Acórdão nº 0634/07 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 08 de Novembro de 2007

Magistrado ResponsávelMADEIRA DOS SANTOS
Data da Resolução08 de Novembro de 2007
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo: A..., identificado nos autos, interpôs no TAC do Porto uma acção contra o Estado Português pedindo a condenação do réu no pagamento de certa quantia a título de juros de mora - relativos ao atraso com que o Estado, após a anulação da pena disciplinar que suspendera o autor por trinta dias e fizera ainda cessar uma sua comissão de serviço, lhe prestou as respectivas remuneração e diferenças de vencimento - e, ainda, do montante de 5.000.000$00 a título de danos morais e da importância correspondente às ajudas de custo pelas deslocações diárias entre a sua residência e os locais de trabalho substitutivos do local onde o autor exercera aquela comissão de serviço ou, em alternativa, do «quantum» correspondente às despesas efectuadas nessas deslocações, acrescendo a todos estes pedidos o do pagamento de juros de mora vincendos.

Pela sentença de fls. 157 e ss., o TAF do Porto julgou a acção parcialmente provada e procedente, condenando o réu a pagar ao autor os pedidos juros de mora «sobre o vencimento referente aos 30 dias de suspensão» e «sobre as diferenças de vencimento», bem como 10.000 euros a título de indemnização por danos morais; e, sobre todas essas quantias, o tribunal fez acrescer a condenação do réu no pagamento de juros moratórios, desde a citação.

O autor interpôs recurso da sentença, tendo formulado as seguintes conclusões: 1 - A douta sentença decidiu a improcedência dos pedidos deduzidos, a título de indemnização, referentes aos prejuízos decorrentes de despesas de deslocação e computados pelos valores em vigor de «ajudas de custo» ou, em pedido alternativo, os montantes fixados para os funcionários que se desloquem em viaturas «preço/km», com errada aplicação dos factos à lei e erro de direito.

2 - Encontra-se provado pela matéria de facto assente que o autor, desde 1985, era chefe da repartição de ... , que tinha o seu domicílio pessoal em D... (desde 1981) e profissional em ... (desde 1973) (ponto 17), que nunca foi seu desejo mudar de localidade e de local de trabalho (ponto 40) e que, em execução da punição disciplinar e cessação da comissão como chefe de repartição das Finanças de C... , o autor foi colocado como perito tributário de 2.ª classe em E... (pontos 3 e 4) e que teve de se deslocar em viatura própria, diariamente, de C... para E... (ponto 32).

3 - A douta sentença, para decidir a improcedência do (s) pedido (s), fundamentou que as deslocações poderiam ter ocorrido por qualquer outro motivo relacionado com o cargo que o autor ocupava, com erro de direito e erro da valoração da «supra» matéria de facto e, também, não tendo na sua valoração atendido ao facto provado no ponto 8 (que todos os chefes de repartição do país, com base no art. 42º do DL 408/93, se mantiveram providos no seu cargo).

4 - Errou, também, a douta sentença, com violação do disposto no art. 563º do C. Civil, na medida em que, face a tais factos, com toda a probabilidade o autor não teria sofrido o prejuízo económico derivado das despesas de deslocação; e tal probabilidade basta para ser indemnizado das mesmas.

5 - A douta sentença decidiu ainda que tais prejuízos decorrentes de despesas de deslocação não eram indemnizáveis porque a dotação do pessoal era fixada por distrito, podendo os funcionários ser livremente deslocáveis dentro do distrito. Quando até esta data se mantém em vigor, em relação aos quadros de pessoal o disposto no art. 17º do DL 363/78, de 28/11, e DL 16/85, de 28/2, e Portaria 483/85, de 18/7, sendo o quadro de pessoal local e o da Repartição de Finanças composto por 11 funcionários, dada a falta de emissão das portarias a que se referiam os DL 408/93, de 14/12, DL 42/97, DL 557/99, de 17/12, sendo a dotação por serviço, errando, assim, de direito.

6 - A douta sentença decidiu ainda que as «deslocações» dentro do distrito eram discricionárias, sem necessidade de consentimento e sem direito a auferir quaisquer regalias, com violação do disposto nos arts. 18º do DL 363/78, 47º do DL 408/93 e 40º do DL 557/99, na medida em que a «deslocação» só pode ser efectuada por «um ano», sendo sempre devidas ajudas de custo, nos termos da lei geral.

7 - Como fundamento da improcedência do pedido, a douta sentença decidiu que os quantitativos pedidos não eram devidos porque as ajudas de custo não tinham sido requeridas e o autor não estava autorizado a usar o veículo pessoal nas deslocações, decisão essa com erro de direito e violação dos arts. 562º e 563º do C. Civil, porquanto a causa de pedir da presente acção não se consubstancia num direito a «ajudas de custo» ou a «quilómetros», antes no ressarcimento dos prejuízos sofridos em deslocações, provenientes de um facto ilícito culposo que causou prejuízo ao autor em despesas de deslocação, tendo estes prejuízos sido computados (liquidados) por aqueles valores.

8 - A douta sentença errou pois de direito, nomeadamente com violação do art. 563º do C. Civil, ao não considerar o dano proveniente do facto ilícito, consubstanciado nas despesas de deslocação que o autor teve que fazer de C... para F... e derivadas do acto ilícito anulado.

9 - Face aos factos provados tais danos não teriam ocorrido, e liquidaram-se tais danos com valores de ajudas de custo ou pelo valor de «quilómetro», dado serem verbas pagas aos funcionários quando estes estão deslocados das suas residências, por conveniência de serviço.

10 - Nos termos do art. 563º do C. Civil, para o dano ser indemnizável não é necessária uma causalidade directa, basta uma indirecta (o autor da lesão é responsável por todos os factos ulteriores que eram de esperar segundo a causa normal - Pereira Coelho). Ora, 11 - Face à matéria assente (pontos 3, 5, 21, 27 e 28), retirada que foi, pelo acto ilícito, a chefia da Repartição de C... , o autor, para poder ocupar o cargo de chefia de repartição (e atendendo a que o seu lugar estava ocupado desde a aplicação da pena e por força desta), teve que concorrer à chefia de repartição em F.... Assim, 12 - Atendendo ao domicílio familiar do autor (ponto 25), este continuou por força do acto ilícito a ter as despesas de deslocação e outras provenientes daquele e consequentemente a ter direito a ser indemnizado de tais prejuízos. Assim, 13 - A douta sentença errou de direito ao considerar improcedente o pedido principal ou, em sua substituição, o pedido alternativo.

O Estado interpôs recurso subordinado da sentença, tendo oferecido as conclusões seguintes: 1 - Como resulta dos autos, com a presente acção pretende o autor ser indemnizado pelos danos resultantes da lesão que diz ter sofrido em consequência da punição disciplinar de que foi alvo quando já se encontrava prescrito o respectivo procedimento disciplinar.

2 - Pela douta sentença recorrida, foi a acção julgada parcialmente procedente, condenando-se o réu Estado a pagar várias importâncias relativas a juros de mora e ainda 10.000 euros a título de indemnização por danos morais.

3 - Para decidir como decidiu, entendeu a Mm.ª Juíza que os factos dados como provados integram todos os pressupostos de responsabilidade civil extracontratual, já que o autor foi punido disciplinarmente quando já se encontrava prescrito o respectivo procedimento disciplinar, conforme veio a ser decidido por acórdão do Pleno do STA, de 21/9/2000.

4 - Mas tal não acontece, já que não ocorrem os requisitos ou pressupostos de ilicitude e culpa e, consequentemente, o do nexo de causalidade entre os danos e o facto ilícito e culposo.

5 - De facto, perante a factualidade apurada, não se pode dizer que o agente do réu Estado tenha violado regras de prudência que tivesse obrigação de conhecer ou de adoptar, já que se deve considerar apenas a diligência exigível a um homem médio, a um funcionário ou agente típico.

6 - E no caso em apreço, posto perante a obrigação de decidir e perante aquele caso concreto, não era exigível a um funcionário ou agente típico outro comportamento, já que não lhe eram exigíveis conhecimentos técnicos para chegar à conclusão que haveria prescrição do procedimento disciplinar, sendo certo que a situação não era líquida e clara, como resulta dos entendimentos diferentes sufragados pelos Venerandos Conselheiros do STA relativamente a tal matéria.

7 - Mesmo que assim não fosse entendido, o que não subscrevemos de maneira nenhuma, sempre não deveria haver condenação do Estado por danos morais.

8 - Na verdade, é normal que o arguido, ora autor, sofra com isso, não podendo ficar insensível à ocorrência dos factos que deram origem ao processo disciplinar, como acaba por referir a douta sentença recorrida ao dizer «sofrimento que lhe adveio em consequência do processo disciplinar e punição disciplinar».

9 - Ou seja, o facto de o procedimento disciplinar contra o autor pelas faltas de que foi acusado ter sido exercido extemporaneamente e, por isso, o acto punitivo ter sido anulado, traduz-se num benefício para o autor e não num dano, e daí que tais danos morais não revistam a gravidade exigida pelo n.º 1 do art. 496º do Código Civil.

10 - Mesmo que assim não seja entendido, o que não se aceita, sempre o montante fixado se mostra exagerado perante o circunstancialismo descrito, face ao disposto no art. 494º do Código Civil, o que permite a fixação da indemnização em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados.

11 - Ao decidir como decidiu, condenando o réu Estado, fez a Mm.º Juíza erradas interpretação da lei e aplicação desta à factualidade apurada, com violação dos arts. 483º, 487º, 494º e 496º, n.º 1, do Código Civil e arts. 2º, n.º 1, 4º, n.º 1, e 6º do DL n.º 48.051, de 21/11/67.

12 - Por isso mesmo, deverá ser concedido provimento ao recurso, revogando-se a douta sentença recorrida e substituindo-se por outra que absolva o réu Estado do pedido.

Só o réu Estado contra-alegou, concluindo do modo seguinte: 1 - A douta sentença recorrida considerou como ilícito e culposo o facto de o autor ter sido punido disciplinarmente, o que lhe determinou...

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