Acórdão nº 1027/06.4TBSTR.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Setembro de 2011

Magistrado ResponsávelNUNO CAMEIRA
Data da Resolução13 de Setembro de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I.

Relatório Em 24/4/06 AA propôs uma acção ordinária contra BB, CC, DD, EE, FF, GG e HH, pedindo que: a) Se declare nula e sem qualquer efeito a escritura de justificação e doação celebrada no dia 16/10/02 no Cartório Notarial de Almeirim, a fls 29 a 31 do Livro 584-D; b) Se declarem nulos todos os actos praticados com base nessa escritura; c) Se declare nula a escritura de divisão celebrada no 1º Cartório Notarial de Tomar em 21/12/04, a fls 5 a 6 verso, do Livro 218-F e a de rectificação desta, realizada no 2° Cartório Notarial de Tomar, a fls. 9 a 10, do Livro 228 -I; d) E se ordene o cancelamento de todas as inscrições de registo efectuadas com suporte nas escrituras referidas em a) e c), por feridas de nulidade, sobre o prédio descrito na CRP de Santarém, sob o nº 01044/18030, de Amiais de Baixo, designadamente as inscrições G-dois e seguintes.

Em resumo alegou que são falsas as declarações prestadas pelos réus nas referidas escrituras de justificação e doação, de divisão de coisa comum e de rectificação, na medida em que à data da celebração da primeira delas II e JJ, casados entre si, ainda eram vivos, residindo em Amiais de Baixo; que o prédio objecto dessa escritura não era um prédio rústico, já que nele estava implantada uma vivenda unifamiliar de R/C e 1º andar, construída por II e sua mulher, para nela ir viver a filha do casal, mulher do 2° réu; que não existiu qualquer doação; que o 2º réu nunca usufruiu de tal prédio como coisa própria, autónoma e exclusiva; e que a respectiva contribuição autárquica sempre foi paga até à data da escritura por II e sua mulher, nunca pelo 2º réu.

Os réus BB e CC contestaram, alegando, por excepção, a prescrição do direito do autor e, por impugnação, que as referências na escritura de justificação aos doadores como tendo já falecido foram meros erros de escrita; que à data da doação o prédio era rústico e que desde então o réu LL e sua falecida mulher logo começaram a usufrui-lo como proprietários à vista de todos e sem oposição de ninguém, iniciando mais tarde a construção de uma casa que só depois da escritura de justificação foi concluída.

O réu GG também contestou, invocando, por excepção, a ineptidão da petição inicial e, por impugnação, a aquisição por usucapião da metade do prédio que lhe foi adjudicada na escritura de divisão.

O autor replicou, defendendo a improcedência das excepções invocadas.

A convite do tribunal, que teve em vista assegurar a legitimidade do autor face à informação constante dos autos de que era casado, MM, sua mulher, deu acordo para a propositura da acção e ratificou o processado.

No despacho saneador os réus DD, NN e FF foram julgados partes ilegítimas e, em consequência, absolvidos da instância; considerou-se sanada a ilegitimidade do autor face à intervenção de sua mulher no processo; e julgaram-se improcedentes as excepções arguidas (ineptidão da petição inicial e prescrição).

Realizado o julgamento e estabelecidos os factos foi proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo os réus dos pedidos.

Os autores apelaram, e com êxito, pois a Relação de Évora, através do seu acórdão de 26/1/011, concedendo provimento ao recurso, decidiu revogar a sentença recorrida. Assim, julgou procedente a acção, declarou nula e de nenhum efeito a escritura de justificação e doação de 16/10/02 (referida no nº 1 dos factos provados) e a escritura de divisão de coisa comum de 21/12/04 (referida no nº 8 dos factos provados), bem como a respectiva rectificação, ordenando o cancelamento de todas as inscrições registrais efectuadas com base nessas escrituras.

Agora são os réus BB e CC que, inconformados, pedem revista, tendo formulado, em resumo, as seguintes conclusões úteis: 1ª) No caso sub judice a posse - com corpus e animus - verifica-se desde que os recorrentes passaram a residir no prédio ajuizado de forma ininterrupta, à vista de todos e sem oposição de ninguém, acrescendo o facto de terem procedido à construção da casa (independentemente de quem a custeou) e realizado melhorias no imóvel como se de coisa sua se tratasse; 2ª) Mesmo que se considere não estar provado o elemento animus da posse terá de concluir-se, por não se ter apurado que os recorrentes agiram como meros detentores, que estamos perante uma situação de dúvida, a resolver mediante o recurso à norma do artº 1252º, nº 2, do CC; 3ª) E assim, porque os recorrentes exerceram o poder de facto sobre o prédio durante mais de 37 anos, ininterruptamente, de forma pacífica, pública e de boa fé, devem ser declarados seus proprietários (repondo-se, consequentemente, a decisão da 1ª instância).

Os recorridos contra alegaram, defendendo a manutenção do julgado.

Tudo visto, cumpre decidir.

II.

Fundamentação a) Matéria de Facto: 1) No dia 16/10/02, no Cartório Notarial de Almeirim, BB, por si e na qualidade de procurador de CC e DD, EE e FF compareceram perante o Notário em exercício naquele Cartório e outorgaram e assinaram a escritura de justificação exarada de folhas 29 a 31 do Livro 584- O, daquele Cartório Notarial (A).

2) Na escritura mencionada em 1) BB declara que o seu representado, CC, é dono e legitimo possuidor com exclusão de outrem da fracção indivisa de metade do prédio rústico, sito na freguesia de Amiais de Baixo, denominado “Cabo”, terra de cultura arvense, figueiras, oliveiras e dependência agrícola, com a área de seiscentos e oitenta metros quadrados, a confrontar do Norte com Estrada, do Sul com OO, do Nascente com Rua ... e do Poente com Serventia, descrito na CRP de Santarém sob o nº ..., aí registado definitivamente, na proporção de 1/2 a favor de GG, pela inscrição de aquisição C-um e omissa a restante metade, inscrito na matriz sob o artigo 704 da secção C, com o valor patrimonial de 40,45 euros (B).

3) Mais declarou BB, na invocada qualidade, que o seu representado adquiriu no dia 30/6/76, aquela parte indivisa do identificado imóvel por doação “intuiti personae” verbal feita no estado de casado com PP, sob o regime da comunhão de adquiridos, por II e JJ, casados que foram no regime da comunhão geral e residentes que foram na sobredita freguesia de Amiais de Baixo (C).

4) Mais declarou BB, na invocada qualidade, que desde então, até hoje, ele justificante, sempre tem usufruído (a parte do) mesmo prédio ostensivamente como coisa própria, autónoma e exclusiva, agricultando-o, nele plantando árvores e fazendo benfeitorias, pagando a contribuição autárquica, dele retirando as utilidades normais de que é susceptível, sendo reconhecido como seu dono por toda a gente, fazendo-o de boa fé por ignorar lesar direito alheio, suportando os encargos da sua administração, praticando os poderes de facto inerentes ao direito de propriedade plena na convicção de não lesar direito de outrem, de forma ininterrupta, pacificamente e à vista de...

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