Acórdão nº 288/98 de Tribunal Constitucional (Port, 17 de Abril de 1998

Magistrado ResponsávelCons. Luís Nunes de Almeida
Data da Resolução17 de Abril de 1998
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 288/98

Processo nº 340/98

Plenário (1ª Secção)

Relator: Conselheiro Luís Nunes de Almeida

Acordam, em sessão plenária, no Tribunal Constitucional:

I

1. O Presidente da República, nos termos do nº 8 do artigo 115º da Constituição da República Portuguesa, requereu ao Tribunal Constitucional, em 2 de Abril de 1998, a fiscalização preventiva da constitucionalidade e da legalidade, incluindo a apreciação dos requisitos relativos ao respectivo universo eleitoral, da proposta de referendo aprovada pela Resolução nº 16/98 da Assembleia da República (publicada no Diário da República, I Série-A, de 31 de Março de 1998).

A resolução em causa é do seguinte teor:

A Assembleia da República resolve, nos termos e para os efeitos dos artigos 115º e 161º, alínea j), da Constituição, apresentar a S. Ex.a o Presidente da República a proposta de realização de um referendo em que os cidadãos eleitores recenseados no território nacional sejam chamados a pronunciar-se sobre a pergunta seguinte:

«Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras 10 semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?»

Tendo em vista «a conveniência da eventual realização do referendo antes do tradicional período de férias de muitos portugueses», fixou o Presidente da República em apenas quinze dias o prazo para este Tribunal se pronunciar, fazendo uso da faculdade de encurtamento do prazo normal de vinte e cinco dias, nos termos do disposto no artigo 18º da Lei Orgânica do Regime do Referendo em vigor à data do requerimento (Lei nº 45/91, de 31 de Agosto).

2. Admitido o pedido, foram solicitadas, por ofício, ao Presidente da Assembleia da República, diligências instrutórias referentes à iniciativa e ao debate parlamentar relativos à resolução em causa e, bem assim, aos projectos de lei nº 417/VII (PCP), nº 451/VII (PS) e nº 453/VII (PS), todos atinentes a matéria de despenalização da interrupção voluntária da gravidez.

Distribuídos os autos, foi imediatamente recebida toda a documentação solicitada.

3. Na origem da referida Resolução nº 16/98 esteve o projecto de resolução nº 75/VII (Diário da Assembleia da República, II série-A, nº 23, de 15 de Janeiro de 1998), apresentado por vários deputados do Grupo Parlamentar do PSD, que rezava assim:

A Assembleia da República apresenta a S. Ex.a. o Presidente da República a proposta de realização de um referendo, prévio à votação final de qualquer iniciativa legislativa que vise a liberalização, ainda que limitada temporalmente, da interrupção voluntária da gravidez, em que os cidadãos eleitores sejam chamados a pronunciar-se, directamente, a título vinculativo, sobre a seguinte questão:

«Não existindo razões médicas, o aborto deve ser livre durante as primeiras 10 semanas?»

Apontaram os subscritores do projecto os seguintes fundamentos para o mesmo:

Trata-se,[ ...] de matéria extremamente delicada e sensível que se inscreve na reserva mais íntima da consciência moral de cada cidadão, atravessando, de forma indiscriminada, os vários partidos e os respectivos eleitorados.

De facto, a posição a adoptar sobre a liberalização da interrupção voluntária da gravidez, não se podendo catalogar na esfera das normais opções ideológicas ou político-partidárias, é essencialmente do foro individual de cada um, encontrando resposta nas convicções e no posicionamento que cada qual assume perante valores e direitos fundamentais.

[...]

Numa palavra, a posição do PSD é muito clara:

- A decisão sobre uma alteração substancial e de filosofia da legislação sobre a interrupção voluntária da gravidez deve ser tomada pelos portugueses por via de referendo, antes de qualquer decisão parlamentar. Foi o que sempre defendemos, designadamente no debate travado na última sessão legislativa, e que posteriormente reiterámos e agora voltamos a reafirmar;

- Se, porém, a maioria parlamentar assim o não entender e voltar a sustentar que deve ser o Parlamento a decidir na generalidade sobre a matéria, então, como segunda hipótese ? para a eventualidade de existir uma aprovação na generalidade das iniciativas legislativas anunciadas ? deve desencadear-se o referendo imediatamente a seguir, ficando o processo legislativo na especialidade suspenso e a aguardar a decisão soberana dos portugueses.

Já na sessão legislativa anterior, o PSD havia apresentado o projecto de resolução n.º 38/VII (publicado no Diário da Assembleia da República, II Série - A, nº 12, de 9 de Janeiro de 1997), na sequência da apresentação dos projectos de lei nº 177/VII (PCP), nº 235/VII e nº 236/VII (ambos do PS), que visavam alterar a legislação em vigor sobre a interrupção voluntária da gravidez. Nesse projecto de resolução, também se propunha a realização de um referendo em que os cidadãos eleitores fossem chamados a pronunciar-se directamente e a título vinculativo sobre a sua concordância com a despenalização da prática do aborto durante as primeiras 12 semanas de gravidez. Contudo, o projecto em causa viria a ser retirado, antes da sua discussão e votação, no dia 4 de Fevereiro de 1998.

4. Admitido, sem reservas, pelo Presidente da Assembleia da República, o projecto de resolução nº 75/VII foi discutido em plenário, tendo baixado posteriormente à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, para discussão e elaboração de parecer (Diário da Assembleia da República, I Série, nº 42, de 20 de Fevereiro de 1998).

Após parecer favorável daquela Comissão e da Comissão para a Paridade, Igualdade de Oportunidades e Família (Diário da Assembleia da República, II Série-A, nº 33, de 21 de Fevereiro de 1998), o projecto foi remetido a plenário, para votação.

Foram então apresentadas propostas de substituição relativas a esse projecto de resolução. Assim, pelos grupos parlamentares do PSD e do CDS-PP, foi apresentada uma proposta de substituição da pergunta dele constante, passando a figurar duas perguntas, do seguinte teor:

1 ? Concorda que o aborto seja livre nas primeiras 10 semanas de gravidez?

2 ? Concorda que razões de natureza económica ou social possam justificar o aborto por constituírem perigo grave para a saúde da mulher?

Por sua vez, o PS apresentou uma proposta de substituição da pergunta, nos termos seguintes:

Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado, nas dez primeiras semanas?

O mesmo grupo parlamentar apresentou ainda uma proposta de substituição da fórmula inicial e do proémio, do seguinte teor:

Nos termos e para os efeitos dos artigos 115º e 161º, alínea j) da Constituição da República, a Assembleia da República apresenta a Sua Excelência o Presidente da República a proposta de realização de um referendo em que os cidadãos eleitores recenseados no território nacional sejam chamados a pronunciar-se sobre a pergunta seguinte:

Por fim, o Grupo Parlamentar do PS apresentou outra proposta de substituição da pergunta, que correspondia a uma versão corrigida da anterior proposta de substituição, nos seguintes termos:

Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas dez primeiras semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?

Submetidas à votação, a proposta subscrita pelo PSD e pelo CDS-PP foi rejeitada com votos contra do PS, do PCP e de Os Verdes, e votos a favor do PSD, do CDS-PP e de dois deputados do PS; a proposta contendo a versão corrigida da pergunta, apresentada pelo PS, foi aprovada, com votos a favor do PS, votos contra do PCP, de Os Verdes e de dois deputados do PS e abstenções do PSD, do CDS-PP e de doze deputados do PS; votada seguidamente a proposta de substituição, apresentada pelo PS, da fórmula inicial e do proémio do projecto da resolução, a mesma foi aprovada, com votos a favor do PS e do PSD, votos contra do PCP, de Os Verdes e de dois deputados do PS e a abstenção do CDS-PP (Diário da Assembleia da República, I Série, nº 51, de 20 de Março de 1998).

O texto final, assim aprovado, resultou na resolução agora em análise.

5. A consagração do referendo nacional só veio a ocorrer, entre nós, com a 2ª revisão constitucional (Lei Constitucional nº 1/89, de 8 de Julho), não existindo uma tradição referendária anterior ? salvo a referente à aprovação da Constituição de 1933, em que as abstenções foram contabilizadas como votos a favor -, o que justifica a ausência de quaisquer mecanismos desse tipo na versão originária da Constituição de 1976.

Passou, então, em 1989, a constar do artigo 118º (hoje, artigo 115º), a possibilidade de os cidadãos eleitores poderem vir a ser chamados «a pronunciar-se, directamente, a título vinculativo, através de referendo, por decisão do Presidente da República mediante proposta da Assembleia da República ou do Governo, nos casos e nos termos previstos na Constituição e na lei».

Como se refere no já mencionado relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias indicando, exemplificativamente, Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra), a doutrina portuguesa entendia de forma pacífica que o referendo consagrado entre nós ? no âmbito do então artigo 118º da Constituição - se regia, basicamente, por três princípios:

a) O referendo nunca é obrigatório, mas sempre facultativo, ou seja, o recurso ao referendo implica sempre uma decisão livre dos órgãos de soberania competentes. Quer a proposta, quer a decisão são sempre actos discricionários, pelo que não existe nenhuma decisão cuja legitimidade careça de submissão a decisão referendária;

b) O direito de participação no referendo é limitado aos cidadãos eleitores recenseados no território nacional;

c) O resultado do referendo é vinculativo no sentido de os órgãos do Estado se deverem conformar com o seu resultado...

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