Acórdão nº 633/09.0TTMAI.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 19 de Setembro de 2011
Magistrado Responsável | FERREIRA DA COSTA |
Data da Resolução | 19 de Setembro de 2011 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Reg. N.º 785 Proc. N.º 633/09.0TTMAI.P1 Acordam no Tribunal da Relação do Porto: B… deduziu em 2009-09-22 contra C…, CRL a presente acção declarativa, emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, pedindo que se condene a R. a pagar ao A. a quantia de € 17.705,00, sendo €14.040,00 de indemnização de antiguidade e a restante relativa a subsídios de férias e de Natal de 2007 e 2008, salário e subsídio de refeição de Agosto e de Setembro de 2008 e férias, respectivo subsídio e subsídio de Natal, proporcionais ao tempo de trabalho prestado no ano de 2008, para além de juros de mora, à taxa legal, sobre o capital em dívida, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
Alega o A., para tanto e em síntese, que tendo sido admitido ao serviço da R. em 1983-06-06 para, sob a sua autoridade e direcção, desempenhar as funções de acabador, mediante o salário mensal de € 540,00, depois de o ter suspendido, resolveu o contrato de trabalho em 2008-12-18, com invocação de justa causa, alegando a falta de pagamento do salário de Agosto de 2008 e do subsídio de férias vencido em 2008-01-01, tendo para o efeito remetido à R. em 2008-12-16 carta registada com aviso de recepção, o que fez também em relação à Inspecção Geral do Trabalho, comportamento que já havia adoptado anteriormente a propósito da suspensão do contrato, efectuada através de cartas datadas 2008-09-03. Mais alega que nenhuma das quantias reclamadas aos diversos títulos lhe foi paga, salvo o salário de Julho de 2008, que foi pago após o decurso do prazo da suspensão do contrato de trabalho, acabada de referir.
Contestou a R., por excepção, alegando que o contrato celebrado com o A. é um acordo de trabalho cooperativo, na medida em que as relações existentes entre as partes são de cooperação e não de subordinação, pois os trabalhadores são simultaneamente trabalhadores e empregadores de si mesmos, que não recebem uma retribuição pelo trabalho prestado, mas parte do rendimento que a R. gera, em função da actividade prestada por cada cooperador e existindo, ou podendo existir, distribuição pelos cooperadores, no fim de cada ano, dos excedentes líquidos gerados. Daí que, a seu ver, inexistindo contrato de trabalho entre as partes, o Tribunal do Trabalho seja incompetente em razão da matéria, o que conduz à absolvição da R. da instância e, caso assim se não entenda, deverá a R. ser absolvida do pedido.
O A. respondeu à contestação, reafirmando existir entre as partes um contrato de trabalho, cujos factos pertinentes descreveu, impugnou os factos alegados pela R., na contestação, em sede de excepção e concluiu pela improcedência desta e pela procedência do pedido.
Convocada a audiência preliminar e tendo-se frustrado a tentativa de conciliação, o Tribunal a quo proferiu despacho saneador tabelar, relegou para a decisão final o conhecimento da excepção de incompetência absoluta do Tribunal em razão da matéria, assentou os factos considerados provados e elaborou a BI[1], sem reclamações.
No entanto, no início da audiência de discussão e julgamento e antes de iniciada a produção de prova, foi ordenada a rectificação do quesito 18.º da BI de forma que onde constava a data de 2006-01-06, passasse a constar a data de 1986-01-06, bem como foi ordenada a eliminação do quesito 13.º passando a respectiva matéria a integrar uma nova alínea da MA[2], a ora aditada alínea I). Refira-se que a primeira alteração foi requerida pela R. e a segunda pelo A., tendo cada uma delas obtido a concordância da parte contrária.
Procedeu-se a julgamento com gravação da prova pessoal, tendo-se respondido à BI pela forma constante do despacho de fls. 100 e 101, que suscitou reclamações das partes, que foram deferidas.
Proferida sentença, foi julgada improcedente a excepção de incompetência absoluta do Tribunal e foi a R. condenada a pagar ao A. a quantia de € 17.115,90, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.
Inconformada com o assim decidido, veio a R. interpôr recurso de agravo [sic], pedindo a revogação da sentença, tendo formulado a final as seguintes conclusões: I. A R. interpôs recurso de agravo, pedindo a revogação da sentença, que deverá ser substituída por decisão que não considere ter ficado demonstrado que a relação jurídica invocada nos autos é uma relação laboral e que, portanto, conclua pela procedência da deduzida excepção de incompetência material pelo tribunal e em consequência absolva a ré da instância.
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Pelo presente recurso pretende o recorrente manifestar o seu inconformismo contra a decisão do Tribunal Recorrido no que se refere às duas primeiras (e decisivas) questões apontadas na douta sentença, a saber: Se entre A. e R. existia um contrato qualificável de trabalho? Se, dependendo disso, o tribunal de trabalho é competente para julgar a causa? III. Discordância fundamentada no facto dos elementos probatórios carreados para os autos, por si só, permitirem ao tribunal a quo uma decisão oposta à proferida, no sentido de considerar que a relação entre A. e R. é, exclusivamente, um acordo de trabalho cooperativo e que, por esse motivo, o tribunal de trabalho não é competente para a resolução do litígio.
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De modo que o Tribunal Recorrido ao não relevar a prova produzida no tocante às questões indicadas e ao não ter realizado a melhor apreciação jurídica do caso, a decisão em crise orientou-se em sentido diverso do caminho da justiça do caso concreto.
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Para o demonstrar o recorrente impugna a matéria de facto dada por assente pelo Tribunal Recorrido (no quesito 3) e reclama que seja dado como assente os quesitos 15,16 e 18.
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No discernir do recorrente nenhuma prova foi revelada nos autos que traduzisse, cabalmente, que houvesse contrato de trabalho celebrado entre as partes.
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Para chegar a essa conclusão o tribunal a quo baseou a sua convicção na valoração dos depoimentos das testemunhas D…, E…, F…, colegas de trabalho do Autor na Ré. Por outro lado, considerou que as testemunhas G…, H…, I… e J…, intitulando-se cooperadores da Ré, prestaram depoimentos algo comprometidos, e contraditórios em diversos aspectos fundamentais, tais como o horário praticado pelo Autor e colegas, de quem é que aquele recebia ordens, como desempenhava a sua actividade profissional, e a contrapartida económica de tal trabalho.
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Analisada a fundamentação sobre a decisão da matéria de facto verifica-se que o tribunal acreditou nas testemunhas do Autor e declarou "comprometidas" e "contraditórias" as testemunhas da R.. Isto apesar de as três testemunhas do A. terem todas quantias avultadas (pela antiguidade) a receber da R.. Duas delas (E… e F…) como cooperadoras e uma delas (D…) no âmbito de uma relação laboral, ou seja, têm interesse indirecto no desfecho deste processo.
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Por outro lado, entende a R. que as suas testemunhas foram credíveis pois, ao longo do seu testemunho, em nenhum momento se pode aferir o referido "comprometimento". É que se assim fosse devia o Tribunal utilizar tal critério para a totalidade das testemunhas do A. pois o seu estatuto é de credores da R. seja como cooperadores (dois deles pelos levantamentos por conta em falta) ou trabalhador (um deles pelos créditos laborais).
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Em concreto, analisados os depoimentos das testemunhas pelas transcrições dos seus depoimentos revela-se que: XI. sobre "Horário de trabalho" as testemunhas H… e I… falaram claramente e sem contradições. As restantes testemunhas da R. nada responderam sobre este assunto. Por isso se pergunta: onde está a contradição referida pelo Tribunal recorrido? XII. Sobre "De quem recebiam ordens?": a testemunha H… respondeu de forma credível afirmando que "ninguém mandava em ninguém.". Também a testemunha J… refere no seu depoimento que os cooperadores escolhiam a Direcção que depois organiza os trabalhos. A corroborar esse depoimento existem documentos como o nº 3 (estatutos da R.) e nº 8 (Convocatórias para eleições dos órgãos sociais e aprovar o Orçamento e Plano de actividades do ano de 2007) em que o A. e testemunhas participaram.
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Sobre "Como desempenhavam a sua actividade profissional?": as testemunhas H… e G… explicaram como o trabalho era organizado e esclareceram o contexto da sua relação de cooperador (e logo por similitude a do A.). Igualmente a testemunha I… explicou que desempenha a sua actividade como cooperador na R. e qualificou os instrumentos de trabalho como sendo propriedade da C…, logo seus. A testemunha J… refutou a existência de qualquer relação hierárquica nas cooperativas, aponta a inexistência de salários nas cooperativa para os cooperadores (mas sim levantamentos por conta), realça a existência de benefícios na cooperativa e explicou como se processa a entrada de um cooperador. As testemunhas foram, ao contrário do que entendeu Tribunal recorrido, credíveis e descomprometidas.
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Sobre a "Contrapartida económica de tal trabalho": a testemunha G…, refere-se a existência de levantamentos em atraso e não salários e a testemunha H… assume a existência de levantamentos e excedentes. Também a testemunha J… explica as regras das relações de trabalho nas Cooperativas e a contrapartida económica que os cooperadores recebem. Tudo de forma credível e clara: o que o Tribunal recorrido não entendeu.
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Acresce que no entender da R., também, não foi valorado convenientemente os documentos juntos pela R. a saber: registo de sócio do A., título de capital do A. na R. e, em particular, os estatutos da R.
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Ora numa análise ponderada destes documentos verifica-se que nos termos do art. 3 nº 1 dos Estatutos da R. esta "tem como finalidade criar, manter e aumentar a propriedade colectiva ..." - cf. Doc. 3. Que cada cooperador devia contribuir economicamente e com trabalho: cf. artigo 6°, 11° nº 1 al. b) dos Estatutos; Que se o A. antes de pedir para ser sócio já prestava o seu contributo para a C…fazia-o de acordo com os Estatutos da R. (cf. artigo 11° e 12° dos Estatutos da R.) Que o A. é também proprietário das máquinas...
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