Acórdão nº 413/07.7TACBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 24 de Agosto de 2011

Magistrado ResponsávelJORGE DIAS
Data da Resolução24 de Agosto de 2011
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal.

No processo supra identificado foi proferido acórdão que julgou procedente a acusação deduzida pelo Magistrado do Mº Pº contra o arguido: JP...

, casado, comerciante internacional, residente em …, presentemente em situação de prisão preventiva à ordem dos presentes autos.

Sendo decidido: - Condenar o arguido pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos art.s 21, n.º 1, e 24, al. c), do DL n.º 15/93, de 22/02, na pena de 13 (treze) anos de prisão.

***Inconformado, da sentença interpôs recurso o arguido, formulando as seguintes conclusões na motivação do mesmo: 1.A sentença de que se recorre está ferida de múltiplas nulidades e, assim, desde logo, a sentença é nula pois que condena o arguido por um crime de tráfico de estupefacientes agravado quando na acusação lhe é imputado um crime de tráfico de estupefacientes simples. Ao verificar-se assim uma alteração não substancial dos factos, sem que fosse dada a oportunidade ao arguido de se pronunciar nos termos do artigo 358 nºs 1 e 3 do CPP, violou-se o princípio do contraditório e o direito de defesa do arguido, pelo que a sentença é nula.

2.Do mesmo modo, o despacho a que alude o art. 313 do CPP é nulo pois que produziu uma alteração não substancial dos factos ao aplicar ao arguido um crime agravado com uma moldura penal mais grave que da acusação. Ora, tal viola o art. 358 n.º 3 do CPC, para além de se verificar uma posição de acusação por parte do tribunal, ainda antes de ter exercido funções de julgador.

3.A sentença é também nula uma vez que existem factos constantes da acusação sobre os quais não foi proferido qualquer juízo decisório, não sendo dados como provados ou como não provados. Tal viola os artigos 374 n.º 2 e art. 379 n.º 1 aI. a) do CPP, levando à nulidade insanável da sentença; 4.Do mesmo modo, ainda que não se entenda que o alegado em 4. não configura uma nulidade, sempre se terá de entender que estamos perante um vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nos termos do art. 410 n.º 2 aI. b) do CPP. Com efeito, ao não se pronunciar sobre todos os factos levados até si não estava o tribunal munido de todos os factos relevantes para a decisão de direito.

5.É ainda a sentença nula pois que condena por factos que não constam e são diversos da acusação, ocorrendo assim uma alteração não substancial dos factos, sem que o tribunal tenha respeitado o previsto no artigo 379, n.º 1, aI. b) e art. 358 n.º 1 do CPP. Ora, tal compromete o princípio de defesa do arguido e do contraditório.

6.O Acórdão de que se recorre padece de nulidade por falta (deficiência e omissão) de indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal, nos termos do art. 374, n.º 2, do CPP.

7.O arguido negou peremptoriamente a sua participação nos factos narrados pela acusação, sendo que as suas explicações não foram consideradas credíveis, os inspectores da P.J. nada esclareceram relativamente a esta participação do arguido JP… pelo que dar como provada a sua participação nos factos relativos ao tráfico de droga, sem a referida fundamentação, viola o art. 374, n.º 2, do CPP e acarreta a nulidade da Sentença (art. 379, n.º 1, aI. e), do CPP). - nesse sentido Cfr. o Ac. do Trib. da ReI. de Guimarães (proc. 389/06-1): 8.O Acórdão de que ora se recorre sofre de falta de fundamentação e vai contra a prova produzida, sem justificar a valoração de exclusão dessa prova, pelo que o colectivo condena com base em convicções relativamente a factos dados como provados, contradição entre provados e não provados e que não resistem a uma análise racional e objectiva, não cumprindo assim os requisitos do n.º 2 do artigo 374, do CPP, padecendo por isso de nulidade nos termos do artigo 379, n.º 1 do mesmo diploma legal.

9.O Acórdão recorrido chega aos factos que dá como provados e que estão sob julgamento sem fazer as três operações que explana, ou seja: - “A prova indiciária realizar-se-á para tanto através de três operações. Em primeiro lugar a demonstração do facto base ou indício que, num segundo momento faz despoletar no raciocínio do julgador uma regra da experiência ou da ciência que permite, num terceiro momento, inferir outro facto que será o facto sob julgamento" (André Marieta, La prueba en Processo Penal, pág. 59, citado pelo Acórdão recorrido).

10.O Acórdão recorrido não aplica no raciocínio dos julgadores, ao facto base, uma regra de experiência, pelo que não pode dar como provado os factos 1, 5, 6,15,16,17,18,21,24,30,31 (no modo como está escrito), 34, 36, 37, 38 e 39, dados como provados no Acórdão, dado que não existe nenhuma regra da experiência ou ciência que aplicada ao facto base permita inferir e dar como provados tais factos.

11.O Tribunal começa logo por enumerar como sendo um dos "abundantes indícios objectivos" o facto de o arguido ser o proprietário da embarcação." 12.O raciocínio do Tribunal é falível e irracional, na medida em que do facto conhecido "ser proprietário" extrai a conclusão desconhecida - porque resulta de prova indirecta - de que necessariamente tinha que conhecer o que se fazia na embarcação limitando-se a escrever "que não é razoável" sem escrever em que regras de experiência se fundamenta.

  1. Acresce que a decisão recorrida não escreve porque não valora os seguintes factos assentes por prova directa (documentos do Hospital juntos no julgamento, testemunhos e declarações do arguido):

  1. O arguido por ter tido um acidente abandonou a tripulação da embarcação em Novembro de 2005, b) Desde Novembro de 2005 até Setembro de 2006 o arguido não fez parte da tripulação.

  2. Neste período o arguido fez uma única viagem de lazer com convidados (A... e B... que a confirmaram nos autos) e com a tripulação de Lisboa para Cadiz (102 dias).

    14.De nenhum dos documentos juntos aos autos e que constituem prova directa destes factos, em conjunto ou separado pode retirar o facto de que foi o arguido que quis comercializar a droga, e deu ordens para a comprar, transportar e acomodar na embarcação, dado que não tem regras de experiência, critérios lógicos em que se fosse fundamentar.

    15.O Tribunal NÃO EXPLICA, NÃO fundamenta, para que se torne racional e objectivável, a opção de afirmar que pelo simples facto de se ser proprietário se tem o controlo absoluto da embarcação.

    16.Acresce ainda o SABER QUEM TOMAVA DECISÕES QUANTO AO RUMO QUE A EMBARCAÇÃO DEVERIA TOMAR.

    17.Também neste particular não fundamentou o Tribunal a quo porque não valorou as declarações do arguido - e o Tribunal tem de o fazer facto a facto e não genericamente - quando, DE FORMA EXPLICITA E CLARA, esclareceu que apesar das ORDENS QUE DERA AO CAPITÃO C… ESTE TOMAVA AS SUAS PRÓRPIAS DECISÕES.

    18.Resulta por isso claro que o Tribunal a quo validou uma tese, que à luz da prova produzida e das regras da experiência e da vida, in casu, não é lógico. EM FACE DA PROVA QUE SE OUVIU OUTRA EXPLICAÇÃO PARA OS FACTOS SERIA TÃO MAIS VÁLIDA QUE A TESE DEFENDIDA PELO COLECTIVO, QUE NÃO EXPLICOU PORQUE DESVALOROU O QUE OUVIU NESTE MATÉRIA.

    19.Inexiste, ainda, prova e fundamentação (exame crítico da prova) para que a responsabilidade do momento da carga e a responsabilidade pelo carregamento da droga seja imputada ao arguido.

    20.O Tribunal não dá como provado quando foi a operação de carregamento, LOGO, não tem facto base para poder aplicar regra de experiência e saber se o arguido ou o comandante (c/ ou s/ Tripulação) é que programaram a operação de carregamento.

    21.A Possibilidade dos factos da acusação serem praticados pelo comandante e tripulação sem conhecimento do arguido não é inverosímil, pelo que necessariamente tem que ser considerada por este Tribunal no exame crítico da prova.

    22.A fim de fundamentar a sua decisão o Tribunal a quo considerou relevante o seguinte:" particularmente no que concerne ao facto de essa operação ser comandada pelo arguido, que contratou os membros da tripulação para o efeito, derivou basicamente de aquele ter a disponibilidade da embarcação e de ter suportado todas as despesas, quer com as reparações da mesma, quer com os próprios tripulantes, nomeadamente com o necessário alojamento e com transportes em táxi. Em suma, o arguido protagonizou sempre comportamentos apenas compatíveis com a qualidade de "dono do negócio" de transporte da droga." - cfr. Fundamentação da decisão (sublinhado e negritos nossos).

    23.Apesar de este raciocínio carecer de qualquer objectividade, o Tribunal a quo não explica como o alcança. O Tribunal não refere como destes factos infere o facto provado de que o arguido é dono do negócio de tráfico de droga.

    24.O Tribunal a quo fundamenta ainda a sua decisão no facto de "pelo menos a partir de 22 de Setembro de 2006, o arguido manteve-se em território português, primeiramente na Horta, depois em Ponta Delgada e, a partir de dia 27 em Cascais, o que é compatível com o exercício de um controlo, a uma distância relativamente próxima, da operação de transporte em questão." 25.Não pode concluir-se pelo facto de o arguido ter estado em Portugal dias antes da apreensão (o que também aconteceu noutras tantas ocasiões durante o ano de 2006) que, por esse facto é o dono do negócio do tráfico.

    26.Competia ao Tribunal a quo fundamentar, O QUE NÃO FEZ, de forma critica, racional e objectivável porque optou por esta interpretação dos factos e desvalorizou outras teses para o mesmo facto tão, ou mais, válidas.

    27.MAIS AINDA, segundo a tese do Acórdão de que se recorre o controle feito por terra pelo arguido era levado a cabo via telemóvel.

    28.A pergunta que assola um espírito crítico é se o controlo é feito por telefone porque fazê-lo desde um território onde tem a cabeça a prémio? Porque fazê-lo desde um território onde sabe que pode ser "apanhado" pelas autoridades a qualquer momento, sendo certo que poderia fazer esse controlo desde qualquer parte do mundo. A ESTA PERGUNTA O TRIBUNAL A QUO NÃO RESPONDE, NEM TÃO POUCO...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT