Acórdão nº 0744109 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 14 de Novembro de 2007

Magistrado ResponsávelERNESTO NASCIMENTO
Data da Resolução14 de Novembro de 2007
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam, em audiência, na 2ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto I. Relatório I. 1. O arguido B.........., não concordando com a decisão da Direcção Geral de Viação, através da qual foi condenado, na sanção acessória de 60 dias de inibição de conduzir, pela prática de uma contra-ordenação ao disposto no artigo 103º/1 do Código da Estrada, impugnou judicialmente tal decisão, que, por sua vez, veio a merecer a seguinte sentença: "I. Relatório Nestes autos de recurso de contra-ordenação veio o arguido B.........., residente na .........., ..., São João da Madeira, impugnar a decisão da Direcção Geral de Viação, Delegação de Aveiro, mediante a qual lhe foi aplicada coima no valor de 120,00 euros, em virtude de no dia 5/11/2005, quando conduzia um veículo automóvel, não ter dado passagem a um peão que efectuava a travessia da passadeira destinada a peões, o que constitui contra-ordenação grave nos termos conjugados do disposto nos artigos 103°/1 e 145º/1 alínea i) do Código da Estrada aprovado pelo D.L. 114/94, de 2 de Maio, na versão introduzida pelo D.L. 44/2005, de 23/2.

Nas suas alegações de recurso o arguido põe em causa que haja praticado a infracção que lhe vem imputada, tendo embora pago a coima aplicada, e pede subsidiariamente a suspensão da execução da sanção acessória de inibição da condução que foi também aplicada pela decisão administrativa.

Realizou-se audiência de julgamento com observância de todas as formalidades legais.

A instância é válida e regular.

  1. Fundamentação de facto A. Factos Provados Com relevo para a boa decisão da causa, resultam provados os seguintes factos: Em 5/11/2005, pelas 20.07H, o recorrente conduzia o veículo ligeiro de passageiros, de matrícula ..-..-TO na .........., em São João da Madeira, no sentido norte-sul, quando, chegado a uma passadeira destinada a peões ali colocada, não cedeu passagem a um peão que já se encontrava a efectuar a travessia da mesma.

    Foi, nessa sequência, levantado auto de contra-ordenação e aplicada coima de 120,00 euros, que o arguido pagou.

    Foi-lhe ainda aplicada por decisão da Direcção Geral de Viação a sanção acessória de inibição da condução pelo período de 60 dias.

    Do Registo Individual do Condutor respeitante ao arguido consta uma contra-ordenação estradal muito grave, praticada em 19/11/2003, consistente em condução com excesso de velocidade superior em mais de 60 Km/h ao limite legal, tendo-lhe sido aplicada, além da coima, sanção acessória de inibição da condução durante 60 dias.

    O arguido é administrador da "C........., S.A." e da "D..........", auferindo €1300 a €1500 mensais em média; utiliza diariamente na sua actividade profissional o veículo automóvel que conduz por todo o país, visitando as lojas daquelas empresas.

    1. Factos não provados Não se provaram quaisquer outros factos com relevo para a decisão da causa.

    2. Motivação A nossa convicção baseou-se essencialmente no conjunto dos documentos juntos aos autos, com especial relevo para o auto de contra-ordenação de fls. 3, o qual faz fé em juízo até prova em contrário, nos termos previstos no art. 170º/3 do Código da Estrada, e bem assim o documento comprovativo do pagamento da coima aplicada, de fls. 4, e o Registo Individual do Condutor respeitante ao recorrente e que consta de fls. 5.

    Relevaram ainda as declarações do recorrente quanto à sua actividade profissional e rendimentos auferidos, confirmadas pelas duas testemunhas inquiridas em audiência de julgamento, E.......... e F.........., ambos colegas de trabalho do recorrente.

    Fundamentação de direito Pese embora o recorrente haja questionado no respectivo recurso a prática por si da contra-ordenação que lhe está imputada, a verdade é que não podia já fazê-lo na medida em que efectuou o pagamento da coima aplicada, desse modo a aceitando e cumprindo, pondo, assim, fim ao correspondente processo contra-ordenacional nessa parte.

    Apenas foi deixada em aberto a questão relativa à também por si requerida suspensão da execução da sanção acessória de inibição da condução, a qual pode ser objecto do presente recurso de impugnação nos termos previstos no art. 141º do Código da Estrada.

    No entanto, e melhor compulsados os autos, constatamos que o recorrente não reúne as condições objectivas requeridas pela lei para poder beneficiar de tal suspensão.

    Com efeito, o arguido praticou uma contra-ordenação grave ao não ceder passagem a um peão que efectuava a travessia da passadeira a ele destinada - artigos 103º/1 e 145º/1, i), ambos do Código da Estrada, aprovado pelo D.L. 114/94, de 3/5, na redacção introduzida pelo D.L. 44/2005, de 23/2, diploma ao qual pertencem todos os normativos doravante citados sem designação de proveniência.

    A este tipo de contra-ordenação são aplicáveis a coima como pena principal mas também a sanção acessória de inibição de conduzir por determinado período de tempo que pode ir de um mês a um ano - art. 147º do mesmo Código da Estrada.

    Dispõe, porém, o art. 141º/1 do Código da Estrada que pode ser suspensa a execução da sanção acessória aplicada a contra-ordenações graves no caso de se verificarem os pressupostos de que a lei penal faz depender a suspensão da execução das penas, desde que se encontre paga a coima, nas condições previstas nos números seguintes.

    São elas, essas condições, as seguintes: - se o infractor não tiver sido condenado, nos últimos 5 anos, pela prática de crime rodoviário ou de qualquer contra-ordenação grave ou muito grave, a suspensão pode ser determinada pelo período de 6 meses a um ano - nº 2 do citado art. 141º; - se o infractor, nos últimos 5 anos, tiver praticado apenas uma contra-ordenação grave, a suspensão pode ainda ser determinada pelo período de 1 a 2 anos, devendo neste caso ser condicionada, singular ou cumulativamente: a) à prestação de caução de boa conduta; b) ao cumprimento do dever de frequência de acções de formação, quando se trate de sanção acessória de inibição de conduzir; c) ao cumprimento de deveres específicos previstos noutros diplomas legais - nº 3 do mesmo art. 141º.

    Ou seja, verificamos que tendo o recorrente praticado nos últimos 5 anos, mais concretamente há cerca de 3 anos, uma contra-ordenação classificada legalmente como muito grave, não pode legalmente beneficiar da possibilidade de lhe ser suspensa a execução da sanção de inibição da condução que lhe foi aplicada.

    Nesta conformidade, não só improcede o recurso por não poder o arguido nesta fase, depois de ter pago a coima aplicada, discutir a verificação da infracção, como também por não reunir ele as condições objectivamente previstas na lei para beneficiar de uma suspensão da execução da sanção de inibição da condução que lhe veio ainda a ser aplicada.

  2. DECISÃO: Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.

    Custas pelo recorrente, fixando-se em duas UC.´s a respectiva taxa de justiça, artigos 93º/3 e 94º/3 e 4, todos do D.L. 433/82, de 27/10, e 87º/1,c) do Código das Custas Judiciais.

    Comunique à Direcção Geral de Viação.

    Notifique e deposite".

  3. 2. Inconformado, novamente, agora com esta decisão, interpôs o arguido recurso para este Tribunal, sustentando as seguintes conclusões: 1. A sentença recorrida considerou que o arguido não podia discutir a prática da contra-ordenação que lhe foi imputada por ter pago voluntariamente a respectiva coima.

    1. Porém, a sentença recorrida não fundamenta juridicamente esse entendimento, nomeadamente com recurso a qualquer norma legal que o determine.

    2. Assim, a sentença recorrida é nula, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 379°/1 a) e 374°/2 do Código de Processo Penal (ex vi do artigo 41°/1 do Regime Geral de Contra-Ordenações).

    3. Por outro lado, admitindo a hipótese da sentença recorrida se ter estribado no artigo 175º/4 do Código da Estrada, então fez a mesma uma incorrecta interpretação do sentido e alcance de tal preceito legal.

    4. Com efeito, de acordo com esse dispositivo legal, o pagamento voluntário da coima não impede o arguido de apresentar a sua defesa, limitando-a apenas à gravidade da infracção e à sanção acessória aplicável.

    5. Deste modo, não conhecendo da questão suscitada pelo arguido quanto à prática ou não da contra-ordenação que lhe foi imputada - pelo menos para apuramento do modo concreto como a mesma se deu para efeitos de aferição da respectiva gravidade e da adequação da sanção acessória aplicada -, a sentença recorrida incorreu na nulidade prevista no artigo 379°/1 c) do Código de Processo Penal.

    6. Em qualquer caso, o artigo 175°/4 do Código da Estrada, é inconstitucional, por violação dos artigos 20°/1 e 4 e 32°/1 e 10 da Constituição da República Portuguesa, pelo menos quando interpretado no sentido de que as limitações do direito de defesa do arguido, no caso de prévio pagamento voluntário da coima, se estendem ao recurso de impugnação judicial.

    7. Sem prescindir ainda, o arguido podia, pelo menos, questionar a gravidade da infracção que lhe foi imputada e a aplicação da sanção acessória em que foi condenado.

    8. Para isso, a posição sustentada pelo arguido no seu requerimento de recurso, quanto ao modo como os factos ocorreram, tinha de ser considerada, valorando-se a respectiva prova.

    9. Ora, a infracção cometida pelo arguido só pode ter sido aquela prevista e punida no artigo 103°/2 e 4 do Código da Estrada, sendo certo que a determinação da norma legal fundamentadora da condenação do arguido é sempre sindicável em sede de recurso.

    10. Porém, o arguido não praticou uma contra-ordenação grave ou, pelo menos, os factos dados como provados são insuficientes para a caracterizar como tal.

    11. Com efeito, qualificação como grave da contra-ordenação prevista no artigo 103º/2 do Código da Estrada não é automática, sendo necessário aferir, em face dos factos concretos, se a mesma integra a previsão do artigo 145°/1 i) do Código da Estrada.

    12. Ora, como se não bastasse, a prova produzida pelo arguido a este respeito não foi valorada por se ter entendido, erradamente, que...

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