onera o prédio dos apelantes em benefício do prédio do apelado.

De tal acórdão interpuseram revista os apelantes, tendo o STJ decidido anular o acórdão recorrido e determinado o reenvio do processo a esta Relação para que fosse conhecida a impugnação da decisão de facto, com posterior conhecimento da apelação, de acordo com os factos que ficarem provados.

Impõe-se, assim, em obediência ao doutamente decidido, apreciar a apelação interposta pelos autores, também no que concerne à vertente da impugnação da matéria de facto.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

*Objecto do recurso Podem enunciar-se nos seguintes termos as questões decidendas: - apreciar a decisão da matéria de facto, apurando se ela deve ou não ser alterada; - apreciar, em face da matéria de facto que for de considerar provada, se a servidão que onera o prédio dos apelantes, em benefício do prédio do apelado, dever ser julgada extinta por desnecessidade.

* FUNDAMENTAÇÃO *Fundamentação de facto É a seguinte a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida: 1- Os autores são, em comum e partes iguais, donos e legítimos possuidores do seguinte prédio, sito na freguesia …, Lamego: um prédio misto, denominado ‘…’, a confrontar do norte com o caminho...

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