Acórdão nº 274/98 de Tribunal Constitucional (Port, 09 de Março de 1998

Magistrado ResponsávelCons. Ribeiro Mendes
Data da Resolução09 de Março de 1998
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 274/98

Proc. nº 272/97

  1. Secção

    Rel: Cons. Ribeiro Mendes

    Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:

    1. O MINISTÉRIO PÚBLICO deduziu acusação contra o arguido J..., imputando-lhe a prática, em autoria material, de um crime de desobediência previsto e punível pelo art. 388º, nº 1, do Código Penal de 1982, na sua primitiva redacção, ou pela alínea a) do nº 1 do art. 348º do mesmo diploma, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 48/95, de 15 de Março, consoante o regime que concretamente se viesse a mostrar mais favorável, disposições aplicáveis por força do art. 59º do Decreto-Lei nº 445/91, de 20 de Novembro, com a redacção dada pelo Decreto-Lei nº 250/94, de 15 de Outubro.

    O arguido veio a responder em processo comum, com intervenção de juiz singular, no Tribunal Judicial da Comarca de Ovar.

    Por sentença de 10 de Outubro de 1996, foi condenado na pena de multa de 60 dias, à taxa diária de 600$00, perfazendo a pena global de 36.000$00, tendo-se provado que o mesmo tinha em construção um pavilhão com a área de 120 metros quadrados, sem estar munido com a necessária licença camarária. Tendo havido embargo da referida obra por acto dos fiscais camarários, tal embargo foi ratificado por deliberação de 9 de Junho de 1994, tendo mais tarde a Câmara indeferido o pedido de licenciamento e cominado ao arguido a obrigação de proceder à demolição da construção. A demolição, porém, não fora levada a cabo pelo arguido no prazo indicado.

    Inconformado com esta sentença, o arguido recorreu para o Tribunal da Relação do Porto, recurso que foi admitido.

    Na motivação desse recurso, o arguido suscitou a questão da inconstitucionalidade do art. 59º do Decreto-Lei nº 445/91, de 20 de Novembro, norma que estabelece que o desrespeito dos actos administrativos que determinem, entre outros factos, a demolição é considerado crime de desobediência nos termos do art. 388º do Código Penal. Desde logo sustentou que aquele diploma fora publicado para além do prazo de 90 dias constante da correspondente lei de autorização legislativa (Lei nº 58/91, de 13 de Agosto). Além desta inconstitucionalidade orgânica, considerou que a mesma norma enfermava de inconstitucionalidade material, não podendo admitir-se a criminalização da omissão de acatamento de uma ordem administrativa, quando a "desobediência" a uma condenação judicial numa prestação de facto não é criminalizada (por exemplo, condenação na demolição de uma obra). Acrescia ainda a circunstância de o mesmo Decreto-Lei nº 445/91 prever que, em caso de recusa de demolição, esta possa ser realizada pela autoridade administrativa. Haveria, assim, ofensa do princípio constitucional da proporcionalidade consagrado no art. 266º da Lei Fundamental.

    Por acórdão de 19 de Março de 1997, a Relação do Porto negou provimento ao recurso. Considerou que o momento relevante para aquilatar sobre a utilização tempestiva pelo legislador governamental de uma autorização parlamentar era o da aprovação do diploma autorizado em Conselho de Ministros, conforme jurisprudência fixada pelo Tribunal Constitucional. Quanto à questão da inconstitucionalidade material, pronunciou-se deste modo o Tribunal da Relação:

    " A este respeito, como doutamente sustenta o M. Público na 1ª instância, citando Gomes C. e Vital Moreira, CRP anotada, diz-se que o princípio constitucional da proporcionalidade prende-se com a questão da legitimação da restrição de direitos fundamentais segundo o qual «são ilegítimas as medidas desnecessárias, inadequadas ou desproporcionadas ao objectivo constitucionalmente fixado nos estados de excepção constitucional».

    A sujeição da administração à imparcialidade na aplicação do princípio da proporcionalidade consiste em que aquela «deve proceder com imparcialidade para verificar se a prevalência do interesse público exige sacrifício total ou parcial dos interesses particulares» (obra citada).

    Entendido assim o referido princípio, conclui-se que a possibilidade que a administração tem de proceder, ela própria, à demolição da obra, não contende com a possível integração do crime de desobediência pela conduta do arguido ao não acatar a ordem de demolição que legitimamente lhe foi dada.

    Na verdade, com o dispositivo legal que prevê a dita conduta como crime de desobediência, pretende-se tutelar o interesse administrativo do Estado em garantir a obediência aos mandados legítimos da autoridade em matéria de serviço e ordem pública, enquanto que com o poder conferido à autoridade administrativa de executar, ela própria, a demolição, pretende-se conferir à mesma autoridade um direito previsto no art. 149º do C. do Procedimento Administrativo com a finalidade de melhor e mais rapidamente dar satisfação às funções que lhe competem [...].

    O crime baseia-se na desobediência a uma ordem legítima, que podia ter sido a de não continuação da obra; a demolição da obra, por acto próprio da entidade administrativa, baseia-se no enunciado princípio da executoriedade do acto administrativo." (a fls. 93-94)

    Ainda inconformado, interpôs o arguido recurso de constitucionalidade ao abrigo do art. 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional.

    O recurso foi admitido por despacho de fls. 102 vº.

    2. Subiram os autos ao Tribunal Constitucional.

    Nas suas alegações, o recorrente formulou as seguintes conclusões:

    "1ª O art. 59º do DL 445/91 de 20 de Novembro é inconstitucional na parte em que considera crime de desobediência um particular não proceder à demolição de uma construção após notificação para tal da câmara municipal;

  2. A lei ordinária já prevê para essas situações a demolição por iniciativa da própria câmara municipal, embargo e contra-ordenação de 100.000$00 a 20.000.000$00. O DL 445/91 veio também tipificar essa conduta como crime;

  3. O legislador ordinário deve respeitar a...

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